Acórdão n.º 450/2007, de 24 de Outubro de 2007

Acórdáo n.o 450/2007

Processo n.o 452/2007

Acordam na 3.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

I- Relatório. -1-No Tribunal da Comarca de Lisboa, o Minis-tério Público acusou, entre outros, Augusto Carvalho Rodrigues e Maria da Conceiçáo Pinto de Araújo, o primeiro pela prática, em co-autoria material e em concurso real: de um crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada e continuada, previsto e punido pelas disposiçóes conjugadas dos artigos 21.o, n.o 1 e 24.o, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela anexa I-A e I-B e 30.o do Código Penal; de um crime de receptaçáo na sua forma continuada, previsto e punido pelo artigo 231.o, n.o 1 e 30.o do Código Penal; de um crime de posse de arma náo manifestada e sem licença de uso e porte de arma, previsto e punido pelo artigo 6.o, n.o 1 da Lei n.o 22/97, de 27 de Junho. A segunda pela prática, em co-autoria material e em concurso real: de um crime de tráfico de estupefacientes na sua forma agravada e continuada, previsto e punido pelas disposiçóes conjugadas dos artigos 21.o, n.o 1 e 24.o, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabelas anexas I-A e I-B e 30.o do Código Penal; de um crime de receptaçáo na sua forma continuada, previsto e punido pelos artigos 231.o,n.o 1, e 30.o do Código Penal.

Por acórdáo da Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Braga de 7 de Dezembro de 2005 foram, entre outros, os arguidos Augusto Carvalho Rodrigues e Maria da Conceiçáo Pinto de Araújo condenados: o primeiro na pena única de sete anos e seis meses de prisáo, em cúmulo jurídico da pena de sete anos de prisáo pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.o do Código Penal, e da pena de um ano de prisáo pela prática de um crime de detençáo ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6.o, n.o 1, da Lei n.o 22/97, de 27 de Junho; a segunda na pena de sete anos de prisáo, pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 21.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 30.o do Código Penal.

2 - Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relaçáo de Guimaráes, tendo, nas conclusóes da respectiva motivaçáo, suscitado as seguintes questóes de constitucionalidade:

5 - O tribunal a quo interpretou as disposiçóes conjugadas dos artigos 188.o, n.o 4, segunda parte, e 101.o, n.o 2, no sentido de que o juiz de instruçáo criminal náo tem de assinar o auto de transcriçáo dos gravaçóes telefónicas nem sequer tem de certificar a conformidade da transcriçáo.

6 - Essa interpretaçáo ofende o disposto nos artigos 18.o, n.o 2, 32.o,n.os 1e8,e34.o,n.os 1 e 4, da CRP e é, por isso, inconstitucional, como tal devendo ser declarada, caso venha a considerar-se que é esse o sentido e conteúdo daquelas normas.

.......................................................

10 - A interpretaçáo contrária do artigo 188.o, n.o 3, adoptada pelo juiz de instruçáo criminal e acolhida pelo Tribunal a quo ao considerar válidas as escutas efectuadas e ao valorizá-las como meio de prova superlativo e determinante para a condenaçáo dos recorrentes, que permite a transcriçáo de parte das gravaçóes e a destruiçáo definitiva e irremediável das partes restantes, implica uma ofensa inaceitável das garantias de defesa dos arguidos e a violaçáo ostensiva dos preceitos constitucionais já antes citados (artigos 18.o, n.o 2, 32.o, n.os 1 e 8, e 34.o, n.os 1 e 4, da CRP), sendo, por isso, inconstitucional e como tal devendo ser declarada, .......................................................

17 - A interpretaçáo do conjunto normativo integrado pela alínea f) do n.o 1 do artigo 1.o e pelos artigos 358.o e 359.o que qualifique como náo substancial a alteraçáo dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intençáo dolosa do agente ofende as garantias mínimas de defesa do arguido e a estrutura acusatória do processo, sendo, por isso e por violaçáo do disposto nos n.os 1e5do artigo 32.o da CRP, inconstitucional.

18 - Deve, portanto, considerar-se tais factos como náo escritos e, em concomitância, absolver-se o recorrente Augusto do crime de detençáo ilegal de arma de defesa p. e p. pelo artigo 6.o da

Lei n.o 22/95, de 27 de Julho.

Pelo Acórdáo de 22 de Maio de 2006, o Tribunal da Relaçáo de Guimaráes julgou improcedentes os recursos interpostos, confirmando integralmente a decisáo recorrida.

