Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010, de 21 de Maio de 2010

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 6/2010

Recurso n. 312/09.8YFLSB

Recurso para fixaçáo de jurisprudência

I - O recurso

O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência do acórdáo proferido em 12 de Janeiro de 2009 pelo Tribunal da Relaçáo de Guimaráes no processo n. 2586/08, invocando como fundamento o acórdáo de 15 de Julho de 2008, proferido pelo mesmo tribunal no processo n. 1156/08:

O acórdáo recorrido entendeu que o despacho de revogaçáo da suspensáo da pena de prisáo deve ser pessoalmente notificado ao condenado, náo bastando a notificaçáo do defensor; discorda -se desse entendimento, uma vez que, nos termos do n. 9 do artigo 113. do Código de Processo Penal (1), é suficiente a notificaçáo do defensor do arguido; deve, em consequência, revogar -se o acórdáo recorrido e fixar -se jurisprudência no sentido de que «o despacho que revoga a suspensáo da execuçáo da pena náo necessita de ser notificado pessoalmente ao arguido, bastando a notificaçáo realizada ao seu defensor».

Em 13 de Julho de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando náo ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposiçáo de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.

Foram notificados os sujeitos processuais interessados nos termos e para os efeitos do artigo 442., n. 1 (2).

II - As alegaçóes

O MP concluiu assim as suas alegaçóes:

A suspensáo da pena na sua execuçáo, como pena de substituiçáo e que importa a aplicaçáo e cominaçáo de uma outra pena, quando revogada nos termos do artigo

56. do Código Penal (3), náo pode deixar de determinar uma alteraçáo in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória, até porque a perda da liberdade por parte do condenado constitui o seu efeito directo e porventura mais radical; daí que o legislador tivesse rodeado das maiores cautelas a prolaçáo da decisáo que implique quer a revogaçáo da suspensáo da execuçáo da pena quer a modificaçáo dos deveres, regras de conduta e outras obrigaçóes impostas ao arguido na sentença condenatória, exigindo para tal, e entre o mais, a prévia audiçáo do condenado, como decorre do disposto nos artigos 492. e 495° do Código de Processo Penal (4).

Cautelas essas que, tidas pelo legislador, náo podem deixar de ser extensíveis à notificaçáo das mesmas decisóes, como pressuposto indispensável para assegurar, de uma forma efectiva e real, o respeito pelo direito ao recurso, constitucionalmente garantido no n. 1 do artigo 32. da lei fundamental e por via do qual é proporcionada ao arguido, afectado pelas mesmas decisóes, a possibilidade de as impugnar; de onde que, conquanto do elenco das ressalvas feitas no n. 9 do artigo 113. do Código de Processo Penal náo conste expressamente a decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da

pena, mal se compreenderia que, náo tendo o legislador abdicado da notificaçáo pessoal do arguido quando em causa se encontre, por exemplo, a decisáo instrutória (que, náo resolvendo a questáo substantiva objecto do processo, encerra em si um mero juízo indiciário) ou a que aplique medidas coactivas e de garantia patrimonial (por natureza susceptíveis de serem alteradas a todo o tempo, desde que as circunstâncias do caso concreto o justifiquem), se bastasse com a notificaçáo do defensor, e náo também do arguido, tratando -se de decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena, quando é certo que, face aos efeitos dela directamente advindos para o condenado (maxime a sua privaçáo da liberdade), a mesma se reveste de muito maior gravidade do que qualquer das outras; para além de que sempre resultaria inaceitável que, tendo o legislador de forma inequívoca querido que o arguido fosse notificado pessoalmente da sentença (artigo 113., n. 9, do Código de Processo Penal), náo encontrasse motivo para outro tanto em caso da revogaçáo da suspensáo da execuçáo da pena, quando esta representa uma alteraçáo in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória que impôs a referida pena de substituiçáo, decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena que - pressupondo a verificaçáo de uma qualquer das situaçóes previstas nas alíneas a) e b) do n. 1 do artigo 56. do Código Penal, implica (n. 2 do mesmo normativo) o cumprimento da pena de prisáo fixada na sentença - náo pode deixar de integrar -se na decisáo final, dando efectividade à condenaçáo cuja execuçáo ficou condicionalmente suspensa; e tanto assim é que, náo obstante as diferenças que as caracterizam, a lei confere igual dignidade a uma e outra, como bem evidenciam o efeito, o momento e o regime de subida atribuídos [artigos 408., n. 2, alínea c), 406., n. 1, e 407., n. 2, todos do Código de Processo Penal] (5), ao recurso que porventura seja interposto de uma ou outra das decisóes, ao invés do que sucede com os despachos, por exemplo, atinentes à mera execuçáo da pena já transitada e em que o recurso tem efeito devolutivo e sobe, embora imediatamente, em separado; a notificaçáo do arguido da decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena de prisáo há -de revestir, pois, a forma de contacto pessoal [alínea d) do n. 1 do artigo 113. do Código de Processo Penal] (6), considerando que as formas de notificaçáo por via postal simples e registada (as únicas que, afora aquela, podiam encontrar algum cabimento no caso) sáo de excluir, já porque o TIR prestado pelo arguido se extinguiu com o trânsito em julgado da sentença condenatória [artigo 214., n. 1, alínea e), do Código de Processo Penal] (7), já porque, tendo resultado infrutíferas as diligências efectuadas no sentido de localizar o arguido e notificá -lo a fim de ser ouvido previamente à prolaçáo da decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena de prisáo, se ignora a sua morada; essa notificaçáo pessoal é expressamente prevista na lei (n. 5 do artigo 333. e n. 6 do artigo 334., ambos do Código de Processo Penal) para os casos em que, justificada ou injustificadamente, o arguido esteve ausente na audiência de julgamento; impondo a lei que a sentença lhe seja notificada pessoalmente logo que detido ou que, por sua vontade se apresente em juízo, por maioria de razáo se justificará quando a decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena de prisáo foi prolatada sem prévia audiçáo do condenado, que desconhecia a data em que tal viria a suceder;

