Acórdão n.º 212/92, de 21 de Julho de 1992

Acórdão n.º 212/92 Processo n.º 200/92 Acordam no Tribunal Constitucional: I - A questão 1 - O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.º 2, da Constituição e 57.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, veio requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 2.º, n.º 2, e 3.º do diploma sobre a 'aplicação à Região Autónoma da Madeira do regime jurídico do trabalho suplementar', aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira em sessão plenária de 30 de Abril de 1992, com base em que tais normas, 'pelo tratamento que dão a matéria compreendida na reserva relativa de competência da Assembleia da República, enfermarão de inconstitucionalidade, por ofensa ao disposto nos artigos 59.º, n.º 2, alínea b), e 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, bem como aos limites que, no n.º 3 do artigo 115.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º e na alínea a) do artigo 230.º, a lei fundamental traça ao poder legislativo das Regiões Autónomas'.

Para tanto aduziu a fundamentação que a seguir se transcreve:

  1. Conforme decorre do respectivo preâmbulo, este diploma regional propõe-se, basicamente, dar execução ao artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, de harmonia com o qual constarão de decretos legislativos regionais as normas necessárias para que, na aplicação do regime jurídico definido pelo mesmo decreto-lei, 'sejam salvaguardadas as especificidades das Regiões Autónomas, tendo em conta, nomeadamente, a transferência de competências do Governo da República para os governos regionais'.

  2. Contudo, o diploma que operou a transferência de competências no sector do trabalho para a Região Autónoma da Madeira - Decreto-Lei n.º 23/78, de 27 de Janeiro, posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 294/78, de 22 de Setembro - limita-se a permitir que os seus órgãos de governo próprio regulamentem, 'por via administrativa, nos termos da legislação nacional que vigorar, as condições de trabalho de sectores de actividade profissional ou económica circunscritos exclusivamente ao território da Região Autónoma'.

  3. Reforçando esta tónica, o Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, ao alterar o diploma de 1983, estabelece no artigo 3.º que as Regiões Autónomas cabe, através dos serviços competentes das respectivas administrações regionais, a execução administrativa do presente diploma.

  4. Daqui se conclui que os diplomas preambularmente citados reservam para actuação das Regiões Autónomas, nesta matéria, uma competência de cariz executivo e administrativo, não podendo o legislador regional, apenas pelo efeito da sua invocação, legitimar esta 'adaptação' sob a forma de diploma legislativo regional. A não ser que, pela existência de especificidades regionais, se susceptibilize uma intervenção legislativa.

  5. Quanto ao interesse específico, o preâmbulo do decreto regional em apreciação desenvolve argumentação tendente a demonstrar que na actual conjuntura sócio-económica da Região Autónoma da Madeira configuram-se especificidades justificativas da introdução de adaptações no 'novo regime jurídico da duração do trabalho e do trabalho suplementar', estabelecido pelo citado Decreto-Lei n.º 421/83, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, porquanto 'a necessidade de distribuir o trabalho existente pelo maior número possível de trabalhadores', que norteou a elaboração do Decreto-Lei n.º 421/83, será, no caso dessa Região Autónoma, aferida no âmbito de um mercado de trabalho 'com índices de desemprego consideravelmente mais baixos do que os do resto do País e a existência de uma grande percentagem de empresas que actualmente têm de recorrer ao trabalho suplementar, por actuarem em áreas que, directa ou indirectamente, estão ligadas ao turismo e aos transportes e que, por razões de natureza estrutural e por não existirem trabalhadores suficientemente especializados em situação de desemprego, não o podem reduzir, sem incorrer em elevadíssimos encargos e quebras de produtividade e de qualidade dos serviços prestados, com prejuízo para a economia madeirense'.

  6. Não obstante, a simples afirmação da existência de matéria de interesse específico para a Região não basta para fundamentar o exercício da competência legislativa conferida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa, pois 'essa competência define-se, em primeiro lugar, por uma delimitação positiva das fontes de normação autonómica regional, que demanda a 'densificação material' do conceito 'matérias de interesse específico' para a Região', e 'determina-se, em segundo lugar, negativamente, pela dupla incidência dos princípios constitucionais da reserva de lei e da hierarquia normativa' {cf. o capítulo IV, n.os 1.1 e 1.2, do parecer n.º 68/87 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2.' série, n.º 221, de 23 de Setembro de 1988. V. ainda o n.º 3 do artigo 115.º da Constituição.

