Acórdão nº 00480/99-COIMBRA de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução14 de Junho de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório J… - residente na rua …, Coimbra – interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida – em 27 de Janeiro de 2004 - pelo então Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que negou provimento ao recurso contencioso em que pedia a anulação da decisão de 27 de Abril de 1999 da Direcção da Caixa Geral de Aposentações [CGA] que lhe fixou a pensão definitiva de reforma com base no 2º escalão índice 770.

Conclui as suas alegações da seguinte forma: 1- O recorrente adquiriu o direito a ser remunerado pelo escalão 3, índice 760, previsto no DL nº 353-A/89; 2- Este direito foi adquirido em 17.12.98, na medida em que cumpriu então o módulo de 3 anos previsto no artigo 19º nº 2 alínea b) do diploma legal supracitado; 3- No dia 18.12.98 o recorrente é surpreendido pela publicação do diploma legal que reestruturou as carreiras na função pública e, entre o mais, introduziu novas regras sobre a aposentação dos funcionários públicos; 4- Numa primeira abordagem ao diploma, o recorrente pensou que seriam consagradas soluções que permitissem o progresso social de uma classe que é sistematicamente a primeira a sentir os efeitos das erradas opções políticas – basta lembrar o congelamento dos salários na função pública; 5- Puro engano, pois o legislador – mediante uma “manobra legislativa” que ainda não foi devidamente sancionada pelo poder judicial – conferiu eficácia retroactiva ao sobredito diploma e, com isso, prejudicou vários milhares de dedicados funcionários estaduais; 6- Esta eficácia retroactiva, no caso do recorrente, determinou uma diminuição substancial da pensão de reforma; 7- Tendo como ponto assente e indiscutível que o recorrente, no famigerado dia em que o DL nº 404-A/98 foi publicado em DR, tinha direito ao índice remuneratório 760, 3º escalão, bastaria a conjugação dos artigos 20º nº 6 e 23º nº 3 para que se concluísse que deveria – com toda a justiça uma vez que pertencia já a um dos lugares mais altos da sua carreira – ter transitado para o índice 830 e não para o 770 da nova reestruturação operada na sua carreira; 8- A verdade é que tal veio a suceder porque o legislador publicou o novo diploma legal em 18 de Dezembro de 1998 – portanto exactamente um dia depois do recorrente ter adquirido o direito à progressão na carreira para o índice 760 – com eficácia retroactiva, mais propriamente, a 1 de Janeiro de 1998; 9- O que colidiu com direitos fundamentais dos funcionários públicos, para o que aqui nos interessa, nomeadamente, com o direito à progressão na carreira; 10- O direito à progressão na carreira é uma das dimensões mais importantes do direito fundamental plasmado no artigo 47º da CRP – neste sentido, ver GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3ª edição página 265; 11- Dúvidas inexistem ainda de que este direito fundamental é um direito, liberdade e garantia do funcionário público e, como tal, goza de especial regime constitucional previsto, entre o mais, no artigo 18º da CRP; 12- Uma das especificidades deste regime especial está consagrado no artigo 18º da CRP, que preceitua que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ter efeito retroactivo, preceito que não admite qualquer tipo de excepções; 13- Ora, pelo teor da decisão jurisdicional proferida nos autos, podemos verificar que o recorrente só não terá direito a ser aposentado com o índice remuneratório 830 porque o legislador introduziu um preceito legal [artigo 22º do DL nº 404-A/98] que inconstitucionalmente desconsidera o direito à progressão na carreira já adquirido ao tempo em que foi publicado o novo regime legal das carreiras na função pública; 14- Na interpretação literal que foi realizada pela sentença e que, no nosso entendimento consagra uma inconstitucionalidade material, o recorrente transitou para o novo sistema retributivo do índice 720 para o índice 770, porque o novo sistema apenas consagra os índices 710 [inferior ao que detinha e por isso não aplicável] 770 e 830; 15- Ora se o impulso salarial foi do índice 720 para o índice 770 [interpretação que contestamos por defendermos que o impulso foi do índice 760 para o índice 770], então temos que o recorrente adquiriu o direito à remuneração pelo novo índice [770] pelo efeito da transição de regime retributivo e não pela progressão na carreira; 16- Então como explicar que o novo sistema retributivo tenha “sonegado” o direito à progressão na carreira do recorrente, pois segundo a aplicação do artigo 19º nº 2 alínea b) do DL nº 353-A/89 [norma que não foi revogada pelo DL nº 404-A/98] o recorrente durante o ano de 1998 já estava o índice 770, e em 17.12.98 adquiriu o direito a progredir para o índice imediatamente superior, ou seja para o índice 830; 17- A única explicação para não se ter verificado esta progressão – para além de uma interpretação literal e pouco