Acórdão n.º 1/2006, de 02 de Janeiro de 2006

Acórdão n.º 1/2006 Processo n.º 2517/02 - 3.' Secção. - Acordam em plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: António Mário Ventura Gomes, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Janeiro de 2002, proferido no processo n.º 8010/01, da 9.' Secção, que decidiu que a consequência estabelecida na lei para a não realização, no inquérito, do interrogatório do arguido é a eventual impossibilidade de o julgamento vir a efectuar-se na sua ausência; e daí que não constitua a omissão de tal formalidade a nulidade da insuficiência do inquérito prevista no referido normativo, mas mera irregularidade, submetida ao regime do artigo 123.º do Código de Processo Penal.

Em sentido oposto indicou o Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Outubro de 2000, proferido no processo n.º 5056/00, da 5.' Secção, que decidiu que, correndo inquérito contra determinada pessoa e sendo possível a sua notificação, é obrigatório, sob pena de nulidade insanável, interrogá-la como arguido.

Em conferência concluiu-se pela admissibilidade do recurso, face à oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito no domínio da mesma legislação, tendo-se ordenado o seu prosseguimento.

O recorrente, nas alegações que apresentou, após motivada abordagem da questão a decidir, emitiu posição no sentido de ser fixada jurisprudência nos termosseguintes: 'O artigo 272.º, n.º 1, do CPP, tem por objectivo garantir que ao arguido seja dada a possibilidade fundamental de exercer o seu direito de defesa, sendo que a violação de tal direito desrespeita princípios basilares que imperam num Estado de legalidade democrática, pelo que a omissão do interrogatório do arguido constitui nulidade dependente de arguição, prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.' A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, nas suas estruturadas e fundamentadas alegações, emitiu opinião no sentido da resolução do conflito jurisprudencial do seguinte modo: 'A falta de interrogatório do arguido, em fase de inquérito e quando este corra contra pessoa determinada e a sua notificação para comparência não se revele inviável, configura a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.' Após julgamento em conferência, cumpre decidir.

Como se reconheceu no acórdão interlocutório, verifica-se oposição de julgados.

A questão ora submetida à apreciação e julgamento do plenário das secções criminais deste Supremo Tribunal traduz-se na determinação da consequência da falta ou omissão de interrogatório como arguido no inquérito, quando este corra termos contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação.

Trata-se de questão que resulta da redacção dada ao artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (ver nota 1), pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, por força da qual, no inquérito, quando o mesmo se processe contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação, passou a ser obrigatório interrogá-la como arguido (ver nota 2).

Certo é que a jurisprudência dos tribunais superiores tem-se pronunciado de forma dissonante relativamente àquela questão, sendo conhecidas três posições: A do acórdão recorrido, segundo a qual a aludida falta de interrogatório como arguido constitui mera irregularidade submetida ao regime do artigo 123.º; A do acórdão fundamento, de acordo com a qual aquela omissão configura nulidade insanável, designadamente a prevista no artigo 119.º, alínea d); Uma terceira, ora defendida pelo recorrente e pelo Ministério Público, que qualifica a omissão em causa como nulidade dependente de arguição, concretamente a prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d).

A orientação que elege a sanção da irregularidade para a falta do referido interrogatório assenta, fundamentalmente, nos seguintes argumentos: A insuficiência do inquérito constitui uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um acto (de inquérito) que a lei prescreve, razão pela qual só se verifica aquela nulidade quando se omita um acto (de inquérito) que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão não disponha a lei de forma diversa (ver nota 3); Assim, impondo o artigo 272.º, n.º 1, que, no inquérito contra pessoa determinada, se interrogue a mesma como arguido, a menos que não seja possível a sua notificação, a omissão daquele interrogatório nas referidas condições constituirá nulidade dependente de arguição, a não ser que a lei disponha de forma diversa; Sucede que da análise conjunta do artigo 272.º, n.º 1, e da exposição de motivos da proposta de lei n.º 157/VII, que esteve na base da Lei n.º 59/98, designadamente do seu n.º 6, no qual se fundamenta o processamento da audiência sem a presença do arguido, no contacto do mesmo com o processo nas fases anteriores e sua submissão a termo de identidade e residência (ver nota 4), contacto que a lei promove através da obrigatoriedade do interrogatório naquela qualidade da pessoa contra quem corre o inquérito, se deve concluir que a consequência estabelecida na lei para a não realização, no inquérito, do interrogatório como arguido (e demais diligências de que este acto deve ser acompanhado) da pessoa contra quem aquele se processa, é a eventual impossibilidade de a audiência vir a efectuar-se na ausência do arguido; Destarte, a não sujeição a interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo se processe, sendo possível a sua notificação, não constitui a nulidade de insuficiência de inquérito prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), antes mera irregularidade, submetida ao regime do artigo 123.º (ver nota 5).

A posição...

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