Acórdão nº 08A2620 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução18 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Nas Varas de Competência Mista de Sintra, AA, em acção com processo ordinário, intentada contra sua ex-mulher BB, pediu que, com a procedência da acção, se decida: "I) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 19.500.000$00 (dezanove milhões e quinhentos mil escudos), como sua dívida ao A. relativa ao uso do prédio comum, sito à Rua da ...., lote ..., Algueirão, Mem-Martins, equivalente a 50% do valor global das rendas vencidas desde Outubro de 1988 a Outubro de 2001, acrescida de juros legais, contados desde a data da citação até integral pagamento.

II) Ser, ainda, a R. condenada a pagar mensalmente ao A. a quantia de 125.000$00 (cento e vinte e cinco mil escudos), como retribuição pelo uso do referido prédio, seja ou não a título de arrendamento, desde Novembro de 2001 até à efectivação da partilha.

III) Se assim se não considerar, deve a R. ser condenada ao pagamento do valor global das rendas vencidas, desde Outubro de 1988 até Outubro de 2001, relativa ao uso do citado bem imóvel, e vincendas à razão mensal de 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos), devidas ao património comum indiviso".

Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, o seguinte: O Autor e a Ré casaram um com o outro, sem convenção antenupcial, no dia 25 de Maio de 1974.

Por sentença proferida em 30 de Setembro de 1999, transitada em julgado no dia 21 de Outubro de 1999, foi decretado o divórcio de ambos, tendo-se decidido que os efeitos patrimoniais do divórcio se retrotraíam ao dia 5 de Outubro de 1988, data em que cessara a coabitação entre os cônjuges.

Do dissolvido casal existem diversos bens a partilhar, objecto de acção de inventário para partilha consequente a divórcio, apensa à respectiva acção de divórcio.

A casa de morada de família era no prédio urbano sito à Rua da ..., lote 14, inscrito na matriz sob o artigo 6129, da freguesia de Algueirão - Mem Martins, prédio esse integrado no património comum do casal.

O Autor suportou exclusivamente com bens próprios diversos encargos com o património indiviso, nomeadamente, com o imóvel já indicado e outro prédio urbano que identifica.

O Autor não usufrui de nenhum dos prédios do património comum.

O valor mensal do arrendamento do prédio da Rua da ..... é, no mínimo, de 250.000$00.

A quota de 50% a que o Autor tem direito, enquanto comproprietário, está, pois, prejudicada à razão de 125.000$00 por mês.

Desde 5 de Outubro de 1988, decorreram já 156 meses, o que perfaz um total de 39.000.000$00 de rendas vencidas, das quais 19.500.000$00 devidos ao Autor.

Quanto às rendas vincendas, deve a Ré pagar mensalmente ao Autor a quantia de 125.000$00 pelo uso do referido imóvel, use ou não a faculdade que lhe é conferida pelo nº 1 do artigo 1793º do Código Civil.

Os referidos montantes devem ser considerados dívidas da Ré ao Autor.

Não se tratando de "dívidas do casal", são estas exigíveis desde já, não operando a moratória de acerto em partilha, são, pois, dívidas apenas da responsabilidade da Ré.

Ainda que assim se não considerasse, tendo sido decidido que os efeitos patrimoniais do divórcio se retrotraíriam ao dia 5 de Outubro de 1988, sempre seria inegável a separação patrimonial entre Autor e Ré na data da contracção das referidas dívidas.

Assim, nesta data, vigorava entre estes o regime de separação de bens, o que sempre se subsumiria na previsão da parte final do nº 1 do artigo 1697º do Código Civil, tornando, assim, desde logo exigíveis estas dívidas.

Se não se considerarem as referidas rendas frutos do bem compropriedade de Autor e Ré, sempre se dirá que estas rendas só podem ser consideradas frutos do património comum indiviso.

Contestou a Ré, limitando-se a arguir a ineptidão da petição inicial, pedindo a sua absolvição da instância.

Houve réplica.

Foi proferida decisão, que declarou não ocorrer a excepção dilatória da nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, e que, por considerar que a acção adequada à pretensão do Autor seria a acção de prestação de contas, entendeu, com base em erro na forma processual utilizada pelo Autor, ser de anular todo o processo, tendo absolvido a Ré da instância, decisão que foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, após recurso de agravo do Autor.

Voltando os autos à 1ª instância, foi proferido despacho saneador-sentença, onde se julgou a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do respectivo pedido.

Após apelação do Autor, foi, na referida Relação, proferido acórdão, segundo o qual se julgou improcedente o recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.

Tendo o Autor requerido uma aclaração do acórdão, foi, em conferência, indeferida tal pretensão.

Ainda inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Para que se possa considerar que houve uma privação efectiva do uso do imóvel, não é necessário que a recorrida tivesse manifestado de uma forma concludente a sua oposição a uma qualquer solução de utilização ou rendibilização do imóvel que lhe tivesse sido apresentada pelo recorrente.

