Parecer n.º 27/2016

Data de publicação23 Março 2017
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoMinistério Público - Procuradoria-Geral da República

Parecer n.º 27/2016

Infraestruturas de Portugal, IP - Domínio Público Ferroviário - Domínio Público Rodoviário - Estrada Municipal - Direito de Propriedade - Prédio Rústico - Obras de Conservação - Dever de Prevenção do Perigo - Edificação - Câmara Municipal - Posse Administrativa - Autotutela Declarativa - Autotutela Executiva - Obra Coerciva - Princípio da Prossecução do Interesse Público - Princípio da Legalidade - Princípio da Juridicidade - Servidão Administrativa - Ação Judicial - Procedimento Cautelar - Processo Executivo

1.ª - A propriedade do prédio rústico sito em Alfange, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 2086/20110218 [correspondendo à antiga descrição n.º 23926, do Livro n.º 60, e à matriz n.º 8 - Secção T, da freguesia de Santarém (Marvila)], encontra-se definitivamente inscrita a favor da Teixeira Duarte - Engenharia e Construções, S. A., pela apresentação n.º 395, de 17 de fevereiro de 2011.

2.ª - Tal registo definitivo constitui presunção legal de que o correspondente direito existe e pertence à titular inscrita, nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7.º do Código do Registo Predial).

3.ª - Aquele prédio confina com uma estrada municipal, integrada no domínio público do Município de Santarém.

4.ª - Essa estrada municipal confina, por sua vez, com uma linha férrea pertencente ao domínio público do Estado.

5.ª - As estruturas de contenção do terreno do referido prédio encontram-se em deficiente estado de conservação, carecendo de obras tendentes a evitar o seu desabamento.

6.ª - Desconhecendo-se qualquer circunstancialismo que, por força de lei ou de negócio jurídico, as tenha desintegrado do respetivo domínio, as referidas estruturas de contenção devem considerar-se abrangidas pela propriedade do imóvel - artigo 1344.º, n.º 1, do Código Civil.

7.ª - O perigo de desabamento ameaça a segurança da estrada municipal e a da linha férrea, bem como a do tráfego que nas mesmas se processa.

8.ª - Nos termos do artigo 71.º, n.º 1.º, do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (Lei n.º 2110, de 19 de agosto de 1961), «os proprietários, usufrutuários ou rendeiros dos prédios confinantes com as vias municipais são obrigados a cortar as árvores e a demolir, total ou parcialmente, ou beneficiar, as construções que ameacem desabamento, precedendo sempre vistoria».

9.ª - Estabelece-se, por outro lado, no § único do referido artigo que se os proprietários, usufrutuários ou rendeiros, depois de intimados, não executarem, no prazo fixado, as obras a que o mesmo se refere, serão feitas de sua conta pelo pessoal camarário.

10.ª - Estatui-se no artigo 89.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro) que «a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção das más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético das edificações».

11.ª - As estruturas de contenção do referido terreno, configurando-se como construções incorporadas no solo com caráter de permanência, integram-se no conceito de edificações, para efeitos de aplicação do mesmo diploma - artigo 2.º, alínea a), do referido decreto-lei.

12.ª - Caso a proprietária não inicie as obras que lhe sejam determinadas ou não as conclua dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, a câmara municipal poderá tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata, sendo da conta da proprietária as quantias relativas às despesas realizadas - artigos 91.º e 107.º do mesmo diploma.

13.ª - À Infraestruturas de Portugal, S. A. («IP»), cumpre zelar pela manutenção permanente das condições de infraestruturação e conservação e pela segurança da circulação ferroviária, competindo-lhe, como gestora da infraestrutura ferroviária nacional, assegurar a gestão, a exploração, a segurança e a vigilância dos bens que integram o domínio público ferroviário à sua guarda - artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, e artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 276/2003, de 4 de novembro.

14.ª - A «IP» tem, conforme decorre do disposto no artigo 68.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, legitimidade para iniciar, perante a Câmara Municipal de Santarém, o procedimento tendente a compelir a Teixeira Duarte - Engenharia e Construções, S. A., a efetuar as obras de conservação nas estruturas de contenção do terreno referido na 1.ª conclusão que se mostrem necessárias para evitar desabamentos que possam afetar a segurança da linha férrea e a do tráfego correspondente.

