Acórdão nº 20/07 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 20/2007

Processo n.º 715/06

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Vítor Gomes

    Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):

      “1. A., melhor identificado nos autos, foi julgado na 6ª Vara Criminal de Lisboa, tendo sido condenado por acórdão de 20 de Fevereiro de 2004, proferido nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo nº 94/03, pela prática de: – um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 300.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal de 1982, actualmente, previsto e punido pelo artigo 205.°, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão; - um crime de burla agravada, previsto e punido pelos artigos 217.°, n.º 1, e 218.°, n. ° 2, alínea a), do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; - um crime de falsificação de documento particular, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano de prisão; e de – um (único) crime de falsificação de documentos, referente a três cheques, previsto e punido pelo artigo 256°, n.ºs 1, alínea a), e 3, com referência ao artigo 30.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão.

      Em cúmulo jurídico destas penas, após realização de um cúmulo intercalar das penas relativas aos crimes de falsificação de documentos, para aplicação do perdão de 1 ano de prisão concedido pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, foi condenado na pena única de oito anos de prisão.

      Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 15 de Dezembro de 2005, concedeu provimento parcial ao recurso, condenando-o pela prática dos mesmos crimes, mas nas seguintes penas parcelares: - de três anos e seis meses de prisão (para o crime de abuso de confiança); – de quatro anos de prisão (para o crime de burla agravada); – de nove meses de prisão (para o crime de falsificação de documento particular simples); e – de um ano e seis meses de prisão (para o crime de falsificação de documentos agravado).

      Em cúmulo jurídico destas penas, após aplicação do perdão concedido pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, em relação aos crimes de falsificação de documentos, foi a pena única fixada em cinco anos de prisão.

    2. Ainda inconformado recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do acórdão da Relação e o reenvio dos autos para novo julgamento, suscitando questões de constitucionalidade, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que condensou nas seguintes conclusões [segue transcrição]:

      1.ª Recorre-se do acórdão proferido pela Relação que não confirmou o acórdão condenatório proferido pela primeira instância.

      2.ª O artigo 400°, n.º 1, alínea f), quando prevê que confirma decisão recorrida acórdão que condena em pena diversa da proferida pela primeira instância mediante acórdão que enferma de nulidades e desatende outras nulidades que haviam sido suscitadas, além de modificar o adquirido quanto à matéria de facto, e é por isso irrecorrível, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo32°, n.º 1 da CRP [direito ao recurso].

      3.ª O aresto recorrido enferma de omissão de pronúncia [artigo 379°, n.º 1, alínea e) do CPP], ao não ter conhecido a questão concreta que o arguido suscitara nas conclusões 31.ª e 32.ª, por remissão para os artigos 102° a 107 da motivação, a qual é relevante para a decisão da causa, o que o faz enfermar de nulidade.

      4.ª O acórdão recorrido enferma, salvo o merecido respeito, de erro de Direito, por omissão de pronúncia, pois que não conheceu uma questão de constitucionalidade material que foi submetida a julgamento em recurso e que é relevante para a boa decisão da causa [a do artigo 127° do CPP em conjugação com o artigo 163° do CPP], o que implica violação do artigo 379°, n.º 1, alínea c) do CPP e concomitante nulidade.

      5.ª O aresto recorrido, ao ter considerado [página 35] que a valoração dos documentos aqui em apreço [os de fls. 2471-2476] ser «viável (...) independentemente da sua leitura ou expressa referência em audiência ao abrigo do excepcionado no n.º 2 do art.° 355°» [do CPP], enferma de erro de Direito, pois que o citado artigo 355° exige que a prova documental seja examinada em audiência, através da sua menção individualizada e expressa, de modo a que possa ser possibilitada aos sujeitos processuais a oportunidade de sobre ela se poderem pronunciar.

      6.ª O aresto recorrido, ao ter considerado [página 35] que a valoração dos documentos aqui em apreço [os de fls. 2471-2476] ser «viável (...) independentemente da sua leitura ou expressa referência em audiência ao abrigo do excepcionado no n.º 2 do art.° 355°» [do CPP], enferma de erro de Direito, pois que o citado artigo 355° exige que a prova documental seja examinada em audiência, através da sua menção individualizada e expressa, de modo a que possa ser possibilitada aos sujeitos processuais a oportunidade de sobre ela se poderem pronunciar.

