Acórdão nº 1030/06.4TTPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução21 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Doutrina: - Comentário de Guilherme Dray, em anotação ao artigo 18.º , Código do Trabalho Anotado, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 111 — obra colectiva de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guillherme Dray e Luís Gonçalves da Silva; - Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 44; - Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2008, pp. 150/151. Legislação Nacional: - CÓDIGO DO TRABALHO ( 2003 ): - ARTIGOS 15.º E SEGUINTES, 22.º, 23.º, N.º 1, 24.º,119.º, N.ºS 1 E 2, 120.º ALÍNEA C), 150.º, 151.º, NºS. 1 E 5. - LEI N.º 35/2004, DE 29 DE JULHO (RCT) : - ARTIGO 32.º, N.º1. - DECRETO-LEI N.º 100/94, DE 19 DE ABRIL : - ARTIGO 11.º, N.º 2. - CÓDIGO CIVIL : - ARTIGO 342.º, N.º1.

Sumário : I - Alegando o trabalhador que os comportamentos da sua entidade empregadora – que reputa integradores do denominado assédio moral ou mobbing no trabalho – surgiram em consequência de não ter aplaudido o anúncio da nomeação de um novo chefe de equipa e de ter sido testemunha em acção proposta por uma outra trabalhadora contra a sobredita entidade empregadora, o quadro legal a atender não é o constante dos n.ºs 1 e 2, do artigo 24.º do Código do Trabalho (de 2003) – que define as garantias de igualdade e não discriminação no trabalho – mas antes o constante do artigo 18.º do mesmo diploma legal, segundo o qual o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.

II - Excluída a aplicabilidade do regime jurídico garantístico do princípio da igualdade e da não discriminação, excluída está, igualmente, a possibilidade de aplicação do regime especial de repartição do ónus da prova, previsto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho, onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores – a alegar e demonstrar pelo pretenso lesado –, impondo-se ao empregador a demonstração de factos susceptíveis de ilidir aquela presunção.

III - Daí que, alegada, pelo lesado, uma situação de assédio moral não discriminatório, é sobre aquele que impende o ónus da prova de todos os factos que, concretamente, integram a violação do direito à integridade moral a que se refere o art. 18.º, do Código do Trabalhoart. 342.º, n.º 1, do Código Civil.

IV - Integra-se no âmbito do poder de direcção da entidade empregadora, consignado no artigo 150.º, do Código do Trabalho, a atribuição por aquela a um seu trabalhador – técnico de informação médica – de um novo projecto em substituição de um outro que há anos vinha efectuando, quando é certo que as novas funções se inserem na categoria profissional daquele trabalhador e a entidade empregadora já em outras ocasiões havia redistribuído tarefas a outros seus trabalhadores, não se vislumbrando, face a tal enquadramento, indício de infracção aos deveres de boa fé e de colaboração na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

V - Resultando provado que, no período compreendido entre Junho de 2005 e Junho de 2006, a entidade empregadora não convocou o seu trabalhador para algumas reuniões, mas que, de todo o modo, a sua presença apenas era necessária nas reuniões que lhe diziam directamente respeito e não resultando provado que naquelas reuniões houvessem sido tratados assuntos directamente relacionados com o trabalhador, não pode concluir-se da falta de convocação o intuito, ou o efeito, de o colocar numa situação de isolamento e de discriminação relativamente aos seus outros colegas, ou de ostracismo e solidão, e de impedir que o mesmo conhecesse a estratégia, os desafios e as necessidades da empresa ou obstar ao contacto e convívio com os colegas.

VI - Resultando provado que, no ano de 2005, a entidade empregadora ofereceu o cabaz de Natal apenas a trabalhadores que apresentaram resultados susceptíveis de serem premiados e que, a partir daquele ano, a política daquela foi a de atribuir presentes em função do desempenho pessoal, não pode afirmar-se que a circunstância de o trabalhador não ter sido premiado constitui prática discriminatória quando é certo não ter este demonstrado ter alcançado resultados merecedores da oferta do cabaz de Natal.

VII - Provando-se apenas que o vencimento do trabalhador foi sempre aumentado até ao ano de 2004 e que, nos anos de 2005 e 2006, a entidade empregadora procedeu a aumentos nos vencimentos de alguns dos seus funcionários, não pode afirmar-se, igualmente, qualquer prática discriminatória, tanto mais que o trabalhador não logrou provar que a qualidade do seu trabalho era idêntica à daqueles funcionários que viram os seus vencimentos aumentados.

