Acórdão n.º 262/2006, de 02 de Junho de 2006

Acórdáo n.o 262/2006 - Processo n.o 358/2006

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I- Relatório. - 1 - O Representante da República para a Regiáo Autónoma da Madeira requer, ao abrigo do disposto nos artigos 278.o, n.os 2 e 3, da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP) e 51.o, n.o 1, e 57.o, n.o 1, da lei de organizaçáo, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciaçáo preventiva da constitucionalidade de normas constantes do decreto legislativo regional que «altera o Decreto Legislativo Regional n.o 4/2000/M, de 31 de Janeiro, que aprovou o regime de autonomia, administraçáo e gestáo dos estabelecimentos de educaçáo e de ensino públicos da Regiáo Autónoma da Madeira», aprovado pela Assembleia Legislativa em sessáo plenária de 22 de Março de 2006 e recebido, para os efeitos previstos no artigo 233.o da CRP, no dia 30 do mesmo mês. O requerente suporta o pedido nos fundamentos seguintes:

II - A participaçáo democrática no ensino e o seu enquadramento constitucional e legal. -1-[...]

2 - Regendo sobre a participaçáo democrática no ensino, dispóe a Constituiçáo no artigo 77.o que 'os professores e alunos têm o direito de participar na gestáo democrática das escolas nos termos da lei' (n.o 1), e outrossim que 'a lei regula as formas de participaçáo

3684 das associaçóes de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituiçóes de carácter científico na definiçáo da política de ensino' (n.o 2).

3 - Náo obstante existir uma grande margem de conformaçáo legislativa na definiçáo do conceito de 'gestáo democrática das escolas' por parte do legislador ordinário, segundo o entendimento prevalecente na doutrina emerge de tal conceito um núcleo essencial segundo o qual se pressupóe que a 'gestáo escolar náo compete, no todo ou em parte, ao titular do estabelecimento escolar (Estado, etc.), ou a alguém por ele nomeado, mas sim a órgáos próprios da escola, eleitos pela colectividade escolar, com participaçáo de professores e alunos' (cf.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituiçáo da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, p. 375).

4 - Em ordem à densificaçáo e concretizaçáo do imperativo constitucional da gestáo democrática das escolas, foi editada a Lei n.o 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), ulteriormente alterada pelas Leis n.os 115/97, de 19 de Setembro, e 49/2005, de 30 de Agosto, a qual, nos seus artigos 46.o a 49.o, na numeraçáo resultante da Lei n.o 49/2005, rege sobre a administraçáo do sistema educativo.

5 - No artigo 46.o, subordinado à epígrafe 'Princípios gerais', prescreve-se no n.o 1 que 'a administraçáo e gestáo do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participaçáo que visem a consecuçáo de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da formaçáo social e cívica' (sublinhado acrescentado).

6 - E no artigo 48.o, sob o título 'Administraçáo e gestáo dos estabelecimentos de educaçáo e ensino', determina-se no n.o 2 que 'em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educaçáo e ensino a administraçáo e gestáo orientam-se por princípios de democraticidade e de participaçáo de todos os implicados no processo educativo, tendo em atençáo as características específicas de cada nível de educaçáo e ensino' (sublinhados acrescentados).

7 - Por seu turno, no n.o 4 do mesmo preceito, dispóe-se que 'a direcçáo de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgáos próprios, para os quais sáo demo-craticamente eleitos os representantes de professores e alunos e pessoal náo docente, e apoiada por órgáos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino' (sublinhados acrescentados).

8 - Os princípios da democraticidade e da participaçáo de todos os interessados no processo educativo e na vida das escolas plasmados na Lei de Bases do Sistema Educativo, vieram a ser desenvolvidos, nomeadamente, pelo Decreto-Lei n.o 43/89, de 3 de Fevereiro, reportado ao regime de autonomia das escolas oficiais dos 2.o e 3.o ciclos do ensino básico e secundário, pelo Decreto-Lei n.o 172/91, de 10 de Maio, versando sobre o regime de direcçáo, administraçáo e gestáo dos estabelecimentos de educaçáo pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, e pelo Decreto-Lei n.o 115-A/98, de 4 de Maio - depois alterado, por apreciaçáo parlamentar, pela Lei n.o 24/99, de 22 de Abril -, que definiu o regime de autonomia, administraçáo e gestáo dos estabelecimentos públicos da educaçáo pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respectivos agrupamentos (doravante, regime de autonomia).

9 - Este diploma, entáo editado para valer como lei geral da República, esteve na génese, como parâmetro de referência, do requerimento originador do já citado Acórdáo n.o 161/2003 [de 6 de Maio de 2003], no qual aliás se procedeu a um aprofundado escrutínio da materializaçáo daqueles princípios traduzidos no plano da autonomia, administraçáo e gestáo dos estabelecimentos de educaçáo nele contemplados.

