Jurisprudência n.º 5/2002, de 17 de Julho de 2002

Jurisprudência n.º 5/2002 Processo n.º 2979/2001 - 3.' Secção Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I - Vítor Manuel da Silva Roberto, assistente nos autos de processo comum colectivo n.º 53/2000, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 18 de Setembro de 2000, nos autos de recurso penal n.º 2586/2000 (mantido pelo Acórdão de 24 de Janeiro de 2001, que indeferiu requerimento de arguição de nulidade), nos termos do artigo 437.º, n.os 1 e 2 e seguintes, do CPP, com os seguintes fundamentos: '1.º Nos presentes autos discute-se, além do mais, a questão de saber quais as consequências da circunstância de não se ter procedido à documentação das declarações orais produzidas em audiência de julgamento perante tribunal colectivo, nomeadamente se tal irregularidade afecta a validade da audiência e, consequentemente, será de conhecimento oficioso, ou, se não afecta, caso em que se deverá considerar sanada se não tiver sido arguida pelo interessado no próprio acto em que esteve presente.

  1. Tal questão foi suscitada no Acórdão de 18 de Setembro de 2000 e no mesmo foi decidida no sentido de que a situação constitui irregularidade prevista no artigo 123.º, n.º 2, do CPP que afecta a validade do acto e só pode ser sanada com a realização de novo julgamento.

  2. Mantendo-se tal posição em Acórdão proferido em 24 de Janeiro de 2001, após suscitada a nulidade do anterior, e explicitando-se no sentido de que o conhecimento e reparação da irregularidade poderá ser realizado oficiosamente.

  3. Sucede, porém, que no Acórdão de 3 de Maio de 2000 (publicado na Colectânea de Jurisprudência do STJ, ano 2000, t. II, pp. 176 a 180), decidindo a mesma questão de direito, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça: 'É assim de concluir que, no caso dos autos, ao não se efectuar por qualquer forma a documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, inobservou-se a disposição constante do artigo 363.º do CPP, na interpretação que entendemos dever seguir-se. [...] Estamos assim face a uma irregularidade (artigo 118.º, n.º 2, do CPP) que deve, porém, considerar-se sanada, uma vez que não foi arguida em audiência de julgamento, onde o arguido estava presente (artigo 123.º, n.º 1, do CPP), e que dela não deve conhecer-se oficiosamente, por não importar a afectação do acto da audiência (n.º 2 do citado artigo 123.º).' 5.º Existe, consequentemente, nos acórdãos referidos, manifesta oposição de soluções, conduzindo a resultados diferentes, relativamente à mesma questão de direito, como corolário de uma diversa interpretação das mesmas normas jurídicas - artigos 123.º e 363.º do Código de Processo Penal.

  4. Sendo que ambas as soluções encontradas o foram no domínio da mesma legislação.

  5. E que ambas transitaram em julgado.

  6. Devendo vir a ser fixada jurisprudência no sentido de que a referida irregularidade decorrente da falta de documentação da prova produzida oralmente em audiência de julgamento perante tribunal colectivo, não afecta o valor do acto da audiência, pelo que não poderá ser oficiosamente conhecida, devendo considerar-se sanada caso não tenha sido arguida pelo interessado no próprio acto, ou, se não tiver assistido ao mesmo, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.' Subidos os autos a este Supremo Tribunal, deles teve vista o Ministério Público, pronunciando-se no sentido de dever ser julgada como existente a oposição de julgados, determinando-se o prosseguimento do recurso, por não ocorrer nenhum motivo de inadmissibilidade.