15.ª - Se a resolução do problema se não revelar viável através da ação da Câmara Municipal de Santarém, poderá a «IP» recorrer diretamente a tribunal para compelir a Teixeira Duarte - Engenharia e Construções, S. A., a efetuar as referidas obras, socorrendo-se, se necessário, dos procedimentos cautelares que se mostrarem justificados - artigos 4.º, n.º 1, alínea o), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e 37.º, n.º 1, alínea h), e 112.º, n.os 1 e 2, alínea i), e seguintes do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

16.ª - As antecedentes conclusões foram extraídas no condicionalismo relatado no ponto n.º 1.2. do parecer, podendo a clarificação das múltiplas vertentes factuais ali indicadas como desconhecidas deste Conselho conduzir a uma abordagem jurídica diversa da que se efetuou.

Senhor Secretário de Estado das Infraestruturas,

Excelência:

Dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de parecer sobre a entidade que deve realizar e custear as obras a efetuar nas estruturas de contenção da encosta das Portas do Sol, em Santarém, a fim de evitar desabamentos sobre a infraestrutura ferroviária (1).

Cumpre elaborar tal parecer, ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público.

1

1.1 - Em anexo ao pedido foi remetida cópia de um ofício da Infraestruturas de Portugal, I. P. (2), reportando-se ao enquadramento factual e legal da situação, com o teor seguinte:

«Assunto: Encosta das Portas do Sol.

Infraestruturas de Portugal, IP, SA, vem, por este meio, propor se digne essa Secretaria de Estado solicitar, nos termos do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, parecer quanto à entidade à qual compete realizar/custear as obras na estrutura de contenção da Encosta das Portas do Sol, em Santarém, a fim de evitar desabamentos sobre a infraestrutura ferroviária.

Tal parecer tem subjacente diferendo existente entre a Infraestruturas de Portugal, SA (anteriormente designada Rede Ferroviária Nacional - REFER, EPE), o Município de Santarém e a empresa Teixeira Duarte, SA, quanto à referida questão.

Efetivamente, e para melhor enquadramento dos factos, cumpre referir:

- Em 13/09/82 foi emitido parecer sobre a questão em apreço, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) - publicado na 2.ª série do Diário da República de 18/11/1982 (3) - que concluiu ser o Município de Santarém "proprietário do monte das Portas do Sol" a entidade que tinha de efetuar as obras de consolidação da encosta, por forma a impedir que, por causas naturais, os terrenos se abatam sobre a via férrea que se situa no sopé do monte.

Apenas no caso de este não as fazer, devia a Caminhos de Ferro Portugueses, EP (CP) executá-las a fim de evitar danos e desabamentos, podendo, no entanto, exigir o reembolso das despesas (Anexo 1).

- Por força do Decreto-Lei n.º 104/97, de 29 de abril (salientando-se que o parecer é de 1982), os direitos e obrigações que integravam o património da CP afetos às infraestruturas integrantes do domínio público ferroviário foram transferidos da CP para a Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP (REFER).

- Tendo subjacente o disposto no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a então REFER enviou, em 10/11/2010 e 21/01/2011, cartas à Câmara Municipal de Santarém a alertar para a necessidade de realização das obras, sob pena de, no futuro, lhe imputar os respetivos custos. Alertou, ainda, para o conteúdo do relatório do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) que recomendava a execução de várias ações de manutenção sobre as estruturas de contenção existentes na Encosta das Portas do Sol (Anexos 2 e 3).

- Em resposta veio a Câmara de Santarém, em 16/12/2010 e 30/03/2011, declinar qualquer responsabilidade, informando que o terreno no qual se iria realizar a intervenção não era sua propriedade. Tal facto foi confirmado através dos registos dos imóveis, tendo-se apurado que os terrenos são propriedade da empresa Teixeira Duarte, SA (Anexos 4, 5 e 6).

- Em conformidade, foi enviada, em 19/07/2011, carta à Teixeira Duarte, SA, na qual a REFER mencionava que "mantinha um processo de contratualização com o LNEC para a realização das campanhas de leituras e de relatório" sobre o estado das Encostas e que tinha solicitado um estudo específico para determinar a metodologia para repor a estabilidade da estrutura, tendo o mesmo concluído que se tornava necessária uma intervenção imediata. Face ao exposto, referia que a Teixeira Duarte, SA, devia efetuar a reparação o mais urgentemente possível. Esta carta não foi objeto de resposta pela Teixeira Duarte, SA (Anexos 7, 8 e 9).

- Em 05/05/2011 foi publicada, no Diário da República, Resolução da Assembleia da República n.º 101/2011, aprovada em 6 de abril de 2011, através da qual foi recomendado ao governo que adote medidas para a concretização do Projeto Global da Estabilização das Encostas de Santarém (Anexo 10).

- Posteriormente, e tendo como pressuposto relatório elaborado pelo LNEC que contemplava proposta de atuação para a Encosta do Sol, a Secretaria de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (SEOPT) notificou, em 11/04/2013, quer a Câmara Municipal de Santarém, quer a REFER, para...

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