sistemática do regime legal – advém do inconstitucional efeito retroactivo operado pela lei nova que sonegou a possibilidade do recorrente progredir na sua carreira em 17.12.98, impedindo-o assim de se reformar pelo índice 830 a que sempre teria direito; 18- Pelo que se alega expressamente que a norma vertida nos artigos 22º, 34º nº 1 e nº 6 do DL nº 404-A/98 seja julgada inconstitucional por violação dos artigos 47º nº 2 e 18º nº 3 da CRP; 19- Sob outro enfoque, temos ainda que a dimensão da sentença recorrida que interpreta o artigo 22º, 34º nº 1 e nº 6 do DL nº 404-A/98 com o sentido de impedir que seja reconhecido ao recorrente a aposentação com o índice 830 padece, devido à violação do direito à progressão na carreira, de inconstitucionalidade por violação dos mesmos artigos 47º nº 2 e 18º nº 3 da CRP; 20- Chegaríamos a um resultado semelhante se convocássemos o artigo 12º do Código Civil, pois, apesar desta norma constar de uma lei que regula relações jurídico-privadas, não é menos verdade que, pela “força irradiante” que detém no sistema jurídico, já foi mobilizada para fundamentar a desaplicação de uma lei que regula a relação de emprego público – entre outros, ver AC do TCA de 07/06/2001, proferido no âmbito do Rº1418/98; 21- A sobredita norma preceitua que a lei só se aplica para o futuro, e mesmo que se aplique para o passado presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos – ver ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1987, página 61; 22- Ora, mesmo que considerássemos que o DL nº 404-A/98 poderia dispor para o passado, ainda teríamos a presunção de que teriam de ser salvaguardados os efeitos jurídicos já produzidos e, nesta medida, teríamos de considerar que o recorrente já detinha em 01.01.98 um direito a progredir na carreira em 17.12.98; 23- Deste modo, quer porque o artigo 22º, 34º nº 1 e nº 6 do sobredito diploma legal significa uma negação, ou pelo menos o congelamento do direito à progressão na carreira por um ano, quer porque o próprio teor dos artigos 20º nº 6 e 23º nº 3 são normas gerais que pretendem introduzir uma dimensão de justiça ao regime de transição plasmado no diploma, deve ser aplicado o artigo 22º por força do artigo 12º do Código Civil; 24- Tendo o recorrente demonstrado a inconstitucionalidade e a necessidade de desaplicação do artigo 22º do DL nº 404-A/98, não subsiste qualquer obstáculo legal que permita a articulação dos artigos 20º nº 6 e 23º nº 3 e, em consequência, atribuir a pensão de aposentação pelo índice 830 como, aliás, é da mais elementar justiça material; 25- Para além da ratio decidendi da sentença ter aplicado normas materialmente inconstitucionais ou pelo menos, delas ter realizado uma interpretação inconstitucional, certo é que, talvez consciente da fragilidade argumentativo-constitucional do sentido da decisão, julgou, ainda que de forma subsidiária, que o recorrente nunca teria direito a aposentar-se pelo índice 830, na medida em que adquirira esse direito remuneratório no dia 17.12.98, mas o mesmo só se venceria no dia 01.01.99, data em que já estava aposentado; 26- Não podemos concordar com este juízo decisório, pois basta atentar que a progressão é um instituo diametralmente oposto ao da promoção, sendo que num se pretende estimular os funcionários públicos mediante a antiguidade, e no outro se pretende “premiar” o funcionário pelo mérito no exercício de funções; 27- Por outro lado, enquanto que na progressão o funcionário, assim que estiver cumprido o requisito da antiguidade, adquire automática e oficiosamente o direito estatutário, na promoção esse direito só é adquirido mediante o acto administrativo da nomeação e a necessária aceitação do funcionário; 28- Deste modo, facilmente se pode concluir que a aquisição do direito à progressão não depende de qualquer acto administrativo, decorre sim da própria lei; 29- Posto isto, o processamento no vencimento do funcionário será mero acto de execução material de um direito reconhecido directamente pela lei e, como tal, nunca esse acto poderia ter qualquer efeito mediato que permitisse reconhecer ou conceder o direito à progressão do funcionário público; 30- Logo, o recorrente adquiriu o direito em 17.12.98 e, nesta conformidade, deveria a sua pensão de aposentação ter sido calculada sobre o escalão salarial adquirido naquela data, ou seja, pelo índice 830, 3º escalão da categoria de assessor principal – ver neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública, Coimbra, 1999, página 420-421, nota 1116 “Anote-se, contudo, que não se deve confundir o mês em que se vence o direito à remuneração com o mês em que ocorre a mudança de escalão. Esta mudança ocorrerá sempre no mês imediatamente anterior àquele em que se vence o direito à nova remuneração, pelo que será sempre a partir daquele mês que se deve começar a computar os módulos de tempo necessários à progressão para o novo escalão”; 31- Razão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT