Acórdão nº 128/99 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Guilherme da Fonseca
Data da Resolução03 de Março de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO 128/99

Processo nº 140/97

  1. Secção

Relator: Cons. Guilherme da Fonseca

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do

Tribunal Constitucional:

  1. J..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão nº 2/95 - Concurso, do Plenário Geral do Tribunal de Contas, de 19 de Dezembro de 1996, publicado no Diário da República, II Série, nº 5, de 7 de Janeiro de 1997, que julgou "improcedente o recurso interposto por J..., de interposição da decisão do Júri do Concurso Curricular para Juiz do Tribunal de Contas que o excluiu com o fundamento de que 'tendo embora exercido durante 10 anos funções de direcção de empresas apenas exerceu esta direcção ao mais alto nível durante seis meses, ao invés dos três anos exigidos na parte final da alínea c) do artigo 36º da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro".

  2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, invoca o recorrente que ele "é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a contida na alínea c) do artigo 36º da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro", acrescentando que "o princípio constitucional que se considera violado é o da igualdade, consignado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, bem como da liberdade de acesso à função pública em condições de igualdade, consignado no nº 2 do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa".

    Conclui o requerimento pedindo "a admissão do presente recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da eventual inconstitucionalidade da citada alínea c) do artigo 36º da Lei nº 86/89, e ainda as questões suscitadas no número 10 do presente requerimento" (e este nº 10 tem o seguinte teor: "Por outro lado, não se conformando com a interpretação que contra si fez vencimento, vem, ao abrigo do disposto no número 2, alínea d) do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa, o Recorrente requer que o recurso para o Tribunal Constitucional aprecie ainda as questões suscitadas no documento superveniente e nas alegações finais, relativas ao não conhecimento (ponto VI do acórdão, págs. 8 e segs) da por si alegada violação do princípio da igualdade no acesso à função pública, com a consequência prevista no artigo 133º do CPA, resultante do facto de o Júri ter mandado aperfeiçoar algumas candidaturas, em prejuízo das demais, designadamente da sua, bem como a interpretação consagrada no ponto 8.2.1. do acórdão, que veda a miscegenação das diversas áreas de recrutamento, impedindo a aplicação combinada das diversas alíneas do artigo 36º da Lei nº 86/89").

  3. Nas suas alegações, conclui assim o recorrente:

    "1. A norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente no processo, consiste na parte final da alínea c) do artigo 36º da Lei 86/89, de 8 de Setembro, que exige como requisito de apresentação a concurso curricular 'pelo menos dez anos de serviço em cargos de direcção de empresas e três como membro de conselhos de administração ou de gestão ou de conselhos fiscais ou de comissões de fiscalização'.

  4. No seu teor literal, tal norma admite unicamente como relevante para o cômputo do prazo adicional de três anos o título de membro de Conselhos de Administração. Fica pois excluído o exercício de qualquer outro cargo de administração de sociedades comerciais - designadamente do cargo de gerente, o que no entender do Recorrente implicaria violação do Princípio da Igualdade, consagrado no número 2 do artigo l3º da Constituição da República Portuguesa, bem como do Princípio da Liberdade e Igualdade de acesso à função pública, consagrado no número 2 do artigo 47º da CRP.

  5. A correcta interpretação do Princípio da Igualdade determina a necessidade do tratamento desigual de situações também desiguais.

  6. Porém, não se vislumbram razões objectivas que permitam à lei privilegiar o exercício do cargo de membro de Conselhos de Administração em detrimento de outra forma de administração de sociedades comerciais tratando-se, como no caso vertente, de um concurso curricular e em especial de uma alínea que, por natureza, admite candidatos oriundos de funções de direcção de empresas.

