Acórdão nº 08S3441 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução07 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, instaurada em 31 de Outubro de 2003, foi, no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, proferida sentença que absolveu a Companhia de Seguros , S.A.

do pedido de reparação dos danos resultantes do acidente laboral/rodoviário, contra ela formulado pelo sinistrado, BB, ocorrido no dia 6 de Outubro de 2003, pelas 17:20 horas, na Rua F.... Escapães, Santa Maria da Feira, ocasião em que se deslocava do local de trabalho para a sua residência e se registou a colisão do velocípede sem motor, que conduzia, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-.., conduzido por CC.

Considerou a sentença, acolhendo a tese defendida na contestação pela Ré, que o acidente se deveu, exclusivamente, a negligência grosseira do sinistrado e, por isso, o julgou descaracterizado, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (doravante, LAT).

O Autor apelou, sustentando, em síntese, que a matéria de facto provada não permite concluir, como concluiu o tribunal da 1.ª instância, pela descaracterização do acidente, dado não se mostrarem, no entender do apelante, preenchidos os requisitos da negligência grosseira em que se baseou o veredicto daquele tribunal.

O Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso e, revogando a sentença, condenou a Ré a pagar ao Autor: «- A indemnização diária por incapacidade temporária absoluta, no montante total de € 3.930,75; - A pensão anual e vitalícia no montante de € 3.117,31, pagável em duodécimos mensais, em 14 meses/ano, a partir da data da alta.

- O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, no montante total de € 4.279,2; - A prestação suplementar, no montante mensal de € 292,48, pagável em 14 meses/ano, a partir da data da alta, e actualizável na proporção do aumento anual do salário mínimo nacional; - As despesas com transportes, no montante total de € 500,00; e - Os juros de mora, à taxa legal, desde as datas de vencimento de cada uma das prestações relativas à indemnização por incapacidade temporária, à pensão anual e vitalícia e à pensão suplementar. E desde a citação para o subsídio por situação de elevada incapacidade e para as despesas de transporte. E até integral pagamento de todas as prestações, nos termos dos artigos 135.º e 74.º, ambos do CPT.

» 2. Inconformada, veio a Ré pedir revista, tendo formulado, a terminar a respectiva alegação, as seguintes conclusões: «I. Perante o factualismo provado nos autos, dúvidas não restam de que o acidente dos autos ocorreu por inquestionável negligência grosseira e violação de regras de segurança rodoviária, por parte do sinistrado, sem causa justificativa.

  1. Da matéria assente nos autos, nomeadamente os factos indicados em 15), 16), 18), 19) e 20) da douta sentença, resulta de forma inequívoca o comportamento negligente e temerário do sinistrado, que violou regras de segurança rodoviária essenciais, sem causa que o justificasse e que determinou o embate no veículo que circulava em sentido contrário.

  2. Por outro lado, do factualismo provado nos autos resulta, também, que o acidente dos autos ocorreu por inquestionável negligência grosseira do sinistrado.

  3. Verifica-se, assim, que o autor/sinistrado não só agiu de forma inconsiderada, imprudente e desapropriada às condições de trânsito, como ainda, violou regras de circulação rodoviária sem qualquer justificação.

  4. Com efeito, a colisão ficou a dever-se, única e exclusivamente, à condução desatenta, imperita e temerária do sinistrado.

  5. A condução do autor/sinistrado, note-se, determinou a invasão da faixa de rodagem contrária, sem qualquer causa que o justificasse, deu origem a um embate "violento" no veículo que circulava na hemi-faixa de rodagem contrária (cujo condutor tentou em vão evitar, encostando-se o mais possível à direita) e teve, ainda, como consequência as lesões de que o sinistrado ficou a padecer que melhor resultam dos autos.

  6. Sendo certo que, a violência do embate em discussão nos autos também se afere (quer se queira ou não) pelas lesões decorrentes do mesmo! VIII. Na verdade, o sinistrado, ao conduzir o seu veículo em clara infracção das referidas regras rodoviárias e sem prestar atenção ao restante trânsito, desconsiderou e descuidou riscos e perigos totalmente previsíveis, violando, assim, um dever de cuidado que devia e podia ter acautelado.

