Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2009, de 24 de Junho de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 10/2009

Recurso n. 3770/08, 3.ª Secçáo - Fixaçáo de jurisprudência

Acordam no pleno das secçóes criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

O Ex.mo Procurador Geral -Adjunto no Tribunal da Relaçáo de Guimaráes interpôs recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência do acórdáo do Tribunal daquela Relaçáo, de 4 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n. 1697/08, 2.ª Secçáo, onde se decidiu que o período de detençáo para comparência de arguido quer na fase de inquérito quer na de audiência à luz do artigo 116. do Código de Processo Penal (CPP), deve ser descontado no cumprimento da pena ao abrigo do artigo 80., n. 1, do Código Penal (CP), aquele em oposiçáo ao Acórdáo de 4 de Agosto de 2006, proferido no Tribunal da Relaçáo de Évora no processo n. 1641/06, 1.ª Secçáo, onde se decidiu que o tempo de privaçáo de liberdade sofrida pelo arguido no processo em que vier a ser condenado náo é de descontar na pena de prisáo que lhe foi aplicada.

Concluiu, ainda, aquele Ex.mo Magistrado, em abono do seu ponto de vista, que vai no sentido de adesáo ao acórdáo fundamento, que o acórdáo recorrido deve ser revogado e uniformizada a jurisprudência no sentido de que «Para efeitos do artigo 80. do CP náo relevam os períodos de detençáo do arguido ocorridos no decurso do processo e decretados a coberto do artigo 116. do CPP».

I - Por acórdáo a fls. 23 e segs. foi declarada a oposiçáo de julgados, prosseguindo o processo seus regulares temos, visto o preceituado no artigo 441., n.os 1 e 2, do CPP, mantendo -se os pressupostos formais e substanciais de fixaçáo de jurisprudência, ou seja, aquela oposiçáo e a imutabilidade do pertinente quadro legal.

II - O Ex.mo Procurador Geral -Adjunto apresentou alegaçóes nas quais conclui que:

Durante a tramitaçáo do processo e até ao trânsito em julgado da decisáo podem surgir privaçóes de liberdade destinadas a assegurar a efectivaçáo do processo e a realizaçáo da justiça.

O instituto do desconto emerge de uma ideia de justiça material.

Sáo, pois, razóes que radicam em imperativos de justiça material que justificam que aquelas restriçóes de liberdade, impostas, apenas, em funçáo de exigências processuais, sejam descontadas no cumprimento da pena que, a final, venha a ser aplicada.

O CPP de 1987, em matéria de medidas processuais restritivas da liberdade, veio reservar o termo prisáo preventiva para a medida de coacçáo imposta por decisáo judicial, nos termos do artigo 202. do CPP, deixando o termo detençáo para os restantes casos de privaçáo de liberdade que, pelo seu carácter precário, carece de homologaçáo judicial sequente, impondo a apresentaçáo ao juiz em curto prazo quer a privaçáo tenha ou náo sido imposta por ele.

A Constituiçáo da República Portuguesa (CRP) prevê situaçóes de detençáo pelo tempo que a lei determinar e que constam, nomeadamente, dos artigos 85., 254., 273., 322., 301., 331. e 335. do CPP.

A detençáo da pessoa que falte, sem justificaçáo, à ordem de comparência cuja presença se revele necessária, está incluída na alínea f) do artigo 27., n. 3, da CRP e prevista nos artigos 116., n. 2, e 254., alínea b), do CPP.

Em face do exposto pode concluir -se que a detençáo para assegurar a comparência de uma pessoa é uma limitaçáo da liberdade individual estando prevista na CRP e no CPP. As normas do CP, prevendo o desconto das medidas processuais no cumprimento da pena incluem, também, a detençáo, sem exclusáo das situaçóes previstas no CPP.

A letra da norma do artigo 80. do CP, na medida em que náo contém qualquer limitaçáo relativa a qualquer situaçáo de detençáo enunciada no CPP, inclui a detençáo nos termos do artigo 116., n. 2, do CPP e regulamentada no artigo 254., n. 1, do mesmo diploma.

O espírito da norma, designadamente os elementos teleológicos e sistemático da interpretaçáo, conduzem ao mesmo sentido.

As razóes de justiça material que fundamentam o instituto do desconto estáo presentes quer o arguido seja presente para aplicaçáo ou execuçáo de uma medida de coacçáo ao abrigo do artigo 254., n. 1, alínea a), do CPP, quer seja detido para assegurar a sua presença ante a autoridade judicial ou em acto processual.

Em ambos os casos as privaçóes de liberdade se destinam a assegurar a efectivaçáo do processo e da justiça e náo enquanto reacçáo sancionatória penal ou processual penal.

No caso de falta injustificada, a reacçáo consiste, agora, numa condenaçáo em soma pecuniária, que náo constitui uma pena de multa, como sucedia no CPP de 1929 e no pagamento das despesas ocasionadas pela sua náo comparência.

A detençáo, seja para aplicaçáo ou execuçáo de uma medida de coacçáo e detençáo para comparência em virtude de uma falta injustificada, é determinada em funçáo de exigências processuais derivadas da necessidade de apreciaçáo pelo Ministério Público ou pelo juiz dos factos integrantes do ilícito penal objecto do processo, no sentido de factos ou parte de factos que integram ou poderiam/deveriam integrar o objecto do processo, pelos quais o arguido vem a ser condenado.

Náo há que considerar o desvalor da acçáo, reputando -a como sançáo, mas antes por se considerar a presença do arguido essencial à tramitaçáo do processo, visando a realizaçáo da justiça.

Por isso se deve fixar jurisprudência no sentido de que: «A detençáo do arguido, por falta injustificada de comparência, prevista no artigo 116., n. 2, do Código de Processo Penal, deve ser descontada no cumprimento da pena, nos termos do artigo 80. do Código...

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