Acórdão n.º 544/2006, de 06 de Novembro de 2006
Acórdáo n.o 544/2006
Processo n.o 388/2006
Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:
I- Relatório. - 1 - Nos presentes autos de fiscalizaçáo concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relaçáo de Lisboa, o arguido Luís Manuel Barreto Bandeira Costa foi condenado pela prática de um crime de falsificaçáo de documento, por acórdáo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa de 2 de Julho de 2004.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relaçáo de Lisboa, concluindo o seguinte:
1 - O recorrente foi condenado pela prática de um crime de falsificaçáo, previsto no artigo 256.o, n.os 1, alíneas a) e c), e 3, do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de E 7.
2 - Salvo o devido respeito, esteve mal o douto acórdáo recorrido ao condenar o recorrente.
3 - A fls. 628 e seguintes, o arguido foi acusado por factos que indiciavam, segundo o Ministério Público, a prática em concurso real de um crime de burla, previsto e punível pelos artigos 26.o, 217.o, n.o 1, e 218.o, n.o 2, alínea a), e de um crime de falsificaçáo de documento, previsto e punível pelo artigo 256.o, n.os 1, alíneas a) e c), e 3, do Código Penal, e ainda de um crime de fraude na obtençáo de subsídio ou subvençáo, previsto e punível pelos artigo 36.o, n.o 1, alíneas a) e c), por referência aos n.os 2 e 5, alínea a), do Decreto-Lei n.o 28/84, de 20 de Janeiro.
4-O M.mo Juiz de Instruçáo entendeu ser de alterar a qualificaçáo jurídica dos mesmos factos (cf. douto despacho a fls. 751 e seguintes), tendo pronunciado o ora recorrente pela prática de um único crime de fraude na obtençáo de subsídio ou subvençáo, previsto e punível pelos artigo 36.o, n.o 1, alíneas a) e c), por referência aos n.os 2 e 5, alínea a), do Decreto-Lei n.o 28/84, de 20 de Janeiro.
5 - Finalmente, em sede de audiência de julgamento (cf. fls. 984 e seguintes), o douto Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: 'Os arguidos Luís Manuel Barreto Bandeira Costa e Luís Paulo Costa Rodrigues Lopes encontram-se pronunciados, em co-autoria, da prática de um crime de fraude na obtençáo de subsídio, previsto e punido pelo artigo 36.o do Decreto-Lei n.o 28/84, de 20 de Janeiro.
Face à prova produzida, designadamente as declaraçóes dos arguidos, na eventualidade de aos mesmos vir a ser imputada a prática de um crime de falsificaçáo de documento, previsto e punível pelo artigo 256.o, n.os 1, alíneas a) e c), e 3, do Código Penal, ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 358.o do mesmo Código, comunica-se neste momento aos arguidos a eventual alteraçáo e, se assim o desejarem, concede-se prazo para preparaçáo e apresentaçáo da respectiva defesa.'
6 - Salvo melhor opiniáo, náo podia o douto Tribunal a quo proceder a nova alteraçáo (a terceira, nos mesmos autos) da qualificaçáo jurídica dos factos imputados ao ora recorrente.
7 - Ora, considerando que a lei prevê que o M.mo Juiz de Instruçáo pode alterar a qualificaçáo jurídica dos factos vertida na acusaçáo e, bem assim, que o tribunal em fase de julgamento pode alterar a mesma qualificaçáo relativamente à pronúncia, mas náo prevê expressamente essa dupla alteraçáo dentro do mesmo processo, teremos de - sempre à luz das mencionadas referências doutrinais - enquadrar tal possibilidade.
8 - Salvo melhor opiniáo, com o douto despacho de pronúncia constituiu-se, no tocante à qualificaçáo jurídica dos factos, caso julgado formal (cf. artigo 672.o do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 4.o do CPP) - ou pelo menos irrevogabilidade (cf. artigo 666.o do CPC, também aplicável ex vi do disposto no artigo 4.o do CPP).
9 - A alteraçáo da qualificaçáo jurídica operada no douto despacho de pronúncia ter-se-á tornado irrevogável (artigo 666.o do
CPC), e constitui-se caso julgado formal (artigo 672.o do CPC) sobre esta matéria.
10 - Ao decidir em contrário, o douto tribunal a quo violou, por erro de interpretaçáo e aplicaçáo, o disposto nos artigos 303.o e 358.o, n.os 1 e 3, ambos do CPP, e nos artigos 666.o e 672.o, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 4.o do CPP.
11 - Deveria ter interpretado e aplicado correctamente o disposto nestes preceitos, mantendo a qualificaçáo jurídica dos factos imputados ao recorrente, constante do douto despacho de pronúncia crime de fraude na obtençáo de subsídio ou subvençáo, previsto e punível pelos artigo 36.o, n.o 1, alíneas a) e c), por referência aos n.os 2 e 5, alínea a), do Decreto-Lei n.o 28/84, de 20 de Janeiro.
12 - Pelo que deve ser substituída por outra que o faça, com os legais efeitos.
13 - Aliás, os próprios artigos 303.o e 358.o, n.os 1 e 3, ambos do CPP, e nos artigos 666.o e 672.o, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 4.o do CPP, no entendimento do tribunal a quo de que é admissível alterar por diversas vezes a qualificaçáo jurídica dos factos no âmbito do mesmo processo, seriam, salvo melhor opiniáo, inconstitucionais por violaçáo do disposto no artigo 20.o da Constituiçáo da República Portuguesa.
14 - Ora, mantendo-se a imputaçáo vertida no douto despacho de pronúncia (o mencionado crime de fraude na obtençáo de subsídio ou subvençáo), deveria ser o ora recorrente absolvido, por força das consideraçóes expendidas no douto acórdáo recorrido, que por razóes de economia processual se dáo aqui por reproduzidas e que no essencial traduzem - e bem - náo se verificar a comissáo do crime de fraude na obtençáo de subsídio ou subvençáo.
15 - Por outro lado, e mesmo admitindo que seria possível operar a pretendida alteraçáo da qualificaçáo jurídica dos factos (o que, sem conceder, só por mero dever de patrocínio se admite), a verdade é que igualmente náo se verifica a prática de um crime de falsificaçáo, previsto no artigo 256.o, n.os 1, alíneas a) e c), e 3, do Código Penal.
16 - Com efeito, o elemento subjectivo deste tipo de crime exige que o agente actue com intençáo de causar prejuízo a outrem, ou de obter para si ou para terceiro benefício ilegítimo.
17 - No tocante...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO