Acórdão nº 0185/16.4BESNT 01352/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos pela ex-cônjuge do Executado contra a penhora de imóvel que integra o património comum ainda não partilhado, da mesma veio interpor recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Tendo o recurso sido admitido, a Recorrente apresentou alegações que encerrou com as seguintes conclusões: «I — Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 19-12-2019, a qual julgou totalmente procedente os Embargos de Terceiro deduzidos por A…………, com o NIF ………., contra a penhora do prédio inscrito na matriz urbana da união das freguesias de ……… e ……….., sob o artigo 1454, fracção “L”, registada pela inscrição Ap. 16 de 2015/10/12, na Conservatória do Registo Predial de Mafra, já devidamente identificada nos autos, a qual foi efectivada no âmbito dos autos de execução fiscal n.° 3549201001201883 e apensos, que correm termos no Serviço de Finanças de Sintra 2.

II — A Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, socorrendo-se da matéria factual dada como assente no segmento Factos Provados da Sentença recorrida, os quais aqui damos por plenamente reproduzidos para todos os efeitos legais, consignou que a Embargante deve ser considerada terceiro para efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 237.° do CPPT e que a penhora ora colocada em crise e ilegal por não existir comunhão de bens em virtude da dissolução do casamento entre esta e B………..

. III — Ora, no caso em apreço, encontram-se em causa dívidas exigidas por força da utilização do mecanismo de reversão patente no artigo 24.º da LGT, ou seja, dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges.

IV — Sendo igualmente certo que, no momento em que operou a reversão contra o ex-cônjuge da Embargante, bem como na altura em que se efectuou a penhora ora embargada, o casamento entre ambos já havia sido dissolvido, sem que, contudo, o bem imóvel penhorado haja sido objecto de partilha.

V — Nos termos do disposto no artigo 1730.º do Código Civil, ambos os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão (propriedade colectiva ou de mão comum), sendo que, ao abrigo do disposto nos artigos 1688.º e 1795.º-A, ambos do Código Civil, as relações de caracter patrimonial estabelecidas entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bens.

VI — Ou seja, se os bens comuns constituem uma massa patrimonial que, como decorre do artigo 1689.° do Código Civil, está especialmente afecta à satisfação das dívidas conjugais e que, por isso, goza de certo grau de autonomia, e se a respectiva titularidade pertence aos cônjuges-ou, decretado o divórcio, faz com que tal massa tenha a natureza daquilo que a doutrina tem vindo a designar como património colectivo ou comunhão conjugal (destaque nosso).

VII — E, contrariamente ao que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo, após a dissolução do casamento, os bens comuns do casal não permanecem numa situação de indivisão enquanto não se proceder a partilha, pois que o direito dos respectivos membros não incide directamente sobre cada um dos elementos que constitui o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário. Assim, a qualquer daqueles membros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dois bens que integram o património global, não lhes sendo licito, por conseguinte dispor desses bens ou onerá-los, cfr. Pires de Lima e Antunes Vareja, Código Civil Anotado, vol. III, 1984, pag. 347 e segs.

VIII — Isto é, após a dissolução do casamento, os bens comuns do casal ficam conservados como propriedade ou património colectivo até que ocorra a sua divisão, através de partilha ou separação judicial de bens, cfr. Antunes Varela, in Direito da Família, Livraria Petrony, Lisboa, 1982, pags. 373 a 375, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família volume I, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2003, pag. 550 IX — Não se pode, por isso, concordar com o entendimento vertido na Sentença recorrida, uma vez que não é a mera extinção do vínculo conjugal que automaticamente opera a alteração do regime de bens, legal ou contratualmente fixado para o casamento; de facto apenas a partilha pode colocar termo à comunhão podendo, ou não, dar lugar à compropriedade. Enquanto aquela não ocorrer, o regime legal de bens mantém a imutabilidade que lhe é natural, podendo terceiros valer-se das normas legais que o pressupõem.

X — Portanto, nos presentes autos, e subscrevendo o entendimento vertido nos acórdãos da Relação do Porto de 12-07-2017, proc. n.° 159/17.8TBAVR.P1, da Relação de Évora de 20-09-2011, proc. n.° 322/04.4GBPSR-B.E 1 e da Relação de Lisboa de 04-03-2004, proc. n.° 528/2004-2, a natureza do bem penhorado não sofreu quaisquer alterações por força da dissolução do casamento, permanecendo um bem pertencente ao património comum conjugal e não um bem indiviso.

XI — Contrariamente à tese da indivisão enquanto não houver partilha (compropriedade) seguida na Sentença sob recurso, na comunhão conjugal existe uma comunhão sem quotas, em que os respectivos titulares são sujeitos de um único direito e de um direito uno que não comporta a sua divisão nem mesmo ideal.

XII — Nesta conformidade, em virtude de a mera dissolução do casamento não operar qualquer alteração ao regime da comunhão dos bens, e tendo sido penhorado um bem comum do casal, devia ter sido citada a ora Embargante para requerer a separação judicial de bens, nos termos do disposto no artigo 220.° do CPPT, e também nos termos e para os efeitos do artigo 239.° do CPPT o que sucedeu no caso sub judice, cfr. alínea D) do probatório fixado na Sentença recorrida.

XIII — E, subscrevendo os ensinamentos do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 4.ª Edição, nota 4 ao artigo 239.º, “[e]sta atribuição ao cônjuge da posição de executado e a obrigatoriedade da sua citação nos casos de penhora de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, implica que ele, nestes casos, não tenha a possibilidade de embargar de terceiro, devendo reagir contra actos ilegais que afectem os seus direitos através dos meios processuais concedidos ao executado, se já tiver sido citado, ou arguindo a nulidade insanável da falta da citação indevidamente omitida, nos termos do art. 165.º, n.º 1, alínea a), deste Código, usando em seguida das referidas faculdades processuais”.

XIV — Face ao supra exposto, e dando-se como provado que a Embargante foi citada nos termos do artigo 220.° do CPPT, e entendimento da Administração Tributária que, em relação à acção principal, a embargante não possui a qualidade de terceiro nem se verificou qualquer acto ofensivo da posse da ora Embargante que seja susceptível de ser...

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