Acórdão nº 1484/21.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução27 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO AA e mulher BB, intentaram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra o Município ... pedindo a condenação do réu a: a) Reconhecer que o autor é dono e possuidor do prédio que identifica e que tinha antes das intervenções ali efetuadas pelo réu, a área total útil e disponível de 11267m2, destinada a construção; b) Reconhecer que propôs ao autor a aquisição e integração no domínio público do terreno parte desse prédio necessário à construção do nó de ..., garantindo que as áreas sobrantes seriam reconhecidas legalmente como aptas para construção; c) Reconhecer que ocupou ilegalmente e sem qualquer título legítimo 3398m2 do prédio do autor onde promoveu a construção do nó viário de ..., terreno esse que afetou definitivamente ao domínio público, não obstante essa falta de título; d) Reconhecer que ocupou ilegalmente e sem qualquer título uma zona do mesmo prédio destinada a talude à margem da via ocupando a área de 829m2 e com uma rede ocupando mais 145m2 do mesmo prédio, áreas estas que também definitivamente integrou no domínio público; e) Reconhecer que mercê das opções que consequentes à construção do nó rodoviário de ... as partes restantes do prédio do autor (representadas na planta junta sob o nº 6 sob as letras ..., ... e ... e com as áreas respetivamente de 2275m2, 500m2 e 4120m2) ficaram sem qualquer acesso direto à via pública, estando completamente isoladas, pelo que o autor ficou privado de a elas aceder ou as utilizar seja para que fim for, designadamente para fins construtivos; f) Reconhecer que propôs ao autor por escrito a construção a expensas suas de um caminho no interior do nó, à custa da cedência pelo autor consentida de 861m2 do seu prédio, nos termos constantes nos documentados juntos, caminho esse indispensável a assegurar a manutenção da aptidão construtiva das zonas sobrantes do prédio do autor, e que se comprometeu a construi-lo; g) Reconhecer que quando o autor contrapropôs, por escrito, algumas correções a essa proposta de compromisso, decidiu, por comunicações escritas de 22/4/2019 e 17/7/2019, emotivadamente e sem razão válida, pôr fim às negociações, declarando que perdera o interesse na construção do caminho e dando por encerrado processo de negociação, que assim rompeu unilateralmente e sem justificação capaz; h) Pagar ao autor - contra a integração no domínio público da área global de 4572m2 - uma indemnização, a liquidar, correspondente ao valor real e corrente do mercado, no local, dessa área de terreno, i) Construir o caminho público no interior do nó ocupando a área de 861m2 de terreno do autor, nos termos por este propostos e assegurando - por si ou em consequência de autorização por si requeridas - capacidade construtiva das áreas sobrantes do prédio designadas pelas letras ... e ... na planta junta; j) Quanto à área sobrante do prédio do autor designada pela letra ... constituir a expensas suas uma servidão garantindo comunicação e o seu acesso direto à via pública, através de caminho com largura mínima de 4 metros, ou, em alternativa, e se isso não lhe for possível, pagar ao autor o valor desse terreno contra a entrega do mesmo ao domínio público, por preço a liquidar igualmente; k) Pagar aos autores uma indemnização pelos danos não patrimoniais por eles sofridos no montante de 5.000,00 € a cada um deles; l) Pagar as custas do processo, por lhe ter dado causa exclusiva.

*Regularmente citado, o réu contestou defendendo-se por exceção, com a integração no domínio público da parcela com a área de 3.398 m2, por dicatio ad patriam, invocando ainda o principio da intangibilidade de obra púbilca, e, subsidiariamente, por aplicação do instituto do abuso de direito, impugnando a demais factualidade invocada pelos autores.

*A final foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência, julgou procedente o pedido formulado sob a alínea a) no segmento em que pugna pela condenação do réu a reconhecer que o autor é dono e possuidor do prédio referido no art. 1º da petição inicial e que tinha antes das intervenções levadas a cabo pelo Réu, a área total e disponível de 11 267 m2.

No mais, julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores sob as alíneas b) a k).

As custas ficaram a cargo de autores e réu na proporção do decaimento, fixando-se 10/11 a cargo dos AA., e 1/11 a cargo do Réu, sem prejuízo da isenção de que beneficia.

*Inconformados com a sentença, vieram os autores recorrer, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1ª - Os autores pediram a condenação do réu Município ...: a) A pagar-lhes uma indemnização correspondente ao valor de uma parcela de terreno de sua propriedade irregularmente integrada no domínio público, para construção de um nó viário na freguesia ... concelho ..., uma vez que o Município manteve com os autores contactos com vista à aquisição dessa parcela de terreno, desde meados de 2009, mas iniciou as obras em dezembro de 2018 e concluiu-as posteriormente sem pagar qualquer compensação aos autores por essa expropriação de facto; b) A condenação do réu a construir um caminho no interior do nó, por ele projetado e nos termos por ele propostos, por escrito, proposta essa que o autor aceitou, bem como a reconhecer que, na parte não aceite da proposta, rompeu inesperada e imotivadamente as negociações, declarando que perdera o interesse na construção do caminho; c) A condenação do mesmo Município a pagar-lhes uma indemnização por danos não patrimoniais (pedidos alíneas a) a k)).

  1. – A ação foi contestada pelo Município, alegando este: a) Quanto ao pedido de indemnização por integração da parcela de terreno no domínio público, que esta não era devida por ter sido integrada nesse domínio por “dicatio ad patriam” e por “expropriação de facto por culpa do autor”, alegando ainda que tinha adquirido a parcela por “usucapião”, bem como por força da aplicação do princípio da “intangibilidade da obra pública”, porque o Município recebera essa parcela na sequência de doação do autor, em contrapartida de a área restante ser classificada no PDM do Município como solo urbano – espaço residencial de nível 1, contrapartida essa que a Câmara cumpriu; b) Quanto à proposta de cedência gratuita de uma parcela de terreno do autor, destinada à construção de um caminho público, na zona sobrante do prédio, e aceite pelo autor, foram as exigências complementares por este feitas (pagamento de uma indemnização alternativa de valor dito exorbitante, para o caso de a obra projetada não vir a ser licenciada, e execução de obras no caminho ditas bastante onerosas), não podia prosseguir nas negociações porque o processo negocial estava esgotado e inconsequente, devido às posições ditas extremadas do autor; c) Quanto a danos não patrimoniais alegou que os autores nenhuns danos dessa natureza sofreram, porque o Município se limitou a agir com bom senso, conforme as suas competências e no respeito pelo interesse público.

  2. – Produzida a prova documental e em audiência de julgamento, a sentença recorrida julgou a ação improcedente, salvo quanto ao pedido de reconhecimento da propriedade dos autores, com os seguintes fundamentos: a) O terreno ocupado pelo Município foi doado verbalmente pelos autores, embora a doação fosse com encargos, visto que o Município assumiu, e cumpriu, o compromisso, em contrapartida, de classificar a área sobrante do terreno dos autores como área de construção, na sequência de proposta escrita dos autores nesse sentido, embora não tenha dado qualquer resposta escrita à proposta, sendo a transmissão do terreno para o domínio público válida, embora intitulada por força do princípio da “dicatio ad patriam” e do da “intangibilidade da obra pública”; b) O abandono das negociações pelo Município foi justificado porque, embora tendo o Município feito uma proposta, e o autor declarado aceitá-la, o certo é que fez exigências complementares descabidas e o Município esforçou-se ao máximo para obter a cedência do terreno, para construção do caminho público, mas não o conseguiu porque os autores tentaram obter contrapartidas “impossíveis/incomportáveis” o que levou o Município a decidir que “nada mais tinha a negociar”; c) Quanto ao pedido de pagamento de danos não patrimoniais a sentença é completamente omissa, talvez por ter entendido que esse pedido ficava prejudicado, atenta a improcedência dos demais.

  3. – O assim decidido é completamente inaceitável, porque injustificado em termos de direito, visto que a ação devia proceder, considerando os factos que se provaram e ainda que só estes fossem considerados, mas nem sequer é sustentável em termos de facto, uma vez que quanto a um grande número dos factos tidos por não se fez qualquer prova, e quanto a outros que se provaram inequivocamente, a sentença não os considerou, razão pela qual os autores interpuseram o presente recurso de apelação, que respeita quer à matéria de facto quer à matéria de direito.

  4. – Sem prescindir, a sentença teria já, na verdade ante a matéria de facto que fixou, de julgar a ação procedente, pois deu por provada a generalidade dos factos que conduzem necessariamente à procedência, a saber: a propriedade do autor sobre os terrenos identificados, a pretensão transmitida pela Câmara ao autor, de integrar no domínio público uma parcela desse prédio, assegurando que a parte restante e não destinada ao nó viário seria qualificada como terreno de construção, a ocupação pela Câmara Municipal ... do terreno que entendeu necessário para a construção do nó viário, sem qualquer formalismo e sem pagamento de qualquer indemnização; que o Município propôs ao autor a construção de um caminho, que seria público, no interior do seu prédio, em terreno nessa parte cedido gratuitamente, proposta que o autor aceitou, mas que se não concretizou porque o réu argumentou que resolvera romper as negociações, por entender incomportáveis as condições que o autor complementarmente...

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