Acórdão n.º 15/97, de 04 de Julho de 1997

Acórdão n.º 15/97 Processo n.º 87 159 - 1.' Secção. - Acordam, em plenário, os juízes das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: Fernando Martins Peixoto, recorrente na revista n.º 85 369 da 1.' Secção deste Supremo Tribunal, onde era recorrido o Banco Totta & Açores, S. A., não se conformando com o acórdão aí proferido em 18 de Outubro de 1994, dele interpôs recurso para o tribunal pleno, nos termos dos artigos 763.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando estar ele em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29 de Setembro de 1993, na revista n.º 83 804.

A referida oposição entre os indicados dois acórdãos foi reconhecida no acórdão preliminar a fls. 52 e 53.

Seguidamente, o recorrente alegou no sentido de terceiros, para efeitos de registo predial, serem apenas os supostos adquirentes de direitos incompatíveis sobre o mesmo objecto de um mesmo autor comum, não se enquadrando em tal conceito quem, por meio de execução, adquira um direito total ou parcialmente incompatível sobre aquele mesmo objecto.

O Ex. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser proferido acórdão uniformador da jurisprudência nos seguintes termos: '1 - Terceiros, para efeitos de registo predial, são aqueles que têm a seu favor um direito e, por isso, não podem ser afectados pela produção dos efeitos de um acto que esteja fora do registo.

2 - A compra e venda em hasta pública de um prédio é válida e sobrepõe-se a qualquer venda anterior não registada ou com registo posterior ao registo da penhora.' Colhidos os vistos, cumpre decidir.

É de referir, previamente, que este recurso, face ao disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, é destinado à resolução do concreto conflito existente, ficando também a valer como uniformização de jurisprudência nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo mesmo decreto-lei.

Reexaminando a questão da existência da oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, é patente que ela se verifica.

Tal questão resume-se a saber o que são terceiros, para efeitos do registo predial, tendo em vista a norma contida no artigo 5.º do Código do Registo Predial.

No acórdão recorrido, usando-se um conceito amplo, considerou-se terceiro aquele que tem a seu favor um direito que não pode ser afectado pela produção dos efeitos de um acto que não no registo e com ele seja incompatível. Assim, a compra em hasta pública de um imóvel prevalece sobre qualquer venda anterior não registada do mesmo bem ou com registo posterior ao registo da respectiva penhora.

No acórdão fundamento, por seu lado, usando-se um conceito mais restrito, decidiu-se que terceiros são somente os supostos adquirentes de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa de um mesmo autor comum. Vendo assim a questão, não é terceiro o exequente que nomeou o bem à penhora, sendo-lhe oponível uma aquisição anterior do mesmo bem, ainda que não registada.

Verificam-se, assim, todos os pressupostos formais e substanciais da admissibilidade do recurso. O que implica que se conheça do seu objecto.

Para a definição do direito aplicável, importa relembrar os factos apurados no acórdão recorrido. São os seguintes: Nos autos de execução ordinária em que é exequente o Banco Totta & Açores, S. A., e executados Jorge Vieira e Daniel Mendes, L., e António Jorge Vieira foi penhorada, em 10 de Janeiro de 1992, a fracção AF, correspondente à habitação n.º 17 do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua do Prof. Bento de Jesus Caraça, 15, no Porto, inscrito na matriz sob o artigo 10 822, AF, Bonfim, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 133/070406, Bonfim; Esta execução foi instaurada em 17 de Outubro de 1991 com base em títulos vencidos em Novembro e Dezembro de 1990, tendo essa fracção sido nomeada à penhora pelo exequente, embarcado no dia 3 de Janeiro de 1992, e, após a penhora, foi o executado notificado em 16 de Janeiro de 1992; Essa fracção predial não se encontrava registada em nome do embargante (o terceiro Fernando Martins Peixoto) e a penhora foi registada definitivamente; Esta fracção predial foi objecto de escritura pública de compra e venda (de fl. 5 a fl. 7 daquele processo), em que figura como comprador da mesma pelo preço de 11 000 000$, já recebido pelo vendedor, o embargante Fernando Martins Peixoto e como vendedor o executado António Jorge Sampaio Vieira.

No acórdão recorrido, os embargos de terceiro foram julgados totalmente improcedentes, por se considerar que a penhora registada prevalece sobre a compra do mesmo bem não levada ao registo.