      7.ª O aresto em recurso ao pura e simplesmente recusar-se a entrar em tal questão [página 36], suscitada pelo recorrente, o do cumprimento do artigo 163°, n.º 2 do CPP, enferma de erro de pronúncia, nos termos do artigo 379°, n.º 1, alínea c) do CPP

      8.ª O aresto recorrido enferma de erro de Direito quando interpreta e aplica o artigo 163°, n.º 2 do CPP como se ele dispensasse os juízes de fundamentarem especificadamente a sua divergência face às conclusões do juízo pericial só por alcançarem conclusão diversa com o recurso a diversos meios de prova.

      9.ª [Reitera-se, por cautela que] é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32°, n.º 1 da CRP o artigo 127° da CRP quando prevê que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração dos depoimentos do assistente e das testemunhas em sentido contrário ao declarado pêlos mesmos e posterga o artigo 163° do CPP, ao infirmar a prova pericial.

      10.ª O aresto recorrido, mau grado se lhe reconhecer preocupação de magnanimidade, enferma ainda de erro de Direito, por violação dos artigos 71°, n.º 1, 72° e 40° do Código Penal, quando não valorou circunstâncias [dadas como provadas] que militariam no sentido de uma pena concreta mais benigna, mais perto do limite mínimo, dados os seguintes factos (i) ausência de antecedentes por parte do arguido (ii) circunstância de ter a seu cargo filho de tenra idade (iii) o banco para que trabalhava não haver apresentado queixa nem processo disciplinar (iv) o arguido haver voluntariamente abandonado as funções que exercia (v) desempenhar trabalho como professor (vi) ser funcionário respeitado.

      (...)

      O Ministério Público respondeu, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, com os seguintes argumentos [segue transcrição das conclusões]:

      1.ª Nos termos dos art°s 400°, n. 1, f) do CPP, não cabe recurso do acórdão da Relação que confirma a sentença condenatória proferida em lª instância que condena arguido pela prática de crime com moldura penal abstracta não superior a 8 anos de prisão (a “dupla conforme”).

      2.ª Configura situação de dupla conforme (para efeitos do segmento normativo ínsito na alínea f) do n. 1 do art° 4000 CPP), o acórdão da Relação que mantém a condenação do arguido por todos os crimes, limitando-se a proceder a uma redução de cada uma das penas parcelares (in mellius) e, consequentemente, a igual redução da pena unitária, por força do respectivo cúmulo jurídico.

      3.ª Um recurso interposto para o STJ deve especificar as razões de discordância com o decidido na Relação, não podendo circunscrever-se a renovação da argumentação já aduzida inicialmente para aquele Tribunal, sem qualquer novidade, sob pena de equivaler a falta de motivação, conducente à sua rejeição.

      4.ª O Acórdão recorrido não enferma de insuficiências (omissão de pronúncia), nulidades ou irregularidades, pelo que não merece qualquer censura, devendo ser mantido e confirmado nos seus precisos termos, assim negando-se provimento ao recurso do arguido.

      O Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, acompanhando a posição expendida pelo Ministério Público junto da Relação, emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, por inadmissibilidade, tendo sido ouvido o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que respondeu sustentando a recorribilidade do acórdão da Relação.

    3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 28 de Junho de 2006, decidiu rejeitar o recurso com os seguintes fundamentos:

      II. Está em causa a admissibilidade do recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa com fundamento no disposto no artigo 400.°, n.° 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

      Nos termos deste preceito, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

      O recorrente foi condenado pela prática de um crime de crime de abuso de confiança punível com prisão de 1 a 8 anos, de um crime de burla agravada, punível com prisão de 2 a 8 anos, de um crime de falsificação de documento particular, punível com prisão até 3 anos ou com pena de multa, e de um crime de falsificação de documentos agravado, punível com prisão de 6 meses a 5 anos ou com multa de 60 a 600 dias.

      A Relação, confirmando a condenação pela prática dos crimes, reduziu as penas parcelares e únicas.

      Não se levantam dúvidas de que se a Relação se limitasse a confirmar nos seus precisos termos a decisão da a instância, não era admissível recurso para o Supremo.

      O que o recorrente controverte, defendendo a posição contrária na resposta à suscitação da questão prévia, é a interpretação do referido preceito no sentido de se considerar que a confirmação da condenação in mellius, não constituindo uma...

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