Decisões Sumárias nº 384/08 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução16 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 384/08

Processo nº 522/2008 3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Recorrente: A.

Recorrido: Ministério Público

I

Relatório

  1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 23 de Abril de 2008, que, abordando a questão de “(s)aber se o recorrente, tendo procedido ao pagamento voluntário da coima, ainda pode, em sede de recurso, vir questionar a prática da infracção que lhe foi imputada e se, ao decidir de forma negativa, a sentença recorrida violou as disposições constantes dos art.ºs 2.º, 18.º, 32.º, n.º 2 e 202.º, n.ºs 1, 2 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa, e 344.º do C. P. Penal”, entendeu que “a questão suscitada não deve ser atendida e, em consequência, deve ser negado provimento ao recurso (por se não mostrar haver inconstitucionalidade na interpretação dada pelo Tribunal a quo ao art.º 175.º, n.º 4, do C. P. Penal, em violação do disposto nos art.ºs 2.º, 18.º, 32.º e 202.º, n.ºs 1, 2 e 10, todos da C. R. Portuguesa, nem ilegalidade, em violação do disposto no art.º 344.º do C. P. Penal).” Consequentemente, negou provimento ao recurso por ele interposto contra a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Fundão, de 13 de Dezembro de 2007, que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Direcção-Geral de Viação, Delegação de Castelo Branco, de 22 de Janeiro de 2007, que lhe aplicara a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspendendo a execução da mesma por um período de 180 dias, não condicionada a prestação de boa conduta, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 35.º, n.º 1, do Código da Estrada. Para tal, o tribunal a quo fundamentou-se, essencialmente, na seguinte ordem de considerações:

    Entendemos que inexistem, quer a inconstitucionalidade quer a ilegalidade invocadas.

    Com efeito, a referida norma constitui regime processual próprio do direito estradal, especial em relação ao regime geral das contra-ordenações constante do D. L. n.° 433/82, de 27.10, e foi justificada pelo legislador do D. L. n.° 44/2005, de 23.02, pela consideração de que se estava perante infracções em massa e que a aplicação do regime geral permitiria o prolongamento excessivo dos processos, com perda do efeito dissuasor da sanção — Ac. da Relação de Coimbra de 12.12.2007 (proferido no Proc.° 109/07.OTBCDN, in www.dgsi.pt).

    Por conseguinte, procurou-se, dessa forma, atingir maior celeridade processual.

    Em bom rigor, o que se passa é que o regime instituído estabelece uma renúncia ao recurso no que respeita aos factos integradores da infracção contraordenacional.

    Mas não uma presunção de que a contra-ordenação foi efectivamente cometida.

    E também não confere o valor de confissão ao pagamento efectuado.

    Convém, pois, manter o rigor dos próprios conceitos de “presunção inilidível” e “confissão” – art.° 344°, do C. P. Penal –, não caindo na tentação fácil de os moldar de acordo com os interesses particulares dos sujeitos processuais.

    Não se trata, pois, de violar os direitos de defesa do arguido/recorrente: ele podia ter optado por não pagar a coima que lhe foi imposta – entre muitos outros, neste sentido, Ac. da Relação de Coimbra de 12.12.2007 supra e Acórdão da Relação do Porto, de 14.11.2007, proferido no Proc.° n.° 0744109).

    Por outro lado, a possibilidade legal da liquidação da coima pelo mínimo, traduz-se na contrapartida – vantagem económica – concedida pelo ordenamento jurídico, ao arguido que opta por não discutir a existência da infracção, conformando-se com a sua existência/ocorrência, podendo apenas discutir e impugnar a gravidade da infracção, a duração da inibição, a atenuação especial da medida acessória ou a suspensão da sua execução.

    Acrescentaremos ainda o seguinte:

    O Ac. do Tribunal Constitucional n.° 45/2008, proferido na 2ª Secção, de 23.01.2008, publicado no DR. n.° 44, II Série, de 03.03.2008, considerou esta norma inconstitucional, por violação dos art.s 20°, n.° 1 e 5, 268°, n.° 4, da C. R. Portuguesa.

    Não se tratando de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não se lhe deve obediência.

    Aliás, ainda recentemente, o Ac. do Tribunal Constitucional n.° 450/2007, proferido na 3ª Secção, publicado no D.R. nº 205, II Série, 24.10, julgou inconstitucional, por violação do disposto no art.° 32°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do art.° 188°, n.° 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha tomado conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância.

    Sucede, porém, que, mais recentemente, o Ac. do Tribunal Constitucional n.° 70/2008, proferido em Plenário, em 31 de Janeiro de 2008, sendo Relator o Ex.mo Senhor Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do art.° 188°, n.° 3, do Código Processual Penal, na redacção anterior à Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha tomado conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa.”

    Face àquela decisão do Tribunal Constitucional – Ac. do Tribunal Constitucional n.° 45/2008, proferido na 2ª Secção, de 23.01.2008, publicado no DR. n.° 44, II Série, de 03.03.2008 –, que considerou inconstitucional o art.° 175°, n.° 4, do C. da Estrada, por violação dos art.s 20°, n.° 1 e 5, 268°, n.° 4, da C. R. Portuguesa, entendemos que já não estamos perante uma rejeição do recurso – como até aqui temos entendido, nos acórdãos por nós relatados – mas antes perante uma decisão de não provimento do mesmo.

    Admitido o recurso, cumpre decidir.

    II

    Fundamentos

  2. A questão a decidir por este Tribunal, atinente ao artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na interpretação impugnada nos autos (v. ponto 18 da conclusão da motivação de recurso de fls. 108 e segs.), é de considerar simples, para o efeito do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que, como se refere na decisão recorrida, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de sobre ela se pronunciar pelo Acórdão n.º 45/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual decidiu “julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção.”

    Esse juízo...

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