3 - Augusto Carvalho Rodrigues e Maria da Conceiçáo Pinto de Araújo interpuseram entáo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, em 20 de Dezembro de 2006, sido proferido acórdáo decidindo, entre o mais, «[N]náo conhecer dos recursos dos arguidos Augusto Carvalho Rodrigues e Maria da Conceiçáo, na parte em que suscitam as questóes da nulidade das escutas e da alegada alteraçáo substancial dos factos, por as respectivas decisóes do Tribunal da Relaçáo serem insusceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

Deste acórdáo vieram requerer «se esclareça se o douto acórdáo em mérito considera ou náo que «a interpretaçáo [. . .] do artigo 188.o, n.o 3, adoptada pelo juiz de instruçáo criminal e acolhida pelo Tribunal a quo ao considerar válidas as escutas efectuadas e ao valorizá-las como meio de prova superlativo e determinante para a condenaçáo dos recorrentes, que permite a transcriçáo de parte das gravaçóes e a destruiçáo definitiva e irremediável das partes restantes, implica a ofensa das garantias de defesa dos arguidos e a violaçáo ostensiva dos preceitos constitucionais já antes citados (artigos 18.o, n.o 2, 32.o, n.os 1 e 8, e 34.o, n.os 1 e 4, da CRP)» e, por isso, se considera ou náo que aquela norma, assim interpretada, é inconstitucional», solicitaçáo que foi deferida por aresto de 7 de Fevereiro de 2007, em que se sublinha que «a decisáo sobre essa matéria, como o dispositivo do acórdáo inequivocamente refere, náo foi a da improcedência do recurso, por se ter julgado inconstitucional a norma citada, na interpretaçáo assinalada. Foi sim, a do náo conhecimento do mesmo, da sua rejeiçáo, por nessa parte, o acórdáo recorrido ser insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

4 - Notificados deste aresto, Augusto Carvalho Rodrigues e Maria da Conceiçáo Pinto de Araújo apresentaram o requerimento de fls. 4641 e 4641 v.o, endereçado ao desembargador relator do Tribunal da Relaçáo de Guimaráes, através do qual vieram interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.o, n.o 1, alínea b), da Lei n.o 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC), fazendo-o «porque se náo conformam com o, aliás douto, acórdáo proferido no processo crime identificado em epígrafe, pelo Tribunal da Relaçáo de Guimaráes no dia 22 de Maio de 2006» e «para apreciaçáo da inconstitucionalidade dos seguintes diplomas e normas:

Disposiçóes conjugadas dos artigos 188.o, n.o 4, segunda parte e 101.o, n.o 2, CPP, interpretadas no sentido de que o juiz de instruçáo criminal náo tem de assinar o auto de transcriçáo das gravaçóes telefónicas nem sequer de certificar a conformidade da transcriçáo, por ofensa do disposto nos artigos 18.o, n.o 2, 32.o, n.os 1 e 8, e 34.o, n.os 1 e 4, CRP;

Artigo 188.o, n.o 3, CPP, por ofensa dos citados artigos 18.o, n.o 2, 32.o,n.os 1e8,e34.o,n.os 1 e 4, CRP;

Conjunto normativo integrado nela alínea f) do n.o 1 do artigo 1.o e pelos artigos 358.o e 359.o do CPP, na interpretaçáo que qualifique como náo substancial a alteraçáo dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intençáo dolosa do agente, por ofensa das garantias mínimas de defesa do arguido e a da estrutura acusatória do processo penal e, por isso, do disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 32.o CRP.»

Determinada a produçáo de alegaçóes, os recorrentes concluíram assim as suas:

1 - A interpretaçáo adoptada das disposiçóes conjugadas dos artigos 188.o, n.o 4, segunda parte, e 101.o, n.o 2, do CPP, segundo a qual o JIC náo tem de assinar o auto de transcriçáo das gravaçóes telefónicas nem tem de certificar a conformidade da transcriçáo é inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 18.o, n.o 2, 32.o, n.os 1 e 8, e 34.o, n.os 1 e 4, da Constituiçáo da República Portuguesa.

2 - 'A norma do artigo 188.o, n.o 3, do Código de Processo Penal, na interpretaçáo (adoptada) segundo a qual permite a destruiçáo de elementos de prova obtidos mediante intercepçáo de telecomunicaçóes, que o órgáo de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que sáo consideradas irrelevantes pelo juiz de instruçáo criminal, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância' é inconstitucional, por violaçáo dos artigos 18.o, n.o 2, 32.o, n.os 1 e 8, e

34.o,n.os 1 e 4, da CRP.

30 740 3 - A interpretaçáo adoptada dos artigos 1.o, n.o 1, alínea f), 358.o e 359.o CPP, e em que assenta a condenaçáo do recorrente Augusto como autor material de um crime de detençáo ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo artigo 6.o da Lei n.o 22/95, de 27 de Julho, que qualificou como náo substancial a alteraçáo dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intençáo do agente e permitiu que os mesmos passassem a constar da sentença apesar de náo constarem da acusaçáo, é inconstitucional porque viola a estrutura acusatória do processo penal e, portanto, o disposto nos n.os 1e5do artigo 32.o da lei fundamental.

O Ministério Público contra-alegou, sustentando a náo inconstitucionalidade de todas as normas do Código de Processo Penal, na interpretaçáo que delas fizera a decisáo recorrida.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. -5-No presente recurso de constitucionalidade sáo colocadas ao Tribunal Constitucional três questóes distintas.

Incide a primeira sobre as disposiçóes conjugadas dos artigos...

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