    Os decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra as leis gerais da República[...]} g) Assim, para que o poder legislativo regional se exerça, há que ter em atenção que 'tais matérias não podem estar reservadas à competência própria da Assembleia da República ou do Governo' e que, 'ao tratá-las, os órgãos legislativos regionais, para além de haverem de obedecer à Constituição, não podem estabelecer disciplina que contrarie as 'leis gerais da República'' [cf. o n.º II, n.º 2.1, alíneas b) e c), do Acórdão n.º 164/86 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.' série, n.º 130, de 7 de Junho de 1986].

  7. E, nas palavras do Acórdão n.º 160/86 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.' série, n.º 175, de 1 de Agosto de 1986, 'onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania' [...] não há 'interesse específico para as regiões' que legitime o poder legislativo das Regiões Autónomas'. (Posição esta reafirmada, por exemplo, nos Acórdãos do mesmo Tribunal n.os 37/87 e 91/88, publicados no Diário da República, 1.' série, respectivamente nos exemplares n.os 63, de 17 de Março de 1987, e 110, de 12 de Maio de 1988).

  8. E caberá ainda recordar que, embora nos termos da alínea n) do artigo 30.º do estatuto político-administrativo aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, as matérias do trabalho e do emprego figurem no elenco das matérias de interesse específico para a Região Autónoma da Madeira, como o referiu o citado parecer n.º 68/87 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no n.º 1.1 do seu capítulo IV, o elenco estatutário das matérias de interesse específico representa uma 'mera 'presunção abstracta', ilidível pela demonstração, caso a caso, de que não se verifica um interesse específico segundo o critério material' que apenas considera como de interesse específico de uma região as matérias 'que lhe respeitem exclusivamente ou que nela exijam um especial tratamento por ali assumirem especial configuração'.

  9. Posição esta retirada da jurisprudência definida pelo Tribunal Constitucional, inclusive nos Acórdãos n.os 42/85, 57/85, 164/86, 326/86 e 333/86, publicados no Diário da República, 1.' série, respectivamente nos exemplares n.os 80, de 6 de Abril de 1985, 84, de 11 de Abril de 1985, 130, de 7 de Junho de 1986, 290, de 18 de Dezembro de 1986, e 291, de 19 de Dezembro de 1986.

  10. Na matéria em questão haverá ainda que ponderar o disposto na alínea a) do artigo 230.º da Constituição, de harmonia com a qual 'é vedado às Regiões Autónomas [...] restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores'.

  11. Ora, na análise do diploma regional em apreço, suscitará dúvidas a constitucionalidade das normas contidas no n.º 2 do artigo 2.º e no artigo 3.º, isto com apoio na seguinte ordem de considerações.

  12. Nos termos do n.º 2 e da alínea b) do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, 'incumbe ao Estado assegurar [...] a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho'.

  13. No desenvolvimento deste princípio e no uso da autorização concedida pela Lei n.º 13/83, de 25 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, procedeu à revisão do 'regime jurídico da duração do trabalho na sua disciplina específica do trabalho extraordinário', tendo, respectivamente nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 5.º, estabelecido os limites de cento e sessenta horas de trabalho por ano e de duas horas por dia normal de trabalho para o trabalho suplementar previsto no n.º 1 do seu artigo 4.º, ou seja, para o trabalho suplementar 'prestado quando as empresas tenham de fazer face a acréscimos eventuais com carácter permanente ou em regime de contrato a prazo'.

  14. Mais determinou aquele Decreto-Lei n.º 421/83, no n.º 2 do artigo 4.º, que 'o trabalho suplementar pode ainda ser prestado em casos de força maior ou quando se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a empresa ou para assegurar a sua viabilidade', acrescentando, no n.º 2 do artigo 5.º, que 'o trabalho suplementar previsto no n.º 2 do artigo 4.º não fica sujeito a quaisquer limites'.

  15. E, por força do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Decreto-Lei n.º 421/83, 'os trabalhadores estão obrigados à prestação de trabalho suplementar, salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicitem a sua dispensa' ou ainda quando pertençam a alguma das categorias de trabalhadores excepcionadas pelo n.º 2 do mesmo artigo 3.º q) De tais regras apenas a da alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 421/83 foi modificada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, mediante a elevação para duzentas horas do limite anual de prestação de trabalho suplementar, quantitativo esse que, aliás, e conforme decorre da alínea h) do n.º 5 do artigo...

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