Posteriormente, teve lugar a conferência a que se refere o artigo 441.º do CPP, tendo-se decidido pela existência de oposição de julgados, nos seguintes termos(transcrição): 'Analisando os acórdãos recorrido e fundamento, verifica-se que, em relação a factos idênticos, a mesma norma foi interpretada de maneira diversa: enquanto no acórdão recorrido se decidiu que a não documentação das declarações orais prestadas em audiência de julgamento integra uma irregularidade que afecta o valor do acto praticado - a audiência -, no acórdão fundamento decidiu-se, por sua vez, que o Tribunal não pode conhecer oficiosamente de tal irregularidade por não importar afectação do valor do acto de audiência, sanando-se se não for invocada nos termos do n.º 1 do artigo 123.º A legislação a ter em consideração é a mesma - o n.º 2 do artigo 123.º do CPP - nos dois casos e ambas as decisões transitaram em julgado.' Notificados os intervenientes processuais para os efeitos do artigo 442.º, n.º 1, do CPP, o Ministério Público e o recorrente Vítor Manuel da Silva Roberto apresentaramalegações.

O primeiro, formulando as seguintes conclusões (transcrição): '1.' No sistema de recursos introduzido pela Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto, foi claramente consagrado o recurso de 'plena jurisdição' ou 'apelação integral' dos acórdãos finais do tribunal colectivo a interpor para as relações.

  1. ' O seu âmbito abrange a matéria de facto, e é tão alargado quanto for possível, tendo em conta todos os elementos ao dispor das relações, incluindo documentação da prova oralmente produzida em audiência - artigos 410.º, n.º 1, 412.º, 427.º, 428.º, n.º 1, 430.º e 431.º do Código de Processo Penal.

  2. ' Nos termos do artigo 363.º, é actualmente obrigatória a documentação das declarações orais prestadas em audiência, mesmo fora das situações previstas no artigo 364.º do Código de Processo Penal, nomeadamente nas audiências perante o tribunal colectivo.

  3. ' À luz daquela reforma, não se pode continuar a sustentar que a primeira parte do artigo 363.º do Código de Processo Penal constitui, ainda hoje, uma mera 'norma programática', como era entendimento no Código de 1929, e que a documentação só é efectivamente 'obrigatória' apenas e quando a lei o imponhaexpressamente.

  4. ' Tal documentação é obrigatória sempre que o tribunal disponha de meios idóneos para assegurar a reprodução integral das declarações orais, nos termos da primeira parte do referido artigo 363.º, quer seja efectuada para efeitos de facilitar uma eventual interposição de recurso em matéria de facto, quer vise apenas um controlo interno ou mesmo externo da prova produzida emaudiência.

  5. ' A falta da (obrigatória) documentação, nos casos abrangidos pelo artigo 363.º do Código de Processo Penal, gera uma irregularidade da realização da audiência, nos termos dos artigos 118.º, n.os 1 e 2, e 123.º, n.º 1, do Código de ProcessoPenal.

  6. ' Tal irregularidade será sempre sanável, pelo facto do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não prever casos de irregularidade 'insanável', mas uma mera possibilidade de reparação oficiosa (faculdade de auto-correcção) de irregularidades susceptíveis de, per se, afectarem o valor processual futuro ou 'absoluto' de determinados actos, enquanto esta se mostrar viável, face à normal marcha do processo.

  7. ' Porém, nunca susceptíveis de conduzir, fora dos casos previstos no artigo 123.º, n.º 1, à declaração de invalidade do acto irregular e dos termos processuais subsequentes que possa afectar, em moldes que importem a anulaçãodestes.

  8. ' Consequência reservada pela lei às nulidades e irregularidades, nos exactos termos aí previstos, quer por esta as considerar expressamente insanáveis, quer por terem sido devidamente conhecidas antes da respectiva sanação.

  9. ' Em suma: A irregularidade decorrente da falta da obrigatória documentação das declarações prestadas oralmente perante o tribunal colectivo será sempre sanável tal como qualquer outra irregularidade, por a declaração da respectiva invalidade apenas poder ser feita nos estritos termos do n.º 1 do artigo 123.º do CPP, sendo inaplicável a esta matéria o disposto no n.º 2 desse artigo, que regula uma outra figura jurídica, a da reparação de irregularidades.' E propondo, a final, que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdãos do Tribunal da Relação...

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