Acórdão nº 1923/21.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR BARROSO
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO AUTORAS: AA e BB (esta representada pela primeira autora por ser menor de idade), respectivamente, na qualidade de cônjuge e filha do sinistrado falecido, patrocinadas pelo Ministério Público.

RÉ: F... – Companhia de Seguros, S.A.”.

A presente acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiu para a fase contenciosa porque a ré seguradora, embora aceitando a ocorrência de um acidente de trabalho, alegou a sua descaracterização por negligência grosseira do sinistrado.

Consta na tentativa de conciliação: “ ...aceita o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e a morte, transferência da responsabilidade pelo salário anual de €9.310,00 (€665,00x14m...não assume, contudo, a responsabilidade pela reparação do acidente em causa. Com efeito, o acidente enquadra-se nos termos do disposto na alínea b) nº1 e nº3 do artigo 14 da Lei 98/2009 de 4/9, verificando-se a descaracterização do acidente por negligência grosseira pois no caso, verificou-se a prática de um crime de condução de veículo com taxa de alcoolémia superior ao legalmente permitido (in casu, 1,8g/l, taxa de alcoolémia que consta do relatório de autópsia), constituindo também um incumprimento das normas do código da estrada que veio a culminar na morte do sinistrado por motivo de despiste da motorizada que conduzia...” PEDIDO DAS AA- a condenação da ré a pagar: A) À A. AA: pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível de €2.793,00, com início no dia 17/6/2021; subsídio por morte no montante de €2.896,14; subsídio por despesas de funeral no montante de €1.499,50; a quantia de €6,00 a título de despesas de deslocação;- juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%; B) À BB: a pensão anual e temporária de €1.862,00, com início no dia 17/6/2021; subsídio por morte no montante de €2.896,14;a quantia de €6,00 a título de despesas de transportes;juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.

CAUSA DE PEDIR: As Autoras são respectivamente viúva e filha de CC. Este exercia a actividade de construção civil, por conta própria, sendo trabalhador independente. Tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré. No dia 16/06/2021, pelas 18h00, depois de ter saído de uma obra que levava a cabo no ..., em ..., e se dirigia para a sua residência habitual, situada na EN ...05, nº 310, em ..., ..., ..., conduzindo o ciclomotor de matricula ..-LR-.. pelo trajecto habitual, na ..., EN ...05, ..., ..., o ciclomotor despistou-se e CC caiu ao solo. Em consequência sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos, que foram causa da sua morte. O acidente descrito, dado ter ocorrido no trajecto de regresso do local de trabalho, é um acidente de trabalho e, como tal, indemnizável – art. 9º nº 1 al. a) da Lei nº 98/09 de 4/9.

CONTESTAÇÃO DA RÉ - alega que o acidente ocorreu após o autor sair do trabalho e entrar num estabelecimento ingerindo bebidas alcoólicas, interrompendo o trajeto, pelo que não estamos perante um acidente de trabalho. Ainda que assim não fosse, o mesmo estaria descaracterizado porque o sinistrado apresentava, aquando do acidente, uma taxa de álcool no sangue de 1,80 g/l, circunstância que foi causal do despiste do ciclomotor, da queda do sinistrado e da sua morte, uma vez que todas as demais condições da via e do tempo eram favoráveis. Também o acidente se encontra descaracterizado por incumprimento de regras estradais (3º, 2, 13º, 1, 81º, do Cód. Estrada - proibição de condução sob efeito de álcool), o que consubstancia também violação, sem qualquer justificação, de regras e condições de segurança estabelecidas pela própria lei.

Procedeu-se a julgamento, respondeu-se à matéria de facto e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: Condenar a R. seguradora a pagar: À A. AA - da pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível de €2.793,00, com início no dia 17/6/2021; - do subsídio por morte no montante de €2.896,14; - do subsídio por despesas de funeral no montante de €1.499,50; - da quantia de €6,00 a título de despesas de deslocação; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%; À A. BB - a pensão anual e temporária de €1.862,00, com início no dia 17/6/2021; - subsídio por morte no montante de €2.896,14; - a quantia de €6,00 a título de despesas de transportes; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.

Custas pela R. seguradora.

Valor da acção: €57.000,35 Proceda ao cálculo (pensão da viúva).” RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ. CONCLUSÕES: 1 – Ocorreu erro na decisão da matéria de facto, sendo que o único facto dado como NÃO PROVADO deve passar a dar-se como PROVADO, ou seja, deve passar a ser dado como PROVADO QUE “foi a TAS de 1,80 g/l que determinou que o sinistrado tivesse perdido o controlo do veículo que conduzia, não conseguindo reagir, travando ou desviando-se antes de abandonar a faixa de rodagem;” 2 - Os meios de prova que impõem tal alteração da decisão da matéria de facto são osdepoimentos das testemunhas DD, EE e FF, relevando os excertos dos seus depoimentos invocados e assinalados e reproduzidos no corpo destas alegações.

