Acórdão nº 642/05 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução16 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACORDÃO N.º 642/2005

Processo n.º 497/2005

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Na acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos que A. propôs pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra a Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços e contra os contra interessados particulares B. e outros – acção essa na qual o autor peticionava a anulação do despacho nº 249/SEICS/2004, proferido em 4 de Março de 2004 por aquela Secretária de Estado e publicado na II Série do Diário da República de 13 de Abril de 2004 sob o nº 7244/2004, em consequência se revogando a lista de transição do pessoal do quadro da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, na parte que dizia respeito à carreira de inspector técnico especialista principal, e integrando o autor na carreira de inspecção e na categoria de inspector técnico especialista principal –, foi, naquele Tribunal e em 29 de Março de 2005, proferido acórdão que julgou tal acção parcialmente procedente.

Nesse aresto, foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação das normas constantes do nº 3 do artº 8º, em conjugação com o nº 2 do artº 10º, ambos do Decreto Regulamentar nº 48/2002, de 26 de Novembro, e do nº 3 do artº 9º do Decreto-Lei nº 112/2001, de 6 de Abril.

Pode ler-se no referido acórdão na parte que ora releva: –

“(...)

O Decreto-Lei n.º 112/01, de 06/04, procedeu [à] re[e]struturação das carreiras dos funcionários ligados ao exercício de funções de inspecção ou fiscalização, tendo criado três carreiras com diferentes requisitos habilitacionais e definindo regras, designadamente, de intercomunicabilidade de carreiras e de transição para as novas carreiras.

Decorre do disposto nos artigo[s] 9.º, n.º 3 e 16.º do D.L. 112/01, em conjugação com o disposto nos artigos 8.º, n.º 3 do D. Regulamentar n.º 48/2002, de 26/11, que os subinspectores passaram a integrar, com efeitos reportados a 01 de Julho de 2000, a carreira de Inspecção Técnica, com a categoria de Inspector Técnico Principal, passando à frente dos então inspectores de 2.ª classe, cuja transição ao abrigo do disposto no art. 10.º do D.R. n.º 48/2002, os posicionou, em 01 de Julho de 2000, na categoria de Inspectores Técnicos, não existindo prevista na lei, quanto a estes funcionários, qualquer regra especial de transição.

Decorre dos referidos preceitos legais, que da sua aplicação resulta, de facto, uma situação de inversão hierárquica.

Importa, agora, porém, apurar de tal situação assenta numa justificação que torne aceitável o resultado verificado ou não, isto é, se a inversão das posições relativas detidas pelos funcionários à data da publicação de tais diplomas legais violam o princípio da coerência e da equidade que presidem ao sistema de carreiras da função pública.

Conforme é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico a não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação de carreiras constitui um princípio geral que é corolário do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado, em geral, no artigo 13.º da CRP, e, no domínio das relações laborais, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP. Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleça, distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional – neste sentido v.j. Ac Tribunal Constitucional n.º 128/99, de 03-03-199[9], processo n.º 140/97, publicado no BMJ, n.º 485, pág. 26.

[À] face deste princípio da não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação de carreiras, não poderá admitir-se, por carência de justificação objectiva e racional, que funcionários de categoria superior sejam colocados em categoria inferior [à] daqueles outros, apenas por se ter previsto quanto a estes uma regra especial de transição que permite a intercomunicabilidade de carreiras, sem que tal transição tenha qualquer justificação, sequer ao nível dos requisitos habilitacionais exigidos.

Na situação em apreço, somos do entendimento que se está perante uma situação em que aquele princípio da inversão das posições relativas foi violado, pois como resulta da matéria de facto apurada, o Autor, que detinha a categoria de inspector de 2.ª classe foi ultrapassado, com referência a 01 de Julho de 2000, por um conjunto de funcionários que eram apenas subinspectores, isto é, situados dois níveis abaixo na carreira e que, por força das normas legais supra referidas, lhe passaram à frente, tendo sido colocados na categoria de Inspectores Técnicos Principais ao passo que o Autor foi colocado como Inspector Técnico, isto é, um nível abaixo daqueles.

O artigo 204.º da CRP impõe que os tribunais, nas suas decisões, não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.