  7. Pelo que, o autor/sinistrado agiu de forma imprudente, temerária e sem qualquer justificação.

  8. O Tribunal a quo entende que a ré seguradora "(...) não alegou nem muito menos provou qualquer facto concreto que permita ao tribunal avaliar da causa da "distracção" do sinistrado, isto é, se foi própria ou alheia, bem como do nexo de causalidade entre a "distracção" e o acidente" ... e considera, ainda, conclusiva a alegação do art. 12.° da contestação.

  9. No entanto, o Tribunal de 1.ª instância ouviu os depoimentos prestados em audiência (os dois ocupantes do veículo OC referidos pela decisão sob recurso, aliás, as únicas testemunhas presenciais do acidente, para além, naturalmente, do autor/sinistrado), analisou-os juntamente com os documentos juntos aos autos (designadamente o auto policial elaborado pela GNR a fls. 291-292 dos autos) e concluiu pela negligência grosseira do sinistrado - "... Culpa essa que se consubstanciou em negligência grosseira e que se reflectiu até na prática de contra-ordenações estradais, circulando na via pública, distraído, sem prestar atenção à sua condução e ao restante tráfego...

    ".

  10. A negligência grosseira poderá assumir gravidade diferente, sendo usual a distinção entre a negligência consciente e inconsciente e, em função da intensidade da ilicitude (a violação do cuidado objectivamente devido) e da culpa (violação do cuidado que o agente é capaz de prestar segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais), entre a negligência lata ou grave.

  11. Ou seja, para que ocorra a "negligência grosseira" é necessário que se verifique, por parte do sinistrado, uma atitude temerária, manifestamente irreflectida ou indesculpável que seja reprovada por um elementar sentido de prudência. Ora, no caso dos autos, o risco de acidente existia e era absolutamente previsível para um ser humano de mediana cautela.

  12. A negligência do sinistrado deverá ser qualificada, na medida em que comporta o citado "elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo" (vide o Acórdão do STJ de 29.11.2005, proferido na Revista n.º 1924/05-4, in www.dgsi.pt/jstj).

  13. Por outro lado, a conduta do sinistrado foi temerária, altamente censurável e adequada à produção do acidente, já que deve considerar-se "...

    negligência grosseira o prosseguimento de comportamentos traduzidos na omissão de cuidados e diligência necessários a obstar à produção de um resultado indesejado e que seriam de exigir a um homem dotado de conhecimentos médios, em face das circunstâncias concretas que se lhe deparavam ...

    ". (Acórdão do STJ proferido em 10.10.2007, no processo 07S2446, in www.dgsi.pt/jstj, sendo o sublinhado nosso).

  14. Ou seja, é precisamente por referência ao critério do "homo diligentissimus ou b[o]nus pater-familias" a que alude Carlos Alegre que o acidente em discussão nos presentes autos resulta de negligência grosseira do sinistrado.

  15. O sinistrado colocou-se desnecessariamente, a si próprio e a terceiros, numa situação de grave perigo, com manifesto desprezo pelo risco de acidente que a violação de regras fundamentais representa.

  16. Na esteira do ora defendido, o Ac. do STJ de 14.03.2007, proferido no processo n.º 06S4907 (in www.dgsi.pt) defende, precisamente, que, "Como resulta com evidência da alínea a) do n.° 1 do art. 7.º da Lei n.° 100/97, acabada de transcrever, a descaracterização do acidente apenas se verifica quando o sinistrado agiu com dolo, ou, no caso de incumprimento de regras de segurança impostas pela entidade patronal, quando não haja razão justificativa para esse incumprimento." Esclarecendo o alcance deste preceito, Pedro Romano Martinez, escreve: "Neste caso, o legislador exige somente que a violação careça de causa justificativa, pelo que está fora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
8 temas prácticos
8 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT