Parecer n.º 2/2007, de 11 de Julho de 2007

Parecer n.o 2/2007

Parecer sobre o documento «Orientaçóes para a reforma do sistema de ensino superior em Portugal»

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe sáo conferidas, e nos termos regimentais, após apreciaçáo do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores Arsélio Pato de Carvalho (coordenador), Ana Maria Dias Bettencourt, Fernando Jorge dos Ramos, Ivo Luís Azevedo da Costa Santos e Jorge Miguel Luz Marques da Silva, o Conselho Nacional de Educaçáo, na sua reuniáo plenária de 6 de Junho de 2007, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu terceiro parecer no decurso do ano de 2007.

O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior informou o Conselho Nacional de Educaçáo (CNE), em 13 de Fevereiro de 2007, de que as grandes linhas de orientaçáo para a reforma do sistema de ensino superior incidem sobre os seguintes temas:

Orientaçáo e regulaçáo;

Governaçáo e estatuto legal das instituiçóes; Financiamento e eficiência;

Acesso e equidade; Qualidade no ensino superior e em ciência e tecnologia; Abertura das instituiçóes à sociedade e à economia.

O documento apresentado pelo Ministro contém orientaçóes gerais, a serem concretizadas posteriormente, tornando difícil, em muitos pontos, entender o seu real alcance e ou a forma de concretizaçáo. Assim, o parecer que emitimos com base no conhecimento de que dispomos náo pode condicionar outras apreciaçóes ulteriores perante projectos concretos que as venham a materializar. O CNE e ou as suas comissóes especializadas permanentes disponibilizam-se para acompanhar o desenvolvimento das orientaçóes agora em análise e a legislaçáo que delas decorra.

1 - Orientaçáo e regulaçáo

1.1 - Constituiçáo de um conselho superior de orientaçáo estratégica (CSOE)

O documento que o Ministro entregou ao CNE indica que a orientaçáo do Governo é para que seja criado um conselho superior de orientaçáo estratégica (CSOE) com verdadeira autoridade para a orientaçáo e regulaçáo do sistema de ensino superior, cujas deliberaçóes poderáo ser vinculativas. O Governo prevê que no CSOE estejam representadas as seguintes entidades: a) Governo; b) empresas; c) ciência e a cultura, e d) sociedade civil (que deve ser mais bem definida). Náo é claro que este conselho corresponda ao conselho coordenador do ensino superior (CCES), com missáo de aconselhamento do membro do Governo responsável pela área da ciência, tecnologia e ensino superior no domínio da política de ensino superior, previsto no artigo 23.o do Decreto-Lei n.o 214/2006, como órgáo consultivo.

O CSOE, com verdadeira autoridade para orientaçáo e regulaçáo do sistema de ensino superior, é extremamente importante, dado que a desregulaçáo das últimas décadas constituiu um dos principais problemas do ensino superior em Portugal. A criaçáo do CSOE será importante para estabelecer no País um pensamento avançado sobre o ensino superior, como motor de desenvolvimento da sociedade e

19 820 que contribua para libertar as instituiçóes de ensino superior da instabilidade resultante dos ciclos eleitorais e governativos. Portanto, a composiçáo e nomeaçáo dos membros do CSOE é matéria que deve ser ponderada.

A recomendaçáo contida no relatório da OCDE relativamente ao CCES propóe a seguinte composiçáo: Primeiro-Ministro, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior como vice-presidente, o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, cinco representantes de outros ministérios com interesse na educaçáo, cinco membros do mundo social, cultural e económico e cinco membros académicos. Os civis e os académicos seriam nomeados pelo Primeiro-Ministro. Esta composiçáo proposta pela OCDE representa um grande avanço relativamente à composiçáo do Conselho Consultivo do Ensino Superior, criado pelo Decreto-Lei n.o 1/2003 e agora extinto, que tinha um reflexo mais corporativo. O Governo náo se pode demitir das suas obrigaçóes na regulaçáo do sistema, nem se escusar a assumir a responsabilidade pelas consequências das orientaçóes adoptadas.

Os membros do CSOE, anunciado no documento apresentado pelo Ministro, devem cobrir um espectro alargado da vida nacional de algum modo relacionada com o ensino superior, devem ser escolhidos em funçáo do mérito pessoal e náo devem representar qualquer instituiçáo. O CSOE náo deve ser um órgáo corporativo, nem deve ser fonte de conflito com o sistema de ensino superior.

A criaçáo do CSOE deve traduzir um forte compromisso estatal com as instituiçóes de ensino superior, vistas como essenciais para a cultura, o desenvolvimento e a afirmaçáo do País. Deve acautelar-se que este organismo tenha um papel positivo na promoçáo da qualidade, mas poderá ser prejudicado se assumir inicialmente as funçóes de inspecçáo, para o que náo deve estar vocacionado.

