Acórdão n.º 338/2008, de 18 de Julho de 2008

Acórdáo n. 338/2008

Processo n. 915/06

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional, 1 - Relatório.

1.1 - Fernando José da Costa Salgado (doravante designado por primeiro impugnante) e Manuel Joaquim Duarte Santos (doravante designado por segundo impugnante), militantes do Partido Socialista (PS), vieram, ao abrigo do artigo 103. -D da Lei de Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, e alte rada, por último, pela Lei n. 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), impugnar as deliberaçóes tomadas pela Comissáo Nacional de Jurisdiçáo do PS, em 12 de Outubro de 2006, que determinaram a sua expulsáo, sustentando, em síntese, que os processos disciplinares que lhes foram instaurados e as respectivas decisóes finais violaram, nomeadamente, os artigos 13. e 51., n. 5, da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), 5., n. 2, e 23. da Lei dos Partidos Políticos, 127., n. 1, alínea g), e 668., n. 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), 80., n. 2, 81., n. 1, alínea d), 83., n. 2, e 99. dos Estatutos do Partido Socialista, e 3., n. 1, alínea d), 5., n.os 2 e 5, 15., n. 2, 21., n. 3, 23., n. 1, 25., n. 1, 26., n. 2, 34., n. 1, 39., n. 2, 40. e 45. do Regulamento Disciplinar do Partido Socialista.

Nas respectivas petiçóes, que originaram, respectivamente, os Processos n.os 915/06 e 915/06 -A, tendo, por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, sido determinada a apensaçáo do segundo processo ao primeiro - , referem os impugnantes, em suma:

1) Sáo militantes do PS, o primeiro desde 1995, encontrando-se filiado com o n. 30 275, e o segundo encontrando -se filiado com o n. 17 335;

2) Têm sido, desde a primeira hora, militantes activos do PS, tendo feito parte dos respectivos órgáos locais de direcçáo e sendo, actualmente, dirigentes distritais (elementos da Comissáo Política Distrital);

3) Foram eleitos nas listas do PS à Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicáo, sendo presentemente seus membros;

4) Em Novembro de 2005, após mais de três anos sem que houvesse eleiçóes para os órgáos concelhios, foram marcadas eleiçóes para a Comissáo Política Concelhia do PS da secçáo de Vila Nova de Famalicáo, para o dia 17 de Dezembro de 2005, tendo -se apresen tado duas listas a sufrágio: a lista A, protagonizada pelo primeiro impugnante e integrada pelo segundo impugnante, e a lista B, encabeçada pelo Deputado à Assembleia da República, eleito pelo PS, Nuno Sá;

5) No entanto, o referido acto eleitoral foi suspenso, cerca de 48 horas antes, pelo Secretariado Distrital de Braga do PS, com fundamento em suposta violaçáo dos Estatutos do PS (artigo 116., n. 4) por parte da lista A, em relaçáo ao preenchimento das quotas femininas;

6) Esse comportamento do Secretariado Distrital de Braga do PS foi entendido pela maioria dos militantes do PS da Secçáo de Vila Nova de Famalicáo como uma forma de protrair mais uma vez o acto eleitoral, por a lista B, protegida por esse Secretariado, correr sérios riscos de ser derrotada;

7) Foi entáo que os impugnantes, conjuntamente com mais de 600 militantes inscritos naquela Secçáo do PS, participaram num acto eleitoral que decorreu fora da sede do partido, numa autocaravana;

8) Os resultados desse acto eleitoral (611 votos na lista A, 34 na lista B, 3 votos em branco e 1 voto nulo) foram remetidos para o órgáo federativo competente (Secretariado Distrital), para dar posse à lista vencedora e ao primeiro impugnante como Presidente da Comissáo Política eleita pelos militantes do PS;

9) Porém, ao invés, os impugnantes foram alvo de processos disciplinares, que culminaram com as deliberaçóes de expulsáo ora impugnadas;

31986 10) Esses processos disciplinares estáo pejados de ilegalidades, náo tendo sido respeitadas as elementares garantias de defesa dos impugnantes;

11) O primeiro impugnante teve conhecimento formal que contra si pendia um processo disciplinar quando recebeu uma notificaçáo, emanada do escritório profissional do militante António Reis (que também é advogado na comarca de Barcelos), convidando -o para prestar declaraçóes, na sede distrital do Partido Socialista;

12) Apesar de náo se tratar de uma notificaçáo formal, o primeiro impugnante deslocou -se no dia 10 de Maio de 2006, à sede da Federaçáo Distrital de Braga, para ser inquirido e colaborar com a descoberta da verdade, conforme oportunamente declarou;

13) Nesse dia, o primeiro impugnante colocou algumas questóes prévias relati vas à existência de mandato para o militante António Reis instruir o processo e à admissibilidade de um militante do mesmo distrito instruir o processo, tendo em consideraçáo o estatuído no artigo 81., n. 1, alínea d), dos Estatutos do PS;

14) Náo obstante o solicitado, o militante António Reis náo exibiu qualquer mandato que o habilitasse a instruir o processo disciplinar;

15) O primeiro impugnante supóe que o militante António Reis foi «escolhido» para instruir o processo porque seria aquele que mais motivaçóes de ordem pessoal tinha para propor a expulsáo;