10 - Entre os princípios orientadores da administraçáo das escolas cumpre aqui destacar a 'democraticidade e participaçáo de todos os intervenientes no processo educativo', bem como a 'representatividade dos órgáos de administraçáo e gestáo da escola, garantida pela eleiçáo democrática de representantes da comunidade educativa', sendo que os órgáos próprios de administraçáo e gestáo das escolas, concretamente a assembleia, o conselho executivo ou director, o conselho pedagógico e o conselho administrativo, devem obedecer na sua estrutura e modo de funcionamento àqueles princípios [cf. artigos 4.o, n.o 1, alíneas a) e c), e 7.o do regime de autonomia].

11 - E, na sequência lógica da concretizaçáo destes princípios, prescreve-se no artigo 19.o, n.o 1, deste diploma que 'os membros do conselho executivo ou o director sáo eleitos em assembleia eleitoral, a constituir para o efeito, integrada pela totalidade do pessoal docente e náo docente em exercício efectivo de funçóes na escola, por representantes dos alunos no ensino secundário, bem como por representantes dos pais e encarregados de educaçáo'.

12 - Nos artigos seguintes define-se a disciplina correspondente ao sistema de eleiçáo, provimento e homo-logaçáo dos resultados eleitorais, regime de duraçáo e cessaçáo do mandato (cf. artigos 20.o a 23.o do mesmo regime de autonomia, com as alteraçóes introduzidas pela Lei n.o 24/99).

13 - Ora, como já se referiu, a Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira aprovou o Decreto Legislativo Regional n.o 4/2000/M, que aprovou o regime de autonomia, administraçáo e gestáo dos estabelecimentos de educaçáo e de ensino públicos da Regiáo Autónoma da Madeira (doravante, regime de autonomia regional) nos termos do qual e por força das disposiçóes conjugadas dos artigos 17.o a 29.o deste regime se estatuiu, diferentemente, dos princípios consagrados no artigo 19.o do regime de autonomia, que a direcçáo executiva ou director fosse recrutada mediante concurso promovido pela direcçáo executiva ou director cessantes. Na impossibilidade de recrutar a direcçáo executiva, competiria entáo ao Secretário Regional de Educaçáo proceder à respectiva designaçáo, ouvido o conselho de comunidade educativa.

14 - Todavia, o Tribunal Constitucional, no já citado Acórdáo n.o 161/2003, e no quadro da competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais anterior à revisáo constitucional de 2004 (Lei Constitucional n.o 1/2004, de 24 de Julho), pronunciou-se no sentido de a forma de recrutamento dos membros da direcçáo executiva - concurso em lugar de eleiçáo - náo se harmonizar com os princípios relativos à democraticidade e participaçáo de todos os intervenientes no processo educativo e à representatividade dos órgáos de administraçáo e gestáo das escolas como concretizaçáo do artigo 77.o da Constituiçáo e do artigo 45.o da Lei n.o 46/86, declarando, consequentemente, as respectivas normas ilegais, com força obrigatória geral.

III - O decreto legislativo regional e as normas agora levadas à sindicância desse Tribunal. -1-A Assembleia Legislativa, 'ao abrigo da alínea c) do n.o 1

e do n.o 4 do artigo 227.o da Constituiçáo da República Portuguesa, conjugados com a alínea e) do n.o 1 do artigo 37.o e do artigo 81.o, do Estatuto Político-Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.o 13/91, de 5 de Junho, na redacçáo dada pela Lei n.o 130/99, de 21 de Agosto, e pela Lei n.o 12/2000, de 21 de Junho, e no desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.o 46/86, de 14 de Outubro, e alterada pela Lei n.o 115/97, de 19 de Setembro', aprovou o decreto legislativo regional que, pelo seu artigo 1.o, procedeu à alteraçáo de diversas normas do Decreto Legislativo Regional n.o 4/2000/M, podendo suscitar-se relativamente a algumas delas dúvidas sobre a sua legitimidade constitucional.

2 - Com efeito, e desde logo, as alteraçóes introduzidas nos preceitos relativos à designaçáo do conselho executivo, criando uma disciplina normativa muito próxima daquela que foi declarada ilegal pelo Acórdáo n.o 161/2003, parecem contrariar os princípios nucleares a este respeito enunciados nas pertinentes bases da Lei n.o 46/86. 3 - Em conformidade com a nova redacçáo dada ao n.o 1 do artigo 17.o do Decreto Legislativo Regional n.o 4/2000/M, 'o conselho executivo ou director é seleccionado mediante procedimento desencadeado pelo conselho da comunidade educativa e promovido pelo conselho executivo ou director cessante' (sublinhado acres-centado).

4 - Depois de se regular a disciplina procedimental da selecçáo do conselho executivo ou director (artigos 18.o a 21.o), dispóe-se no artigo 22.o, sempre daquele diploma, que as candidaturas seráo apreciadas por uma comissáo constituída para o efeito, composta por três ou cinco docentes do quadro do respectivo estabelecimento...

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