Acórdão nº 0973/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução18 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…, com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de improcedência dos embargos de terceiro que apresentou contra a penhora do prédio urbano inscrito na matriz do concelho de Mira sob o n.º 5924, efectuada no processo de execução fiscal instaurado contra o seu ex-cônjuge, B….

Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

  1. No âmbito do processo n° 0779200501011642 foi efectuada a penhora do prédio urbano, sito na localidade de …, freguesia e concelho de Mira, inscrito na respectiva matriz sob o número 5924 (penhora n°077920060000002523), registada provisoriamente por dúvidas na Conservatória do Registo Predial de Mira, tendo tal registo caducado por não terem sido removidas as dúvidas que impendiam sobre o mesmo.

  2. Tal caducidade foi registada no sistema em 10/09/2008, conforme consta da certidão relativa ao teor das inscrições e encargos totais do referido prédio, emitida pela dita Conservatória em 09 de Julho de 2009 ora junta, sendo que a Recorrente só tomou conhecimento da mesma em 06 de Julho corrente, quando, a fim de tratar de um assunto alheio à presente questão, solicitou àquela Conservatória certidão de teor das inscrições e encargos em vigor e verificou que a penhora a que aludem os presentes autos dela não constava.

  3. Encontrando-se a penhora registada provisoriamente por dúvidas, cumpria ao embargado, sanar, em tempo útil, as dúvidas do registo, promovendo a remoção das mesmas e operando a conversão do registo em definitivo, sendo certo que as dúvidas no registo, relativas a proveniência do prédio, decorrem de alterações à matriz, resultantes da avaliação geral da propriedade do concelho de Mira e da criação de freguesias administrativas, a que a ora Recorrente foi completamente alheia, conforme requerimento em tempo apresentado aos autos pela então embargante e oficio remetido pelo Serviço de Finanças de Mira, constante a fls. 53 dos Autos.

  4. A caducidade do registo não foi, em tempo, comunicada aos autos pelo embargado, nem pela ora Recorrente, que a desconhecia, pelo que os seus efeitos não foram levados ao conhecimento do Mmº. Juiz, nem apreciados em primeira instância.

  5. Ao ter omitido factos relevantes para a decisão da causa, actuando, pelo menos com negligência grave, litigou o Recorrido com manifesta má fé, devendo ser condenado em multa e indemnização condigna a favor da Recorrente, o que se requer ver decretado.

    f) Com a caducidade do registo, a referida penhora, que foi causa de pedir dos embargos deduzidos, caducou, pelo que o prédio “deixou” de estar penhorado, revertendo para o património onde se encontrava.

  6. Tendo caducado a penhora a favor do recorrido, por culpa deste, deixou de existir motivo para o prosseguimento dos embargos, que se fundamentaram na dita penhora, pelo que se verifica, assim, nos termos do artigo 287° alínea e) do Código de Processo Civil, impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide devendo julgar-se extinta a Instância o que se requer.

  7. Os fundamentos da ora alegada inutilidade superveniente da lide, de que só agora a Recorrente tomou conhecimento, só poderão ser apreciados e decididos por V.ªs Ex.ªs após apreciação do teor das certidões de registo que ora se remetem, estando reunidos os pressupostos da junção de documentos em fase de Recurso, devendo os mesmos ser admitidos, o que se requer.

    Sem prescindir, i) Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos deduzidos pela ora Recorrente, por se ter entendido que a mesma não tem a qualidade de terceiro na execução em apreço e que a sua posse ou direito não é incompatível com a penhora j) Salvo o devido respeito por opinião diversa e salvo melhor entendimento, sendo a dívida contraída pelo executado no estado de divorciado, sendo a mesma de sua exclusiva responsabilidade por não se poder presumir proveito comum, e não tendo sido a ora Recorrente, no âmbito do concreto processo de execução fiscal, que precedeu os embargos deduzidos, considerada co-executada, nem sequer para efeitos de citação, restará concluir que a mesma foi, pelo próprio embargado, ao longo de todo o procedimento, considerada terceira.

  8. A qualidade de terceiro na execução, que foi “atribuída” à ora Recorrente ao longo de todo o processo de Execução fiscal, no âmbito do qual foi penhorado um bem que também lhe pertence - qualidade essa que nem sequer foi contestada, pois que a Digna Representante da Fazenda Pública pediu que os embargos fossem julgados de acordo com o prudente juízo do Tribunal e a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer pugnando pela procedência dos embargos - deve manter-se no momento da defesa do seu património, para efeitos da dedução de embargos, pois a mesma não tinha ao seu alcance outro meio de defesa, nem tinha outra qualidade processual que legitimasse a sua intervenção além da qualidade de terceira, pois não era executada, nem cônjuge do executado.

    l) Constando do ponto 5 dos factos provados que a casa de habitação penhorada foi construída por ambos os cônjuges, não restam dúvidas de que o bem penhorado pertence a ambos os ex-cônjuges e que a ora Recorrente pretendia exercer um direito seu, defendendo o seu património e o seu direito sobre o imóvel penhorado que lhe pertence, direito esse que não é um simples direito à habitação, nem uma simples posse, nem um mero direito à casa de morada de família, mas antes um verdadeiro direito de propriedade, o que não foi, em momento nenhum, posto em crise, nem pelo embargado, ora Recorrido, nem pelo executado.