1748 de onde que a omissáo decorrente da falta de notificaçáo do arguido da decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena, afectando o valor do acto praticado

('princípio da relevância material da irregularidade'), integra uma irregularidade que, por atingir o núcleo essencial dos direitos fundamentais do arguido, o que vale dizer o seu direito de defesa (por desrespeito dos princípios do contraditório e da audiência), pode/deve ser oficiosamente declarada pelo tribunal, nos termos do artigo 123., n. 2, do Código de Processo Penal, e que, tornando o acto inválido e bem assim tudo quanto se lhe seguiu, determinará a notificaçáo do arguido na sua pessoa, para que, querendo, possa impugná -lo e bem assim impugnar o facto de ter sido prolatada a decisáo revogatória em questáo sem que ele fosse previamente ouvido, como impóe o artigo 495. do Código de Processo Penal.

Em moldes idênticos há -de também de ser sancionada e reparada a prática do mencionado acto, consistente na prolaçáo da decisáo revogatória da suspensáo da execuçáo da pena de prisáo sem prévia audiçáo do condenado, quando a imposiçáo da dita pena de substituiçáo náo foi acompanhada de regime de prova (artigos 50., n. 2, e 53° do Código Penal).

É que, se a audiçáo prévia do condenado se reveste de carácter obrigatório sempre que haja lugar quer à modificaçáo dos deveres, regras de conduta e outras obrigaçóes impostas (artigo 55. do Código Penal), quer à revogaçáo da suspensáo da execuçáo da pena de prisáo [artigo 56., n. 1, alíneas a) e b), do Código Penal], a sua omissáo - afectando o núcleo essencial dos direitos do arguido, maxime o seu direito de defesa, por patente violaçáo dos princípios do contraditório e da audiência, com assento constitucional - integra uma irregularidade que o tribunal deve oficiosamente conhecer e declarar, nos termos do artigo 123., n. 2, do Código de Processo Penal, e que, tornando inválido o acto praticado e os que se lhe seguiram, determina a notificaçáo pessoal do arguido, por forma a permitir -lhe impugná -lo, querendo, pela via recursiva e configura uma irregularidade, contanto que em causa náo esteja uma situaçáo em que a suspensáo ficou condicionada a regime de prova.

Hipótese em que, na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condiçóes da suspensáo (artigo 495., n. 2, conjugado com os artigos 492. e 494°, todos do Código de Processo Penal), devendo ter lugar a audiçáo prévia do condenado, a omissáo desta permite integrar a nulidade da alínea c) do n. 1 do artigo 119. do Código de Processo Penal, o que náo constitui a situaçáo retratada nos arestos em oposiçáo.

Termos em que, mantendo -se o decidido no acórdáo recorrido, se entende que o conflito que se suscita há-de ser resolvido uniformizando a jurisprudência no sentido de que «a decisáo que revoga a suspensáo da execuçáo da pena de prisáo, nos termos do artigo 56. do Código Penal, carece de ser notificada pessoalmente ao arguido que náo foi ouvido antes de a mesma ter sido proferida.»

Por seu turno, o condenado reagiu assim ao recurso, na súmula final das suas alegaçóes:

Impóe o n. 9 do artigo 113. do Código de Processo Penal, atendendo ao conteúdo decisório da revogaçáo da suspensáo da execuçáo da pena, que este tenha de

ser notificado quer ao defensor ou advogado, bem como ao arguido; na hipótese de o despacho que revoga a suspensáo da execuçáo da pena náo ser notificado ao arguido, seráo violados princípios constitucionalmente consagrados (artigo 32. da Constituiçáo da República Portuguesa), bem como os preceituados no artigo 61. do Código de Processo Penal, constituindo assim uma nulidade insanável ao abrigo do artigo 119. do Código de Processo...

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