  7. Assim, tratando-se de requisitos de admissão a concurso curricular, o exercício de funções de administração em sociedades comerciais não pode ser apreciado ou qualificado genericamente pelo legislador, privilegiando sempre o exercício de um cargo em detrimento liminar de todos os outros cargos de administração de sociedades. Tal apreciação ou qualificação só poderá ter lugar em concreto, e por isso já na fase da graduação dos candidatos.

  8. Defende pois o Recorrente que a interpretação constitucional do prazo adicional de três anos previsto na citada alínea c) se deverá reportar ao exercício de funções de administração de sociedades comerciais, sem discriminação das funções de gerente face as de administrador.

  9. O recorrente foi liminarmente excluído por 'não preencher os requisitos cumulativos da alínea c) do artº 36º da Lei 86/89, de 8 de Setembro, pela qual concorre, porque tendo embora exercido durante dez anos funções de direcção de empresas, apenas exerceu esta direcção, ao mais alto nível, durante seis meses, ao invés dos três anos exigidos na parte final da referida alínea'.

  10. Introduzindo o conceito de 'direcção ao mais alto nível', o júri e a instância de recurso desconsideraram concretamente o exercício, pelo Recorrente, do cargo de gerente nunca sociedade por quotas por período de mais de sete anos, tendo apenas considerado como exercício de direcção ao mais alto nível o cargo de administrador de sociedade anónima, que o Recorrente exerceu pelo período de seis meses.

  11. Ao adoptar o conceito de direcção ao mais alto nível, e simultaneamente excluir o candidato que exerceu a função máxima de administração de sociedades por quotas, o Júri consagra uma interpretação inconstitucional (por violação dos princípios acima citados, sem que se justifique ou fundamente tal disparidade de tratamento), alegando o uso de um poder discricionário de que não dispunha.

  12. Inconformado com a deliberação de exclusão, o Recorrente interpôs recurso da decisão, nos termos previstos no artigo 37º da Lei 86/89, de 8 de Setembro, para o Plenário Geral do Tribunal de Contas, tendo alegado a inconstitucionalidade da respectiva exclusão, além do mais com as consequências de nulidade insanável previstas no artigo 133º , do Código do Procedimento Administrativo.

  13. Tal recurso acabou por ser julgado improcedente. São essencialmente dois os aspectos que levaram o Plenário Geral a sufragar a decisão de não aceitação do exercício das funções de gerente de sociedade por quotas (bem como de sociedades em nome colectivo ou em comandita) para efeitos do preenchimento dos requisitos da segunda parte da alínea c) da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro: um primeiro argumento relativo à alegada impossibilidade de realização de quaisquer operações de mercados financeiros, que seriam exclusivo das sociedades anónimas, e algumas diferenças entre os poderes dos administradores e directores das sociedades anónimas e gerentes de sociedades por quotas.

  14. Para o recorrente a decisão do Plenário Geral é incompreensível, quer pela escassez e fragilidade dos argumentos avançados pelo Tribunal, quer pela contradição que se encerra na própria decisão. De facto, a conclusão parte de uma premissa errónea (os mercados financeiros não são exclusivo das sociedades anónimas e as sociedades por quotas têm legalmente acesso a tais mercados para realização de todas as operações relativas a empréstimos obrigacionistas) e de uma mera potencialidade (a das sociedades anónimas acederem ao mercado bolsista, para operações de emissão de acções, OPA's e OPV'S, sendo certo que só uma pequena minoria das SA existentes utilizou tal faculdade).

    14 . Quanto ao argumento dos poderes de gestão, embora existam pequenas diferenças de regime, resultante da natureza das sociedades de capitais e das sociedades de pessoas, o conteúdo jurídico funcional dos poderes da gerência e da administração não são comparáveis em abstracto, apenas com base nos respectivos regimes legais, carecendo quase sempre de uma apreciação concreta dos estatutos da sociedade para se apurar da sua verdadeira extensão .

  15. Afigura-se igualmente que a interpretação do Plenário Geral encerra uma contradição insanável: optando por um conceito vago e...

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