Para um caso igual, o acórdão fundamento julgou os embargos procedentes, dando sem efeito a penhora.

Havendo que apreciar o acórdão recorrido, dir-se-á que ele deve ser confirmado, por espelhar a boa doutrina.

Transferindo-se a propriedade da fracção predial em causa para o embargante por mero efeito do contrato de compra e venda, nos termos dos artigos 408.º, n.º 1, e 879.º, alínea a), do Código Civil, dir-se-ia que a posterior penhora de tal fracção em execução instaurada contra o vendedor é ineficaz em relação ao comprador, de todo estranho ao processo executivo.

As coisas não podem, porém, ser vistas com esta simplicidade. Há que considerar, no caso, as regras do registo predial.

A transmissão da titularidade do direito de propriedade é apenas um efeito essencial do contrato de compra e venda. Simplesmente, a eficácia não pode ser vista somente num plano interno (entre vendedor e comprador, ou seus herdeiros), mas também num plano exterior (em relação a terceiros). E neste plano há que tomar em conta os princípios do registo predial.

A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial.

Como o está igualmente a penhora - alínea m) do n.º 1 do mesmo artigo 2.º Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo - artigo 5.º, n.º 1, do citado Código do Registo Predial.

Assim, pretendendo-se que a eficácia do contrato de compra e venda de bens imóveis não fique confina ao plano interno (artigo 4.º, n.º 1, do Código do Registo Predial), há que o levar ao registo, pois este é pressuposto da sua eficácia relativamente a terceiros.

Enquanto o acto não figurar no registo, o alienante aparece, em relação a terceiros, como titular do direito que transferiu por mero efeito do contrato de alienação.

O que deve, porém, entender-se por terceiros para efeitos do registo predial? Num conceito mais restrito, terceiros são apenas as pessoas que, relativamente a determinado acto de alienação, adquirem do mesmo autor ou transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis. Trata-se da definição de Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 19, considerando-se apenas a hipótese da dupla alienação do mesmo direito real.

Não é, porém, exacto que só possa falar-se de terceiros quando o transmitente ou alienante seja comum.

Como é referido por Oliveira Ascensão, Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, pp. 29 e 30, citado no Acórdão deste Supremo de 18 de Maio de 1994, in Colectânea de Jurisprudência, ano II, t. 2.º, p. 113, 'parece-nos seguro que semelhante concepção (a concepção restrita) é incompatível com os dados actuais da lei sobre registo. Porque existem hoje textos categóricos a estabelecer a aquisição por meio de registo, em termos que não têm já nada a ver com as hipóteses de dupla disposição de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.

Essas hipóteses são a da aquisição de um direito em consequência da disposição realizada pelo titular aparente, por força de registo formalmente inválido (hoje o n.º 2 do artigo 17.º), e a da aquisição de um direito de invalidade substancial, que vem prevista no Código Civil (é feita aqui referência ao artigo 291.º desse Código).' Assim sendo, o conceito de terceiros tem de ser mais amplo, de modo a abranger outras situações que não somente a dupla transmissão do mesmo direito.

Terceiros, como referem Antunes Varela e Henrique Mesquita, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 127.º, p. 20, 'são não só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervindo nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca, judicial, etc.) de que tais direitos resultam'. Este entendimento é também o defendido por Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.º, p. 165, quando escreve: 'Pode dizer-se que, se um prédio for comprado a determinado vendedor e for penhorado em execução contra este vendedor, o comprador e o penhorante são terceiros: o penhorante é terceiro em relação à aquisição feita pelo comprador, e este é terceiro em relação à penhora, pois os direitos do comprador e do penhorante são incompatíveis entre si e derivam do mesmo autor.' E, de seguida, acrescenta o mesmo professor: 'A noção de terceiro em registo predial é a que resulta da função do registo, do fim tido em vista pela lei ao sujeitar o acto a registo: e, pretendendo a lei assegurar a terceiros que o mesmo autor não dispôs da coisa ou não a onerou senão nos termos que constarem do registo, esta intenção legal é aplicável também ao caso da penhora, já que o credor que fez penhorar a coisa carece de saber se esta se encontra, ou não, livre e na propriedade do executado.' Defendendo-se este conceito amplo de terceiros, para efeitos de registo predial, pronunciaram-se Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.' ed., n.º 4 ao artigo 819.º, e Anselmo de Castro , A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.' ed., p. 161.

Só este conceito amplo de terceiros tem em devida conta os fins do registo e a...

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