  1. - O facto de a recorrida, mesmo após o decretamento do divórcio, ter continuado a residir na casa de morada de família como se, de facto, fosse plena proprietária do bem em causa, por si só, é facto suficiente para se poder concluir pela impossibilidade de o ora recorrente poder também ele us ufruir de todas as vantagens económicas facultadas pelo citado imóvel.

  2. - À cautela e sem conceder, pelo menos desde a data em que a Ré foi citada para os termos da presente acção, não mais pode alegar o desconhecimento de que o recorrente se opunha à utilização exclusiva que a mesma vinha fazendo do citado imóvel.

  3. - O intentar da presente acção é manifestação notória da pretensão do Autor, ora recorrente, de fazer afectar ao seu património as vantagens proporcionadas pelo imóvel em causa.

  4. - É, inequivocamente, esse o significado do segundo pedido formulado a final da petição inicial, quando aí foi peticionada a condenação da Ré ao pagamento mensal da quantia de PTE 125.000$00, actualmente EUR 623,50, como retribuição pelo uso do referido prédio, seja ou não a título de arrendamento, desde Novembro de 2001 até à efectivação da partilha.

  5. - Pelo que, mesmo que se considere que não está provado nos autos que a recorrida se tenha oposto a qualquer solução a adoptar entre os dois comproprietários quanto à utilização ou rentabilização do imóvel em causa, ainda assim sempre se deverá considerar como data relevante para o início da privação do uso do imóvel por parte do recorrente, a data em que a recorrida foi citada para a presente acção, isto porque desde essa data que a recorrida sabia inequivocamente estar a privar o outro consorte do uso ou fruição do citado imóvel e que o recorrente se opunha a tal situação.

  6. - O Tribunal recorrido não fez, assim, uma correcta interpretação e aplicação do art. 1406º, nº 1, do Código Civil.

  7. - O ora recorrente discorda igualmente do entendimento perfilhado no acórdão recorrido, segundo o qual não houve qualquer alteração de causa de pedir em sede de réplica por supostamente o ora recorrente não ter alegado factos concretos e objectivos que preenchessem todos os requisitos do enriquecimento sem causa.

  8. - Contrariamente ao que é dito pelo Venerando Tribunal a quo, o ora recorrente, quer na sua petição inicial, quer na sua réplica, alegou factos concretos relativamente a todos os requisitos do regime do enriquecimento sem causa, os quais se encontram previstos no artigo 473º do Código Civil.

  9. - No caso dos autos, houve uma deslocação patrimonial, sendo que a vantagem patrimonial da recorrida consistiu em nada ter pago ao recorrido pelo uso exclusivo (e sem o acordo do recorrente), de um bem que não lhe pertencia na totalidade, mas apenas em parte.

  10. - Sendo a recorrida comproprietária de apenas 50% do imóvel sito na Rua da ....., da qual teve o uso exclusivo desde 1988, e não pagando qualquer quantia por esse uso, a recorrida enriqueceu, no período compreendido entre 5 de Outubro de 1988 e 29 de Novembro de 2004, em metade do seu valor locatício, causando um igual e correspondente empobrecimento do recorrente.

  11. - Não existe tão-pouco causa para o enriquecimento da recorrida, porquanto não existiu qualquer causa para a deslocação patrimonial, dado que o enriquecimento não teve qualquer justificação legal ou contratual.

  12. - Se alguma dúvida houvesse quanto a ausência de acordo, ou existência de condescendência por parte do ora recorrente, quanto ao uso e fruição exclusiva do imóvel por parte da recorrida, tal dúvida não é razoável a partir do momento em que a recorrida foi citada para a presente acção, na qual o Autor, ora recorrente, manifestou de forma incontroversa e notória a pretensão de fazer afectar ao seu património as vantagens proporcionadas pelo imóvel em causa.

  13. - O enriquecimento da recorrida foi suportado pelo correspondente empobrecimento do Autor, que sendo comproprietário em 50% da casa se viu privado quer do uso, quer da percepção de qualquer lucro pelo facto do uso pertencer exclusivamente a outrem.

  14. - O acórdão recorrido não fez uma correcta interpretação e aplicação do artigo 273º do C.P.C. e, consequentemente, ao não ter conhecido da questão do enriquecimento sem causa, por ter entendido que se tratava de uma questão nova, violou o artigo 660º, nº 2, do C.P.C., porquanto, como vimos atrás, esta questão não foi suscitada pelo recorrente apenas no seu recurso de apelação, mas já antes em sede de réplica.

  15. - Em todo o caso, contrariamente ao entendimento que parece resultar da leitura do acórdão recorrido, in casu quer a petição inicial, quer a réplica apresentada pelo recorrente, continham todos os factos necessários à aplicação da figura do enriquecimento sem causa, nos termos atrás expostos, estando, assim, reunidos todos os requisitos para a aplicação do enriquecimento sem causa.

    A...

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