Acórdão nº 335/19.9BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução14 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO A.......... – SGPS, S.A veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal, tendo por objecto a sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de actos do órgão da execução fiscal apresentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, datado de 20/12/18, que indeferiu o pedido de reconhecimento de prescrição da dívida objecto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal ...........

A Recorrente apresentou as alegações que concluiu nos seguintes termos: «ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO A.

Atento o teor dos documentos juntos aos autos, no ponto B) dos factos provados, com relevância para a decisão da presente causa e porque invocado (cfr. artigos 5.º a 9.º da p.i.) e demonstrado (cfr. documento n.º 4 junto à p.i.) pela Reclamante, ora Recorrente, deveria ter sido dado como provado que: “Na carta datada de 29.07.2013 dirigida única e exclusivamente à beneficiária dos fundos (C.........., SA), a AICEP constatou existir um insuficiente grau de cumprimento do contrato no ano de 2009 e no ano de 2011 e um incumprimento definitivo das obrigações pecuniárias do mesmo reportado a julho de 2013, razões que entendia susceptíveis de determinar a resolução do contrato”.

B.

Mais ainda, por merecer relevo para a decisão da presente causa, em adição ao facto constante do ponto 7 da factualidade provada, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que, tal como alegado pela Reclamante, ora Recorrente, no artigo 11.º da p.i., e constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2014 de 04.11., “(…) a resolução do contrato [de investimento] foi declarada apenas nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento (…)”.

C.

Por fim, deveria ainda ser dado como provado, porque alegado pela Reclamante, ora Recorrente no artigo 15.º da p.i., que a Reclamante não se reconhece devedora nem aceita qualquer responsabilidade pela dívida exequenda.

D.

Razões pelas quais entende a Recorrente dever o Tribunal ad quem aditar os factos identificados em a., b. e c. supra à matéria de facto dada como provada.

ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO E.

Nos termos do §1 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º.

F.

O artigo 4.º do mesmo Regulamento determina que qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida: - através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos (cfr. n.º 1), que a aplicação das medidas referidas no n.º 1 limita-se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa (cfr. n.º 2) e que as medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções (cfr. n.º 4).

G.

Assim, “o artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 é aplicável quer às irregularidades que conduzem à aplicação de uma sanção administrativa, na aceção do artigo 5.º deste, quer às que são alvo de uma medida administrativa, na aceção do artigo 4.º do referido regulamento, medida que tem por objeto a retirada de uma vantagem indevidamente obtida, sem, no entanto, revestir carácter de sanção” (cfr. Acórdão do STA de 30.10.2014 no Processo n.º 92/17).

H.

O legislador comunitário deixou claramente definido o momento a partir do qual se deveria iniciar o prazo de prescrição do procedimento administrativo tendente à recuperação dos fundos comunitários – o momento da prática da irregularidade que determina a obrigação de reposição dos fundos da União – e não, como sugere o Tribunal a quo, o momento em que ocorreu a resolução do contrato de investimento.

I.

Tal como a Recorrente entende ter inequivocamente demonstrado, por carta datada de 29.07.2013 dirigida única e exclusivamente à beneficiária dos fundos (C.........., SA), a AICEP constatou existir um insuficiente grau de cumprimento do contrato no ano de 2009 e no ano de 2011 e um incumprimento definitivo das obrigações pecuniárias do mesmo reportado a Julho de 2013, razões que entendia susceptíveis de determinar a resolução do contrato.

J.

Dúvidas existissem quanto ao momento do incumprimento, o que apenas se admite por estrito dever de patrocínio mas em que não se concede, o mesmo teria sempre que ser anterior à Resolução do Conselho de Ministros, quer por uma razão de ordem lógica, quer porque, tal como afirma a AICEP, antes da publicação da referida resolução – em Dezembro de 2013 e na sequência da carta dirigida à C..... recebida a 29.07.2013 – tinha já accionado a garantia bancária prestada pela C..... para salvaguarda do cumprimento das obrigações do contrato (cfr. ponto 13 do requerimento da AICEP em que requer a citação da recorrente e que integra a própria citação).

