Acórdão n.º 254/92, de 31 de Julho de 1992

Acórdão n.º 254/92 Processo n.º 364/92 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1 - Nos termos do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 278.º da Constituição da República e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional, em 11 de Junho de 1992, a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas constantes do artigo 1.º, na parte em que dá nova redacção aos artigos 14.º, n.º 2, alínea g), 26.º, n.º 2, alínea d), e 105.º, n.os 4, 5, 6, 7 e 8, da Lei n.º 47/86 de 15 de Outubro, e do artigo 2.º, n.º 2, do Decreto n.º 12/VI, da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 3 do mesmo mês para ser promulgado como lei, relativo à autonomia do Ministério Público.

2 - Para o requerente, é duvidoso que a nossa lei fundamental permita que continuem a fazer parte do Conselho Superior do Ministério Público membros designados pelo Ministro da Justiça.

Com efeito, segundo invoca o Presidente da República, a 'revisão constitucional de 1989 consagrou, expressamente, a autonomia do Ministério Público (artigo 221.º, n.º 2) e constitucionalizou o Conselho Superior do Ministério Público, prevendo, na sua composição, para além dos membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público, a inclusão, de forma inovadora, de representantes eleitos pela Assembleia da República, excluindo da sua previsão a tradicional participação de membros designados pelo Governo (artigo 222.º, n.º 2)'.

Consequentemente, será questionável a nova redacção que o artigo 1.º do decreto submetido à promulgação do Presidente da República pretende dar à alínea g) do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 47/86, já que aí se contempla a inclusão no Conselho Superior do Ministério Público de 'duas personalidades de reconhecido mérito designadas pelo Ministro da Justiça'. Do mesmo modo, questionáveis serão a nova redacção dada ao artigo 26.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 47/86, bem como o artigo 2.º, n.º 2, do decreto em apreço, uma vez que constituem decorrências da referida presença de membros designados pelo Ministro da Justiça no Conselho Superior do Ministério Público.

3 - Por outro lado, o Presidente da República também suscita dúvidas sobre a constitucionalidade do artigo 1.º do diploma em questão, na parte em que introduz alterações ao artigo 105.º da Lei n.º 47/86, ao fixar um limite temporal ao exercício do cargo de Procurador-Geral da República.

Quanto a este último ponto, o requerente interroga-se sobre a questão de saber se tal fixação não contende com o disposto no artigo 136.º, alínea m), da Constituição.

4 - Notificado o Presidente da Assembleia da República, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, veio o mesmo a oferecer o merecimento dos autos, juntando os Diário da Assembleia da República com os trabalhos parlamentares preparatórios do diploma a sindicar.

II - Fundamentação

  1. Composição do Conselho Superior do Ministério Público 5 - Na sua versão originária, a Constituição estabelecia, no seu artigo 226.º, que 'a Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público e é presidida pelo Procuradoria-Geral da República' (n.º 1), cabendo à lei determinar 'as regras de organização e composição da Procurador-Geral da República' (n.º 2).

    Estes preceitos haviam de ser lidos em conjugação com outros também relativos ao Ministério Público, designadamente o que determinava que o Ministério Público gozava de estatuto próprio (artigo 224.º, n.º 2) e o que dispunha que 'a nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República' (artigo 225.º, n.º 2).

    Com o intuito de dar tradução legal a estes preceitos constitucionais - que, embora cautelosos e não isentos de certa ambiguidade, entravam em colisão com a estrita subordinação do Ministério Público ao Ministro da Justiça contemplada no Estatuto Judiciário de 1962, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44278, onde, nomeadamente, se afirmava que era àquele membro do Governo que cabia 'nomear, promover, colocar, transferir e exonerar os magistrados do Ministério Público e exercer sobre eles acção disciplinar' [artigo 171.º, alínea b)] - veio a ser publicada a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 39/78, de 5 de Julho), que, para além de consagrar a autonomia do Ministério Público (artigo 2.º, n.º 1), alterou profundamente a composição e a competência do seu Conselho Superior.

    No que se refere à autonomia do Ministério Público, afirmou-se que ela se caracterizava 'pela sua vinculação a critérios de legalidade estrita e de objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados e agentes do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas' naquela lei.

