Acórdão n.º 7/2005, de 04 de Novembro de 2005

Acórdão n.º 7/2005 Processo n.º 430/2004 - 3.' Secção. - Acordam em plenário nas secções criminais deste Supremo Tribunal de Justiça: O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs recurso extraordinário do acórdão proferido em recurso no processo n.º 6070/2003, da 9.' Secção daquele Tribunal, em 9 de Outubro de 2003, em que se decidiu não haver lugar ao convite ao assistente para correcção do requerimento de abertura da instrução sempre que se omita a narração de factos concretos susceptíveis de configurarem o crime imputado naquele requerimento, por estar em oposição ao acórdão proferido em recurso no processo daquela Relação, sob o n.º 2697/2001, com data de 3 de Maio de 2001, ainda da sua 9.' Secção, onde se decidiu, nos termos dos artigos 283.º, n.º 2, alínea b), e 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), ser de formular convite sempre que se omita a narração de factos concretos susceptíveis de configurar o crime imputado naquele requerimento, em vista de fixação de jurisprudência por este Supremo Tribunal de Justiça.

I - Da sua motivação de recurso constam as seguintes conclusões: 'No acórdão sob recurso a questão jurídica em discussão foi decidida no sentido de que, não contendo o requerimento de abertura de instrução a indispensável matéria fáctica para que a instrução fosse exequível, dado que o Ministério Público se abstivera de acusar, a lei não prevê qualquer convite ao assistente para aperfeiçoar o aludido requerimento.

Sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação foi proferido em 8 de Maio de 2003 (disse-se por lapso 8 de Maio de 2003, em vez de 3 de Maio de 2003), no processo n.º 2697/2001, da 9.' Secção, daquele Tribunal de Relação, consagrando a solução, que mais se coaduna com o espírito do sistema, no sentido de convidar o assistente a completar o requerimento com as indicações pertinentes, por não ser curial que, por razões formais, se deva coarctar a possibilidade de expor a sua versão consubstanciada em factos e comprová-la mediante a actividade instrutória.' Tendo ambos os arestos transitado em julgado e não sendo qualquer deles susceptível de recurso ordinário, há lugar a fixação de jurisprudência.

Deve ser fixada jurisprudência no sentido em que o fez o acórdão do recorrido, porquanto, não contendo o requerimento para abertura da instrução a imprescindível matéria de facto, e tendo-se o Ministério Público abstido de acusar, a instrução carece de objecto e a lei não prevê qualquer convite ao assistente para aperfeiçoar o dito requerimento, sendo a interpretação contrária materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da independência dos tribunais.

Em observância da jurisprudência fixada no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2000, de 30 de Março (Diário da República, 1.' série-A, de 27 de Maio de 2000), deverá ser fixada jurisprudência no seguinte sentido: 'Em casos em que o Ministério Público se abstivesse de acusar, sempre que o requerimento para abertura de instrução não contenha a indispensável matéria fáctica, a instrução não é viável por falta de objecto, não prevendo a lei qualquer convite ao assistente para aperfeiçoar o dito requerimento.' Em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça, concluiu-se pela oposição de julgados, prosseguindo os autos para fixação de jurisprudência, decisão, de resto, não vinculativa para o plenário deste Supremo Tribunal de Justiça, sendo, porém, inquestionável a oposição de julgados, nos termos do artigo 437.º do CPP, e justificada a intervenção uniformizante da jurisprudência atribuída a este Supremo Tribunal de Justiça.

II - A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, na sequência processual, rematou, a fl. 93, as suas alegações com as seguintes conclusões: 'O aresto recorrido deve ser mantido.

O conflito deve ser solucionado, emitindo-se jurisprudência, pela forma assim condensada: 'O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, que não observe os requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, designadamente que, sob o ponto de vista fáctico, se revele deficiente, deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do n.º 3 daquele normativo, não havendo lugar a convite do requerente para aperfeiçoá-lo.'' III - Delfina Maria Antunes, arguida no processo de inquérito n.º 22667/2000 TDLS, da 4.' Secção do DIAP, onde, a final, foi proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público, em face do que os assistentes Luís Henrique Santos de Morais e Rui Santos Morais requereram abertura de instrução, entretanto recusada pela Mmo. Juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, de que foi interposto recurso sobre que recaiu o acórdão recorrido, exarado no processo n.º 6070/2003, da Relação de Lisboa, apresentou resposta, indo ao encontro da posição sufragada pelo Exmo.

Magistradorecorrente.

IV - Colhidos os legais vistos, cumpre decidir:

  1. A posição, sinteticamente enunciada, assumida no acórdão recorrido quanto à controvérsia objecto do recurso. - Os assistentes Luís Henrique Santos Martins e Rui Santos Martins apresentaram queixa criminal contra Delfina Maria Antunes, imputando-lhe factos passíveis de configurarem crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.os 1 e 4, alínea b), do Código Penal (CP), após o que o Exmo. Magistrado do Ministério Público exarou despacho de arquivamento, requerendo aqueles instrução, entretanto denegada pela M.m' Juíza de Instrução Criminal, com o fundamento de que tal requerimento não satisfaz as exigências previstas no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP, aplicável à instrução nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, por carência de factos que possam levar à emissão de despacho de pronúncia, objectivo da instrução, mostrando-se inútil o seu requerimento, culminando com o arquivamento dos autos.

O acórdão da Relação de Lisboa - recorrido -, que sequentemente se pronunciou em sede recursória, mercê da supradescrita rejeição, louvou-se na estruturação formal e material do requerimento instrutório, delineada no n.º 2 do artigo 287.º do CPP e na aplicabilidade àquele das regras a que deve obedecer a acusação, nos termos do artigo 308.º, n.º 1, do CPP, que não abdicam da narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicabilidade ao arguido de uma pena ou medida de segurança, fixando a definição do objecto do processo e condicionando os poderes de cognição do juiz a vinculação temática do tribunal, sem possibilidade do respectivo alargamento arbitrário, salvaguardando o direito de contraditório, norteando-se pela jurisprudência emanada do Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Outubro de 2001, in Colectânea de Jurisprudência, 2001, t. IV, p. 142.

E mais se considerou, em desfecho desfavorável aos assistentes, do recurso, 'que o requerimento para abertura de instrução formulado pelo assistente não tem o necessário conteúdo fáctico' e, assim, que 'a pronúncia que porventura viesse a ser prolatada na sua sequência, por configurar alteração substancial, seria nula, nos termos do artigo 309.º, n.º 1, do CPP'.

E sendo nula seria inútil e legalmente inadmissível.

Mesmo que se entendesse que a inobservância daquelas exigências enquadrasse irregularidade, um convite à correcção respectiva, exorbitando do objecto legal da instrução e dos poderes do juiz, patentearia uma orientação do juiz num dado sentido, típica do processo do tipo inquisitório, banido na nossa lei.

Donde o teor confirmativo do despacho da Mmo. Juiz de Instrução, vertido no acórdãorecorrido.

V - B) A posição do acórdão fundamento. - O acórdão fundamento fez questão, a dado passo, de salientar que o requerimento de abertura de instrução deve obedecer substancialmente aos requisitos da acusação, com a alusão aos factos imputados ao arguido, à referência às normas legais aplicáveis, pois a ser de outro modo a instrução será inexequível.

Sobre a consequência da reconhecida falta de descrição dos factos no requerimento de abertura de instrução, requerida nos autos por Maria Arminda Lourenço da Conceição Abel, na sequência de inquérito, arquivado pelo Ministério Público, instaurado por...

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