Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2009, de 20 de Novembro de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 14/2009

Processo n. 1746/7.8TXEVR -UJ Fixaçáo de jurisprudência

Acordam no Pleno das Secçóes Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relaçáo de Évora, invocando o disposto nos artigos 437., n.os 2 e 4, e 438. do Código de Processo Penal, interpóe recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência do acórdáo da Relaçáo de Évora, proferido no processo n. 2770/08, em 8 de Dezembro de 2008, com fundamento em oposiçáo com o decidido pela mesma Relaçáo no processo n. 1872/08, em 11 de Agosto de 2008.

Termina a petiçáo de recurso com as seguintes conclusóes:

1.ª No douto acórdáo da veneranda Relaçáo de Évora proferido no processo de recurso n. 2770/08 -1, transitado em 5 de Janeiro de 2009, foi decidido que a adaptaçáo à liberdade condicional prevista no artigo 62. do C. Penal náo é permitida enquanto náo se mostrar cumprida metade da pena imposta.

2.ª No douto acórdáo da mesma veneranda Relaçáo proferido no processo de recurso n. 1872/08 -1, no dia 12 de Agosto de 2008, transitado em 8 de Setembro de 2008, foi decidido que a adaptaçáo à liberdade condicional prevista no artigo 62. do C. Penal é permitida antes de cumprida metade da pena imposta.

3.ª Os referidos acórdáos encontram -se, assim, em contradiçáo, pelo que, estando reunidas as condiçóes previstas nos artigos 437., n. 2, e 438., n. 1, do CPP, impóe -se a fixaçáo de jurisprudência pelo colendo STJ

.

2 - Recebido o recurso no Supremo Tribunal, a Secçáo julgou verificada a oposiçáo de julgados, determinando o prosseguimento do recurso nos termos dos artigos 440. e 441. do Código de Processo Penal.

3 - Notificados os interessados, alegaram o Ministério Público recorrente e o arguido Artur Wilson da Silva Muanfinta.

O magistrado do Ministério Público termina as alegaçóes formulando as seguintes conclusóes:

1.ª A liberdade condicional, segundo o preâmbulo do Código Penal, tem como objectivo 'criar um período de transiçáo entre a prisáo e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientaçáo social fatalmente enfraquecido por efeito de reclusáo [...] sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade'.

2.ª Com a Lei n. 59/2007, de 4 de Setembro, a liber-dade condicional passou a poder ser concedida desde que esteja cumprida metade da pena (e no mínimo 6 meses), independentemente da duraçáo desta ou da natureza do crime.

3.ª A regra para a concessáo da liberdade condicional é, pois, o cumprimento efectivo de metade da pena e mínimo absoluto de 6 meses, para além dos restantes pressupostos constantes do artigo 61.

4.ª O mínimo de 6 meses surge enquanto excepçáo à regra do cumprimento da metade da pena, ou seja, quando a pena é inferior a 1 ano de prisáo (ou 18 meses, na concessáo aos dois terços da pena).

5.ª O instituto da adaptaçáo à liberdade condicional, como resulta da exposiçáo de motivos, proposta de lei n. 98/X, Relatório Final da CEDRSP, Resoluçáo do Conselho de Ministros n. 144/2004, e acta n. 8 da Unidade de Missáo para a Reforma Penal, pretendeu flexibilizar o processo de reapreciaçáo da liberdade condicional, evitando que o período de tempo pelo qual o condenado fica afastado da sociedade seja táo longo que possa comprometer as suas possibilidades de reinserçáo.

6.ª Tal deveu -se ao facto de a Lei n. 59/98, de 22 de Agosto, ter revogado o artigo 97. do Decreto -Lei n. 783/76, de 29 de Outubro, que previa a reapreciaçáo obrigatória da liberdade condicional de 12 em 12 meses, quando náo fosse concedida.

7.ª Foi esta situaçáo de rigidez temporal, que existia no regime anterior - amplamente criticada pela doutrina -, que o regime de adaptaçáo pretendeu corrigir, evitando que, em situaçóes em que a liberdade condicional seja denegada ao ser atingida metade da pena, o condenado só a possa ver reapreciada após um largo período de tempo.

8.ª Deve -se, pois, concluir que o legislador, com a criaçáo do instituto da adaptaçáo à liberdade condicional, pretendeu, apenas, corrigir as situaçóes que se enquadravam no âmbito das preocupaçóes avançadas pela CEDRSP e já náo generalizar a todos os casos a antecipaçáo à liberdade condicional, independentemente do período de prisáo cumprido.

9.ª A adaptaçáo à liberdade condicional náo é uma figura autónoma em relaçáo à liberdade condicional na medida em que pressupóe a consagraçáo legal desta última e o seu regime terá que ser apreciado conjuntamente com as outras disposiçóes da secçáo IV (relativa à matéria de liberdade condicional, designadamente com o artigo 61.), bem como com as disposiçóes que integram o título III (relativo às consequências jurídicas do facto), e o capítulo I (relativo às finalidades das penas), onde se encontra inserido.

10.ª Se o instituto se designa por adaptaçáo à liber-dade condicional, faz sentido que a sua aplicaçáo ocorra nas situaçóes em que, chegado o momento em que a lei, como regra, entende ser o adequado ao regresso à vida em sociedade (metade da pena), o condenado ainda náo reúne os requisitos para que tal aconteça, pois só nestes casos é que se justificaria a necessidade de passar por uma fase prévia, de adaptaçáo (caso contrário, beneficiaria, desde logo, da concessáo da liberdade condicional).

11.ª O regresso a casa (ainda que sob prisáo domiciliária) do condenado sem que este tenha cumprido o período mínimo considerado aceitável para a concessáo da liberdade condicional (metade da pena), náo deixaria de ser visto, aos olhos da sociedade, como uma desvalorizaçáo dos factos que motivaram a pena aplicada e uma indiferença do sistema penal pelos interesses da vítima.

12.ª A pena de prisáo encontra a sua justificaçáo náo só em finalidades de prevençáo especial, como também em finalidades de prevençáo geral positiva ou de integraçáo, ou seja, 'de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violaçáo da norma ocorrida; em suma, na expressáo de Jakobs, como estabilizaçáo contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida'.

13.ª A soluçáo que permita a adaptaçáo à liberdade condicional sem que o condenado tenha cumprido, em efectiva reclusáo, metade da pena (e no mínimo 6 meses) enfraqueceria e diluiria os efeitos de prevençáo geral que a finalidade da pena visa acautelar (artigo 40., n. 1, do Código Penal).

14.ª O legislador, ao remeter genericamente para todos os requisitos do artigo 61., inclusive o cumprimento efectivo de metade da pena (com um mínimo de 6 meses, no caso de esta ser inferior a 1 ano), para que seja concedida a adaptaçáo à liberdade condicional, expressamente náo prescindiu da necessidade de um tempo mínimo em que o condenado estará obrigado a passar pelo sistema prisional em cumprimento de pena.

Em consequência, o Ex.mo Procurador -Geral propóe que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdáos recorrido e fundamento seja resolvido nos seguintes termos:

A antecipaçáo da liberdade condicional regulada no artigo 62. do Código Penal tem como requisito o cumprimento efectivo de metade da pena, e, quando a pena for inferior a 1 ano, um mínimo de 6 meses de prisáo, sendo aplicável quando faltar um ano ou menos para o cumprimento de dois terços ou cinco sextos da pena.

O arguido conclui pelo modo seguinte as alegaçóes:

1.ª Foi o Supremo Tribunal confrontado com dois Acórdáos diferentes no que toca ao tratamento da mesma questáo.

2.ª Foi interposto recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência.

3.ª No douto Acórdáo da Veneranda Relaçáo de Évora, proferido no processo de recurso n. 2770/08 -1, foi decidido que a adaptaçáo à liberdade condicional náo é permitida, enquanto náo se mostrar cumprida metade da pena imposta.

4.ª No douto Acórdáo da mesma Veneranda Relaçáo, proferido no processo de recurso n. 1872/08 -1, foi decidido que a adaptaçáo à liberdade condicional prevista náo é permitida antes de cumprida metade da pena imposta.

5.ª O pressuposto de metade do cumprimento da pena é aplicável aos casos do artigo 61. do Código Penal.

6.ª O artigo 62. do Código Penal aplica -se aos casos de adaptaçáo à liberdade condicional e refere que a colocaçáo em liberdade condicional pode ser antecipada.

7.ª É entendimento da doutrina, que:

8.ª 'A colocaçáo no regime de adaptaçáo à liberdade condicional só é admissível verificados que estejam os pressupostos da liberdade condicional enunciados no artigo 61. do Código Penal, ou seja': 1) 'Que estejam cumpridos no mínimo 6 meses de pena.'; 2) 'Que o condenado preste o seu consentimento.'; 3) 'Que seja fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a sua personalidade e a evoluçáo desta durante a execuçáo da pena de prisáo que ele, se colocado no regime em causa, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer

crimes juízo prognose favorável ao condenado num sentido estritamente de prevençáo especial positiva ou de socializaçáo'; 4) 'Que a colocaçáo no regime de adaptaçáo à liberdade condicional se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social'.

9.ª O mesmo Tribunal da Relaçáo de Évora, por douto Acórdáo transitado em 5 de Janeiro de 2009, decidiu que a adaptaçáo à liberdade condicional prevista no artigo 62. do Código Penal náo é permitida, sem que '[...] o condenado tenha cumprido metade da pena e no mínimo 6 meses'.

10.ª O Tribunal da Relaçáo de Évora na 2.ª sentença decidiu pela concessáo ao arguido do regime de adaptaçáo à liberdade condicional prevista no artigo 62. do Código Penal, sendo a mesma permitida antes de cumprida metade da pena imposta.

11.ª O recorrido entende que a necessidade de cumprimento de metade da pena por parte do arguido se aplica apenas aos casos de concessáo de liberdade condicional, previstos no artigo 61. do Código Penal, e náo aos de adaptaçáo à liberdade condicional, previstos no artigo 62. do mesmo diploma legal.

12.ª Andou bem o mesmo Tribunal da...

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