    Quanto ao Conselho Superior do Ministério Público - na vigência do antigo Estatuto Judiciário constituído apenas pelo Procurador-Geral e pelos seus ajudantes em serviço no Supremo Tribunal de Justiça e nas relações - passou a ser composto pelo Procurador-Geral, pelos procuradores-gerais-adjuntos nos distritos judiciais, por um procurador-geral-adjunto eleito de entre e pelos restantes procuradores-gerais-adjuntos, por dois procuradores da República eleitos pelos seus pares, por um delegado do procurador da República por cada distrito judicial eleito de entre os magistrados da respectiva categoria e por três personalidades de reconhecido mérito designadas pelo Ministro da Justiça (artigo 14.º, n.º 2). Por outro lado, foi esclarecido que era através de este Conselho Superior que a Procuradoria-Geral da República exercia a competência disciplinar e de gestão dos quadros do Ministério Público que, constitucionalmente, lhe fora atribuída (artigo 14.º, n.º 1).

    A primeira revisão constitucional, em 1982, obviamente influenciada pela evolução legislativa entretanto ocorrida, procedeu à reformulação do artigo 226.º, n.º 2, onde se passou a prever que a Procuradoria-Geral da República compreendia um órgão colegial que incluía membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público.

    Posteriormente, a nova Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro) manteve, no essencial, o conceito de autonomia, anteriormente assente, bem como a composição do Conselho Superior do Ministério Público (artigos 2.º, n.º 2, e 14.º, n.º 3).

    A segunda revisão constitucional, ocorrida em 1989, para além de unificar os antigos artigos 224.º e 225.º, que passaram a constituir o novo artigo 221.º, consagrou constitucionalmente a autonomia do Ministério Público, procedendo à recepção desta inovação legal, introduzida, como se viu, em 1978. Por outro lado, modificou o teor do antigo artigo 226.º - agora, artigo 222.º Assim, o n.º 2 do artigo 221.º preceitua, hoje, que 'o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei'. O artigo 222.º, por seu turno, estabelece que 'a Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público, com a composição e a competência definidas na lei' (n.º 1) e que 'a Procuradoria-Geral da República é presidida pelo Procurador-Geral da República e compreende o Conselho Superior do Ministério Público, que inclui membros eleitos pela Assembleia da República e membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público' (n.º 2).

    6 - Foi, exactamente, invocando a revisão constitucional de 1989 que surgiu o projecto de lei n.º 65/VI (in Diário da Assembleia da República, 2.' série-A, n.º 16, de 1 de Fevereiro de 1992), apresentado por Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

    Na respectiva exposição de motivos, aquele projecto de lei assinalava que 'a revisão constitucional de 1989 veio consagrar, de forma inequívoca e em todas as suas dimensões fundamentais, a autonomia do Ministério Público', sendo certo que 'as alterações operadas tornam indispensável uma revisão da Lei Orgânica do Ministério Público, cuja conformidade com o quadro constitucional já vinha, aliás, em alguns pontos, sendo posta em causa'.

    Para adequação da lei ordinária à Constituição, o projecto considerava indispensável a recomposição do Conselho Superior do Ministério Público, de modo a 'assegurar que, em paralelo com o que ocorre quanto ao Conselho Superior da Magistratura, só tenham assento no Conselho Superior do Ministério Público vogais eleitos (pelos próprios magistrados e pela Assembleia da República), numa proporção conforme ao respeito pela natureza do Ministério Público como órgão sem natureza administrativa, independente, dotado de autonomia institucional'. E acrescentava que 'tal opção, longamente ponderada e bem adoptada pela revisão constitucional, acarreta que deixem de fazer parte do Conselho de Magistrados não eleitos e personalidades designadas pelo Ministro da Justiça'.

    Em consonância com esta motivação, propunha-se que o Conselho Superior do Ministério Público passasse a ser composto pelo Procurador-Geral da República, por sete vogais eleitos pelos magistrados, sendo obrigatoriamente um procurador-geral-adjunto, dois procuradores da República e quatro delegados do procurador da República, e por sete vogais eleitos pela Assembleia da República. Em consequência da eliminação dos vogais por inerência, previa-se no projecto que 'os procuradores-gerais-adjuntos nos distritos judiciais que não façam parte do Conselho Superior do Ministério Público assistem, quando o solicitem, às reuniões do Conselho, podendo nelas intervir, sem direito de voto'.

    7 - Composição idêntica para o Conselho Superior do Ministério Público embora sem prever a possibilidade de assistência, sem direito de voto, dos antigos vogais por inerência - veio a constar igualmente do projecto de lei n.º 78/VI, apresentado por Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (in Diário da Assembleia da República, 2.' série-A, n.º 16, suplemento, de 1 de Fevereiro de...

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