VIII - Embora esteja demonstrado que a entidade empregadora disponibilizou ao seu trabalhador amostras e material promocional em quantidade inferior àquela disponibilizada a outros funcionários e que, desde Outubro de 2005, lhe não entrega amostras de medicamentos em promoção, não pode concluir-se que tal procedimento configura uma prática discriminatória tanto mais que se provou que o medicamento promovido pelo trabalhador estava no mercado há mais de dois anos e, sendo um medicamento sujeito a receita médica, as amostras gratuitas apenas poderiam ser cedidas durante os dois anos seguintes contados da data da introdução no mercado (artigo 11.º, n.º 2, do DL n.º 100/94, de 19 de Abril) e não se provou que as quantidades de amostras e material promocional disponibilizados ao trabalhador fossem insuficientes para o desempenho da sua actividade.

IX - Ao não devolver ao trabalhador o computador portátil – recolhido pelo seu superior hierárquico, à semelhança do sucedido com outros trabalhadores, em ordem à instalação de uma nova aplicação informática – infringiu a entidade empregadora o disposto no art. 120.º, alínea c), do Código do Trabalho.

X - De todo o modo, tal infracção não assume, por si só, gravidade tal que possa servir de suporte à conclusão de que foi propósito da entidade empregadora, ao agir desse modo, retaliar ou castigar o seu trabalhador por delito de opinião, como também não serve de apoio à tese de que a mesma conduta se insere num processo de discriminação, visando diminuí-lo na sua dignidade e atingi-lo na sua honra e consideração, consequenciando, apenas, a imposição à entidade empregadora no sentido de restituir ao seu trabalhador tal instrumento de trabalho, logo que este, cessada a situação de baixa, retome o serviço.

XI - Não se afigura injustificada ou desproporcionada a exigência de entrega da viatura que estava distribuída ao trabalhador para uso profissional e pessoal, levada a efeito pela entidade empregadora em Janeiro de 2007, tanto mais que aquele estava, devido a doença, impossibilitado de trabalhar desde Dezembro de 2005, ignorando-se se poderia conduzir.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal de Trabalho do Porto, AA demandou, em acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho intentada em 28 de Junho de 2006, BB…, Lda.

, alegando, em síntese, que, sendo trabalhador da Ré desde 1973, e desempenhando ultimamente as funções de técnico especialista de informação médica, passou, a partir de Outubro de 2004, a ser alvo de discriminação por parte da demandada, que lhe retirou a visitação dos médicos especialistas de dermatologia e urologia, que ele, há vários anos, visitava; excluiu-o do grupo de prospecção dos médicos especialistas de ginecologia com vista ao lançamento no mercado de um novo medicamento, prospecção essa que veio a ser efectuada por outros profissionais de categoria inferior à sua; deixou de o convocar para as reuniões de trabalho para coordenação, avaliação de resultados por ciclo e programação e definição de estratégia, como até então acontecia; não lhe entregou o cabaz de Natal do ano de 2005, até então oferecido a todos os trabalhadores da ré; passou a entregar-lhe produtos e brindes promocionais em quantidade insuficiente para o bom desempenho das suas funções, e em volume inferior ao entregue a outros colegas seus; retirou-lhe o computador portátil, instrumento de trabalho indispensável ao desempenho das suas funções, substituindo-o pelo preenchimento de impressos, colocando-o em notórias condições de trabalho mais desfavoráveis, gravosas e desprestigiantes relativamente aos seus colegas; não lhe aumentou a remuneração nos anos de 2005 e 2006, contrariamente aos demais trabalhadores; retirou-lhe a viatura automóvel atribuída para uso profissional e pessoal; e que, em consequência de tais factos, sofreu danos de natureza não patrimonial.

Pediu a condenação da Ré a abster-se de praticar quaisquer actos discriminatórios, dando-lhe o mesmo tratamento profissional que dispensa aos demais seus funcionários (designadamente aos profissionais de informação médica), com a restituição do computador como ferramenta de trabalho, e a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais, de montante não inferior a € 50.000,00. Pediu, ainda, a condenação da Ré pela prática de contra-ordenação muito grave.

Na contestação, a Ré apresentou uma versão do relacionamento entre as partes em que, reputando o seu comportamento de irrepreensível, contrariou os fundamentos da acção, para concluir pela improcedência das pretensões nela formuladas, e deduziu pedido reconvencional, no valor de € 20.000,00, que fundou em prejuízos que alegou ter sofrido em consequência de condutas do Autor.

O Autor, respondendo à reconvenção, impugnou os respectivos fundamentos e concluiu pela sua improcedência.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou...

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