1.2 - Opçóes políticas para orientaçáo do sistema

Revemo-nos na necessidade de aumentar o número anual de diplomados ao longo dos próximos 10 anos, devendo para isso ser aberta a base de recrutamento dos estudantes para o ensino superior, nomeadamente pela atracçáo de novos públicos, e deverá ser combatido o abandono precoce do ensino superior. É do interesse nacional que a maioria do crescimento se deva verificar no ensino politécnico.

As características inerentes a este ensino devem acentuar-se, diferenciando-o claramente do ensino universitário. Assim, o ensino politécnico deverá concentrar-se prioritariamente em formaçóes vocacionais e formaçóes técnicas avançadas de 1.o e de 2.o ciclos, orientadas profissionalmente (v. n.o 5.3, secçáo sobre «A missáo e os docentes dos institutos politécnicos»).

Deve haver um forte impulso nas políticas de qualidade e deve-se proceder a uma reanálise das instituiçóes e cursos, das suas condiçóes de funcionamento, com exigência de um forte corpo docente próprio.

Estas medidas poderáo conduzir à necessidade de um reordenamento da rede de instituiçóes.

A nível da pós-graduaçáo universitária, deve igualmente haver um incremento de doutorados, e o Governo prevê duplicar nos próximos 10 anos o número de doutoramentos. Para isso, seráo reforçadas as capacidades científicas e de gestáo das universidades e das unidades de investigaçáo, que deveráo coordenar esforços para reforçar a oferta de formaçóes científicas sólidas e ter mais influência na gestáo e estratégia de desenvolvimento do ensino superior. No n.o 5 deste documento, sobre «Qualidade no ensino superior e em ciência e tecnologia», é feita uma análise mais pormenorizada e crítica sobre o desenvolvimento dos institutos de investigaçáo como reforço à pós-graduaçáo universitária, para consolidar a existência formal de verdadeiras escolas de pós-graduaçáo (escolas de estudos graduados) nas universidades, com influência marcante na gestáo e na qualidade das instituiçóes de ensino superior.

Finalmente, o MCTES deve ser um parceiro activo com vista à simplificaçáo das exigências burocráticas sobre as instituiçóes.

A pesada máquina do Estado tem um efeito asfixiante sobre a flexibilidade e iniciativa na vida das instituiçóes.

2 - Governaçáo e estatuto legal das instituiçóes

No documento do Ministro é explicitado que «as actuais limitaçóes à autonomia das instituiçóes em matéria de gestáo de recursos humanos, financeiros e patrimoniais dificultam a sua resposta, com energia e responsabilidade, aos desafios que se colocam ao ensino superior.

Por sua vez, o actual sistema de governaçáo das instituiçóes de ensino superior náo estimula a participaçáo efectiva de experiências externas na orientaçáo das instituiçóes. Impóe-se um novo contrato de autonomia».

No entanto, as orientaçóes expressas no documento do Ministro sáo indefinidas e algo ambíguas, mesmo contraditórias, no que respeita à organizaçáo das instituiçóes. Reconhecemos a importância que tem o Governo querer dar às instituiçóes grande liberdade na sua organizaçáo, mas é necessário apontar desde já algumas regras comuns que balizem a organizaçáo das instituiçóes. Ao longo de décadas, tem sido discutida a governaçáo e o estatuto legal das instituiçóes de ensino superior, culminando agora com o relatório da OCDE.

2.1 - Governo das instituiçóes de ensino superior

É consensual que as instituiçóes de ensino superior precisam de reorganizar o seu governo para criar capacidade estratégica, de definiçáo criteriosa de objectivos, e para aumentar a transparência e os mecanismos de prestaçáo de contas.

O relatório da OCDE, que, na sua maior parte, parece merecer um consenso alargado, aponta para uma separaçáo articulada de dois domínios de governaçáo: o domínio «estratégico», com maioria de membros exteriores, e o domínio académico, havendo amplas formas de colaboraçáo entre estas duas formas de governo com funçóes diferentes, a definir nos estatutos de cada instituiçáo.

Recentemente, o CRUP publicou a «Carta de princípios» sobre o novo enquadramento legal do ensino superior, em que admite também a existência de dois órgáos de governo com algumas funçóes semelhantes às previstas no relatório da OCDE. Assim, a «Carta de princípios» do CRUP propóe os seguintes dois órgáos:

A existência de um órgáo de governo composto por membros eleitos pela comunidade universitária, no qual estejam representados todos os corpos da universidade. Este órgáo deve ter uma maioria de doutorados, e competências para definir, pelo menos, a política científica e pedagógica e para aprovar as propostas que lhe sejam submetidas pelo reitor.

A existência de um órgáo de governo integrando membros exteriores à universidade e por ela designados, com capacidade efectiva para influenciar as grandes opçóes da universidade, devendo, pelo menos, emitir parecer vinculativo sobre os grandes planos de actividades, os orçamentos e os relatórios de contas.

Os estatutos de cada instituiçáo definiriam ainda o equilíbrio das responsabilidades destes dois órgáos, em questóes de orientaçáo e de estratégia e na eleiçáo do reitor por um colégio eleitoral.

Assim, poderá haver um órgáo, separado do senado, mas com algumas funçóes de...

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