16) A escolha do militante António Reis para instruir o processo, pela Comissáo Nacional de Jurisdiçáo, viola o princípio do juiz natural, porque náo respeitou a ordem da distribuiçáo, conforme estatui o Regulamento Disciplinar no artigo 23.;

17) Apesar de a participaçáo dos queixosos ter sido dirigida contra os dois impugnantes e contra os militantes Maria José Gonçalves, Vereadora na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicáo, e Ivo Sá Machado, Presidente de Junta de Freguesia da Vila de Joane, apenas foi aberto processo disciplinar aos dois primeiros, ficando os demais ilibados e absolvidos;

18) Este comportamento discriminatório viola claramente o princípio da imparcialidade e independência (artigo 80. dos Estatutos do PS), bem como o princípio da igualdade, consignado no artigo 13. da CRP;

19) Após o primeiro impugnante ter -se disponibilizado para cooperar com o Partido na descoberta da verdade, náo mais foi ouvido, na fase de inquérito, tendo, em 18 de Julho de 2006, o instrutor escolhido remetido ao primeiro impugnante a «nota de culpa»;

20) O segundo impugnante só teve conhecimento formal de que contra ele pendia um processo disciplinar quando recebeu a nota de culpa;

21) Podendo ser fixado um prazo de defesa, em relaçáo à nota de culpa, entre os 8 e os 30 dias, foi fixado um prazo de 10 dias, prazo que é manifestamente curto, para o exercício cabal do direito de defesa, tendo em consideraçáo a complexidade do processo em análise;

22) Os impugnantes deduziram o incidente de suspeiçáo do instrutor, invocando essencialmente três circunstâncias: (i) inimizade entre os impugnantes e o instrutor (que é recíproca e forte); (ii) o facto de o instrutor ser membro da Federaçáo Distrital de Braga do PS, em clara violaçáo do artigo 81., n. 1, alínea d), dos Estatutos do PS; e (iii) a forte amizade do instrutor em relaçáo a um participante queixoso, no caso, Joaquim Barreto, Presidente da Federaçáo;

23) Os impugnantes indicaram testemunhas, para serem ouvidas, no que respeita ao incidente de suspeiçáo, mas, em decisóes sumárias, o Presidente da Comissáo Nacional de Jurisdiçáo decidiu indeferir os incidentes de suspeiçáo suscitados, náo obstante os fundamentos serem pertinentes;

24) O indeferimento infundado do incidente de suspeiçáo é mais uma razáo violadora do princípio da imparcialidade e da justeza;

25) Entretanto, mais umas eleiçóes internas se avizinhavam no Partido Socialista, desta feita para a constituiçáo de listas de Delegados ao Congresso Nacional e antes que os impugnantes patrocinassem e participassem, mais uma vez, uma lista candidata contra o status quo, havia que rapidamente os expulsar, mas, como a pressa é inimiga da perfeiçáo, foi cometido erro formal quando, através dos ofícios da CNJ, de 13 de Outubro de 2006 (que o primeiro impugnante recebeu no dia 18 e o segundo impugnante no dia 19), lhes foram remetido os acórdáos das decisóes finais, capeados por cartas assinadas, digitalmente, pelo Presidente da CNJ do PS, mas sem que os acórdáos estivessem assinados, talvez porque ainda náo tivessem recolhido as assinaturas bastantes para formar quórum, existindo dúvidas quanto à existência de alguma reuniáo, no dia 12 de Outubro, na Sede Nacional do PS;

26) Assim sendo, os acórdáos que decidiram as expulsóes sáo nulos e de nenhum efeito;

27) Acresce à nulidade dos acórdáos por falta de assinaturas (cf. artigo 39., n. 2, do Regulamento Disciplinar e artigo 668., n. 1, alínea a), do CPC, aplicado por analogia), o facto de terem sido remetidos em correio simples (náo registado), em clara violaçáo do dis posto no artigo 21., n. 3, do Regulamento citado;

28) Como a recolha de assinaturas poderia atrasar a expulsáo (e esta era urgente por razóes eleitorais, como se explanou), entáo enviaram -se

os acórdáos mesmo náo assinados, para que, internamente, produzissem efeitos a tempo de impedir a capacidade eleitoral dos impugnantes, tendo, assim, a irregularidade formal cometida por fundamento a urgência da decisáo de expulsáo, postergando os mais elementares direitos de defesa e as regras de tramitaçáo processual;

29) Acerca do mérito das decisóes, resulta do teor dos acórdáos que se tratou de decisóes «encomendadas»;

30) Na verdade, náo há precedente no PS que numa situaçáo deste jaez conduzisse a táo grave efeito: a expulsáo;

31) Basta ver que muitos militantes da Comissáo Concelhia de Vila Nova de Famalicáo constituíram um movimento independente e concorreram contra o PS nas eleiçóes autárquicas, nomeadamente para a Câmara, Assembleia Municipal e Assembleias de Fregue sia, e nada lhes aconteceu;

32) Aliás, em Vila Nova de Famalicáo, nas eleiçóes autárquicas de 2001, formou -se um movimento denominado Movimento Agostinho Fernandes (MAF), constituído essencialmente por militantes do PS e nada lhes aconteceu, náo obstante terem concorrido contra o partido e denegrirem profundamente a imagem do PS;

33) Alguns desses militantes até foram premiados pelo acto...

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