3 - Mais: a simples consideração da restante matéria dada como PROVADA impõe, salvo o devido respeito, que se dê também como provado que foi a TAS de 1,80 g/l, que determinou que o sinistrado tivesse perdido o controlo do ciclomotor não conseguindo reagir, travando ou desviando-se antes de abandonar a faixa de rodagem.

4 - É que, como resulta da restante matéria apurada, o malogrado sinistrado, nesse dia 16/06/2021, circulava na EN ...05 conduzindo o ciclomotor ..-LR-.., pelas 18,28 horas, sendo dia, fazendo sol, com um tempo seco e luminoso, isto numa recta com uma extensão superior a 500 metros, em que o piso, em betuminoso, estava seco e bem conservado, sem buracos, e com boa aderência, não havendo quaisquer obras ou obstáculos na via, com circulação de veículos e pessoas praticamenente inexistente, sendo visível a totalidade da faixa de rodagem numa extensão superior a 100 metros, vindo o mesmo a sofrer um despiste e a cair ao solo, não obstante conduzir a uma velocidade de cerca de 40/50 km/hora e sem que ocorresse a intervenção de qualquer peão ou de outro veículo quando o veículo conduzido pelo sinistrado começou a guinar para a direita, indo embater no passeio, caindo ambos e indo a derrapar até ao outro passeio, onde embateram com violência.

5 - Tudo isto associado ao facto de que antes de iniciar a condução do seu ciclomotor o sinistrado havia ingerido bebidas alcoólicas que lhe determinaram uma TAS de 1,80 g/l.

6 – Atentas a ausência de qualquer interferência externa – dada como provada – as excelentes condições para circular de moto no momento existentes – dia solarengo excelente visibilidade, recta com mais de 500 metros de extensão com piso em betuminoso em excelentes condições, ausência de qualquer outro tráfego, de pessoas ou veículos, etc., etc., é por demais evidente que só a absurda TAS de 1,80 g/l (50% superior à taxa de 1,2 g/l, a partir da qual se está a cometer um crime e não mera contraordenação) e quase 4 vezes (400%) superior à TAS de 0,5 g/l legalmente admissível para conduzir (cf. Art. 81º CE) determinou o despiste e consequente morte do sinistrado.

7 – Mais ainda: ao contrário do decidido, mesmo que se entendesse que os depoimentos que se vem de invocar não são suficientes para alterar a decisão da matéria de facto, sempre o facto de que foi a TAS de 1,80 g/l que determinou que o sinistrado tivesse perdido o controlo do veículo que conduzia, não conseguindo reagir, travando ou desviando-se antes de abandonar a faixa de rodagem sempre deveria dar- se como PROVADO, quanto mais não fosse por recurso a uma presunção judicial que, in casu, se impunha.

8 – Ao não o fazer, o Mmo. Juiz a quo violou o Art.º 349º do CCiv. de quel resulta que as presunções judiciais, como ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos) concretizam-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).

9 – Presunção judicial que in casu se impõe inapelavelmente – é que tudo aponta, de forma perfeitamente clara e exclusiva, atentas as excelentes condições de circulação dadas como provadas e que já se sublinhou nestas alegações recursivas, para que tenha sido unicamente a esdrúxula TAS de 1,80g/l para conduzir – ainda por cima um ciclomotor – que determinou o despiste do sinistrado, para o qual, note-se, está mais que provada nada mais concorreu.

10 – Aceitar o entendimento do Mmo Juiz a quo de que que não há outra explicação plausível para o sucedido, pois que é possível congeminar um infindável número de hipóteses para o veículo do sinistrado ter começado a guinar para a direita e ir embater no passeio equivaleria a julgar admissível a exigência da chamada prova diabólica ou impossível.

11 - Assim sendo, tendo que se dar como provada toda a matéria constante dos temas da prova, ou seja, para além de toda aquela que se deu como provada, ainda a de que foi a TAS de 1,80 g/l que determinou que o sinistrado tivesse perdido o controlo do veículo que conduzia, não conseguindo reagir, travando ou desviando-se antes de abandonar a faixa de rodagem. - a decisão de mérito a proferir não pode deixar de ser outra.

12 – é que o acidente teve, por isso, como causa única, a condução do sinistrado, inapta devido à TAS de que vinha afectado e, por isso, sem conseguir manter o seu veículo equilibrado, em plena reta, na sua hemifaixa de rodagem, galgou a linha da berma direita e foi embater no lancil do passeio, prosseguindo em queda a raspar pelo chão até...

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