O disposto nos artigos 9.º, n.º 3 do DL 112/01 e 8.º n.º 3 do D.R. n.º 48/2002, pelas razões supra referidas, violam o disposto no art. 13.º e 59.º da CRP, o que inquina tais normas de inconstitucionalidade material, afectando, consequentemente, a validade do despacho impugnado, que, por isso, deve ser anulado por carecer de base legal.

(...)

Afigura-se-nos ainda que da apontada inconstitucionalidade material dos artigos supra referidos não se segue que o Autor tenha direito a ser posicionado na categoria de Inspector Técnico Especialista Principal.

Na verdade, a inconstitucionalidade reside em, por via da revisão das carreiras, a lei ter permitido que os subinspectores tivessem, sem razão justificativamente válida, ultrapassado os seus superiores hierárquicos, incluindo o aqui Autor (sendo este o vício que cumpre eliminar) e não permitir ao aqui Autor que, com fundamento numa ilegalidade, seja, sem qualquer outra razão que o justifique, promovido àquela categoria.

Assim, do apontado vício de inconstitucionalidade material apenas se segue a condenação da Administração Pública a operar o reposicionamento dos funcionários, levando em consideração aquela inconstitucionalidade, ou seja, a posicionar os funcionários, m[a]xime, o aqui Autor como se aquelas normas não existissem, designadamente, em termos salariais.

(...)”

Do acórdão de que parte se encontra extractada recorreu para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por intermédio de tal recurso intentando a apreciação das normas constantes do nº 3 do artº 8º, em conjugação com o nº 3 do artº 10º, um e outro do Decreto Regulamentar nº 48/2002, de 26 de Novembro, e do artº 9º, nº 3, do Decreto-Lei nº 112/2001, de 6 de Abril.

Os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional em 14 de Junho de 2005.

2. Determinada a feitura de alegações, rematou a entidade recorrente a por si produzida com o seguinte quadro conclusivo: –

“1 - As normas constantes do artigo 8°, nº 3, em conjugação com o artigo 10°, nº 2, do Decreto Regulamentar nº 48/02, de 26 de Novembro, e do artigo 9°, nº 3, do Decreto-Lei nº 112/01, de 6 de Abril, ao implicarem que – no âmbito da reestruturação de carreiras dos funcionários ligados ao exercício de funções de inspecção ou fiscalização – ocorra uma inversão das posições relativas detidas pelos funcionários à data da publicação de tais diplomas, violadora do princípio da coerência e equidade, por desprovida de fundamento material adequado, com reflexos no escalão remuneratório respectivo, violam os princípios constitucionais constantes dos artigos 59° e 13° da Constituição da República Portuguesa.

2 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.”

Por seu turno, o recorrido concluiu a sua resposta à alegação dizendo –

“A) O ora recorrido, subscreve a conclusão I das alegações do Ministério Público na qual defende que ‘As normas constantes do artigo 8°, nº 3, em conjugação com o artigo 10°, nº 2, do Decreto Regulamentar nº 48/02, de 26 de Novembro, e do artigo 9°, nº 3, do Decreto-Lei nº 112/01, de 6 de Abril, ao implicarem que – no âmbito da reestruturação de carreiras dos funcionários ligados ao exercício de funções de inspecção ou fiscalização – ocorra uma inversão das posições relativas detidas pelos funcionários à data da publicação de tais diplomas, violadora do princípio da coerência e equidade, por desprovida de fundamento material adequado, com reflexos no escalão remuneratório respectivo, violam os princípios constitucionais constantes dos artigos 59° e 13° da Constituição da República Portuguesa.’

B) Bem como o princípio da protecção da confiança na medida em que os funcionários têm o direito de confiar que a Administração e que o legislador não os prejudique[m] arbitrariamente.

C) Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida”.

Cumpre decidir.

3. Por intermédio do Decreto-Lei nº 112/2001, de 6 de Abril, operou-se o estabelecimento e definição das carreiras de inspecção da Administração Pública, criando, nas inspecções-gerais, serviços e organismos da administração central e regional autónoma, incluindo os serviços públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, que tivessem nos respectivos quadros de pessoal carreiras de inspecção próprias para o exercício de funções compreendidas no âmbito do poder de autoridade do Estado (com excepção dos serviços e organismos que disponham de carreiras constituídas como corpo espacial), as carreiras de inspecção de inspector superior (na qual se integravam as...

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