  9. Estando o património da Recorrente a responder por uma dívida de que a mesma não é responsável, de que não teve proveito, em que não é executada, nem é cônjuge do executado, os embargos de terceiro são o único meio processual à disposição da ora Recorrente, não dispondo esta de outro meio para se opor à penhora de um bem que também lhe pertence, que é comum e que a própria Sentença recorrida reconhece como tal.

  10. Refere a, douta, Sentença que, sendo a posse da ora Recorrente em termos de comunhão e o seu direito à propriedade comum, a penhora não é incompatível nem com a posse nem com o direito de propriedade do ex-cônjuge sobre o bem, e que o que seria incompatível seria o prosseguimento da execução para venda do mesma bem depois de a ora Recorrente ter usado da faculdade de requerer a separação judicial de bens e o bem lhe ter sido ali adjudicado; salvo melhor opinião e com o devido respeito, tal faculdade não foi concedida à ora Recorrente, nem esta poderia ter usado da mesma.

  11. Conforme consta da douta Sentença, ficou provado que a ora Recorrente não foi, em momento algum, citada para a execução e considerando expressamente, a douta Sentença recorrida, que “a obrigação de citação a que alude o artigo 239°, n°1, do C.P.P.T. se estende aos ex-cônjuges quando tenham sido penhorados bens comuns (...) ainda não partilhados, do dissolvido casal” e que a ora Recorrente não tem a qualidade de terceiro, devendo portanto ser equiparada ao cônjuge, então a falta de citação da ora Recorrente constituiria nulidade insanável, de conhecimento oficioso.

  12. O próprio Órgão de Execução fiscal justificou, na contestação, a falta de citação da ora Recorrente, mostrando nitidamente o entendimento de que a mesma é terceira pelo que não haveria lugar à aplicação do disposto no artigo 220° do Código CPPT, o que equivale a dizer que não assistia à ora Recorrente o direito de requerer a separação judicial de bens, ao contrário do que resulta da, douta, Sentença recorrida.

  13. O artigo 220° do CPPT refere-se claramente ao cônjuge do executado, não se devendo fazer uma interpretação extensiva da lei de forma a tal preceito se aplicar ao ex-cônjuge, porque o direito de requerer a separação de bens que daí decorre só se aplica, nos termos da Lei Civil, na vigência da sociedade conjugal e esta dissolveu-se com o divórcio.

    r) Ainda que tivesse sido citada nos termos do artigo 220º do CPPT, a ora Recorrente não poderia ter requerido a simples separação de bens, pois, nos termos do disposto nos artigos 1767° e seguintes do Código Civil, a legitimidade para a acção de separação pertence ao cônjuge lesado e a separação só pode ser decretada em acção intentada por um dos cônjuges contra o outro, pelo que, não sendo a ora Recorrente, em consequência do divórcio, cônjuge do executado, não tinha legitimidade para tal.

  14. Conforme consta do artigo 1770° do Código Civil, a acção de simples separação de bens tem efeitos no regime matrimonial que vigora no casamento, pelo que resulta claramente da letra e do espírito da lei que apenas pode ter lugar na vigência do mesmo e não após o divórcio.

    t) Não se pode entender, como entendeu o Mmº Juiz “a quo”, que a penhora não é incompatível com o direito de propriedade da ora Recorrente sobre o imóvel, pois a mesma representa um ónus que claramente limita o seu direito e que o ofende, pois se assim não fosse, nem sequer seria necessário reflectir sobre a eventual faculdade de requerer a separação de bens, nem haveria razão para tal penhora vir a ser levantada após a partilha dos bens comuns nos termos gerais se o imóvel ali lhe fosse adjudicado, reflexões constantes da, douta, Sentença recorrida.

  15. A penhora implica que o bem o penhorado seja retirado da posse e livre disposição do seu titular, ficando vinculado e adstrito aos fins do processo executivo, pelo que, não sendo a ora Recorrente parte na causa e recaindo a penhora sobre um prédio que é comum e também lhe pertence, como reconhecido pela, douta, Sentença recorrida, é a mesma incompatível com a posse e o direito da ora Recorrente.

    v) Face ao disposto no artigo 351º do Código de Processo Civil, atendendo a que a ora Recorrente não era parte no processo de Execução fiscal e visto que a penhora ofende a posse e o direito...

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