K.

Atento o que antecede, dúvidas não se oferecem quanto à data da prática das irregularidades que determinaram a devolução dos fundos comunitários e que tal data se fixa em 29.07.2013, sendo, pois, esta a data relevante para o início do cômputo do prazo de prescrição de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95.

L.

De acordo com o disposto no §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95, “A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.” M.

Ora, como resulta da factualidade provada, a Recorrente nunca foi notificada de qualquer «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade que circunscrevesse “(…) com suficiente precisão as operações sobre as quais recaem suspeitas de irregularidades(…)” tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários, como impõe a jurisprudência firmada pelo TJUE nesta matéria no Processo C-52/14 (“Pfeifer & Langen GmbH & Co. KG”).

N.

Tal acto apenas foi levado ao conhecimento da C....., nunca ao da Recorrente, por carta datada de 29.07.2013. Nesta carta, o reembolso dos fundos era também única e exclusivamente solicitado àquela sociedade.

O.

Tratando-se aqui de um procedimento administrativo, para que tal obrigação lhe fosse exigível era necessário que, antes de transcorrido o respectivo prazo de prescrição, tivesse sido levado ao conhecimento da Recorrente a decisão de instruir ou instaurar tal procedimento, com cumprimento das demais garantias dos administrados perante a administração, legal e constitucionalmente previstas, designadamente o direito ao contraditório. O que não sucedeu.

P.

E nem se diga ter a resolução do Conselho de Ministros, de 04.11.2014, a virtude de constituir um «ato tendo em vista instruir ou instaurar procedimento» por irregularidade tendente à aplicação da medida administrativa de reposição de fundos comunitários, porquanto a mesma é totalmente omissa quanto a quaisquer “as operações sobre as quais [recaíam] suspeitas de irregularidades” ou mesmo sobre a possibilidade de aplicação de medidas administrativas associadas à reposição do incentivo financeiro financiado com recurso a fundos comunitários.

Q.

Com efeito, a Resolução do Conselho de Ministros apenas expressa a “(…) a resolução do contrato [de investimento] (…) apenas nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento (…)”.

R.

A notificação da C....., por carta datada de 29.07.2013, não tem a virtude de interromper a prescrição relativamente à ora Recorrente, porquanto, as causas de interrupção do prazo de prescrição de uma dívida da responsabilidade (alegadamente) solidária de vários devedores têm de se verificar em relação a cada devedor.

S.

Ainda que no contrato de investimento se tenha convencionado que as notificações a realizar nos termos do mesmo seriam todas realizadas à sociedade C....., tal regra, de natureza convencional, não é aplicável no caso em apreço, porquanto a norma do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, impõe-se directamente na ordem jurídica portuguesa, tendo o Estado Português relativamente à mesma o dever de lealdade, e, acima de tudo, tem, como visto, natureza garantística. Por estas razões tal norma não é susceptível de derrogação por via convencional, mais a mais, em matéria de procedimento administrativo, domínio no qual se impõe que o início do procedimento seja notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas (cfr. n.º 1 do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo).

T.

Admitir tal possibilidade consubstancia uma violação das garantias dos administrados, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade esta que desde já cautelarmente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

U.

A responsabilização da Recorrente por parte da AICEP pela obrigação de reposição dos fundos comunitários que integra a dívida exequenda (que veementemente se recusa e está a ser objecto de contestação em sede própria) só foi conhecida com a citação a 29.07.2019.

V.

Ante o que fica exposto haverá, pois, que concluir que entre a data da (alegada) prática da irregularidade – 29.07.2013 – e a data da citação – 29.07.2018 – não se verificaram, em relação à Recorrente, quaisquer causas interruptivas da prescrição.

W.

A 29.07.2018, data da citação, não só estava definitivamente decidido o procedimento por irregularidade, como tinha já transcorrido o prazo de prescrição daquela obrigação relativamente à Recorrente...

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