Acórdão n.º 15/88, de 03 de Fevereiro de 1988

Acórdão n.º 15/88 Processo n.º 103/84 Acordam no Tribunal Constitucional (T. Const.): 1 - Relatório O Presidente da Assembleia da República (AR), ao abrigo dos artigos 51.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro) e 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), apresentou ao T. Const. um pedido de apreciação da constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, e do artigo 172.º do Regulamento de Disciplina Militar (RDM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril.

Fundamenta o pedido do seguinte modo: 1.º A questão vem levantada por vários trabalhadores civis nos estabelecimentos fabris das Forças Armadas.

2.º Pelo Acórdão n.º 31/84 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, de 17 de Abril, foi julgada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos Decretos-Leis n.os 381/82 e 434-A/82, ficando, assim, repristinadas as normas constantes do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, e do artigo 152.º do Regulamento de Disciplina Militar, por força do disposto no artigo 282.º, n.º 1, da Constituição da República, com a redacção dada pela Lei Constitucional n.º 1/82. [No requerimento mencionava-se, por lapso, o artigo 272.º da CRP, em vez do artigo 282.º] 3.º Ora, as normas legais repostas em vigor sofrem dos mesmos vícios de inconstitucionalidade que afectavam os diplomas que foram objecto de apreciação por parte do Tribunal.

4.º Relativamente ao Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, da autoria do Conselho da Revolução, não foi assegurada a participação dos cidadãos destinatários - trabalhadores dos serviços departamentais e dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas - através das suas estruturas representativas, quer associações sindicais, quer comissões de trabalhadores.

5.º Dada a natureza do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, que versa sobre o regime de direitos, liberdades e garantias, da competência exclusiva da Assembleia da República, ter-se-ia verificado uma inconstitucionalidade orgânica, visto que, no texto constitucional de 1976, o Conselho da Revolução apenas tinha competência exclusiva para legislar sobre a organização, funcionamento e disciplinas das Forças Armadas, não podendo os trabalhadores civis integrar-se no conceito destas mesmas Forças.

6.º As matérias aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 33/80 devem considerar-se integradas no conceito de legislação laboral e, por força dos artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na primitiva versão [por lapso, o requerimento menciona o artigo 58.º, n.º 1, alínea a), da CRP, em vez do artigo 58.º, n.º 2, alínea a)], constituía direito dos trabalhadores, exercido através das suas organizações representativas, a participação na elaboração da legislação do trabalho, o que não se verificou.

7.º Sendo certo que a generalidade dos trabalhadores ao serviço dos serviços departamentais das Forças Armadas e seus estabelecimentos fabris se encontram sindicalizados e organizados em comissões de trabalhadores, verifica-se uma infracção directa aos artigos constitucionais mencionados.

8.º O artigo 172.º do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, sujeitou o pessoal civil à disciplina militar, ainda que transitoriamente.

9.º Também aqui se verifica inconstitucionalidade, porquanto não só a matéria disciplinar dos cidadãos não militares é da competência exclusiva da Assembleia da República, como também não houve participação por parte dos trabalhadores civis no processo legislativo do Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, e designadamente na norma do artigo 172.º Nesta conformidade, o requerente tira as seguintes conclusões: 1.' O Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, sofre de inconstitucionalidade orgânica por ter violado as alíneas c) e m) do artigo 167.º da Constituição, sofrendo ainda de inconstitucionalidade formal por ter violado os artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), todos do texto constitucional originário; 2.' O artigo 172.º do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, está também afectado de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 167.º, alíneas c) e m), da Constituição, sendo ainda inconstitucional, do ponto de vista formal, por infracção dos artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República, no texto originário.

O pedido veio acompanhado da cópia de uma petição dirigida ao requerente, subscrita por trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, impetrando o accionamento da fiscalização da constitucionalidade das normas mencionadas.

Notificado para se pronunciar sobre o pedido (cf. o artigo 54.º da Lei n.º 28/82), o Primeiro-Ministro, em resposta, enviou o parecer n.º 53/84, da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, nele emitindo um despacho deconcordância.

Nesse parecer extraíram-se as seguintes conclusões:

  1. As normas constitutivas do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, e do artigo 172.º do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de Abril, integram matéria militar de natureza organizatória e, como tal, da competência legislativa do Conselho da Revolução, nos termos dos artigos 148.º e 167.º da Constituição da República de 1976; B) Considerando não ser pacífica a conclusão do Acórdão n.º 31/84 do Tribunal Constitucional, e tendo em conta o parecer n.º 17/81 da Comissão Constitucional, bem como a Resolução n.º 211/81 do Conselho da Revolução, deve prevalecer a interpretação, possível e coerente do texto constitucional, que afasta o vício de inconstitucionalidade formal das mesmas normas, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição, versão originária. [Itálico originário.] Cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação 2.1 - Âmbito do pedido Importa, antes de mais, proceder à exacta delimitação do pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade, dados os termos em que vem formulado o requerimento.

O requerente reportou o pedido ao Decreto-Lei n.º 33/80 e ao artigo 172.º do RDM, considerando que o Acórdão n.º 31/84 do T. Const., ao declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n.os 381/82 e 434-A/82, repristinou, por força do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição, aqueles preceitos.

Certo é, porém, que a repristinação só pode ter-se operado em relação às normas que tinham sido revogadas pelas normas cuja inconstitucionalidade foi declarada, com força obrigatória geral. Ora, o mencionado Acórdão n.º 31/84, ao declarar a inconstitucionalidade das normas constitutivas do Decreto-Lei n.º 381/82, não repristinou todas as normas do Decreto-Lei n.º 33/80. É que aquele diploma continha apenas o Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (EPCEF), enquanto o Decreto-Lei n.º 33/80 compreendia não apenas esse Estatuto, mas também o Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas (EPCSD). Coerentemente, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 381/82 apenas revogava o Decreto-Lei n.º 33/80 'no respeitante ao Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas'. Quanto ao mais, isto é, quanto ao outro Estatuto (o EPCSD), esse diploma foi, aliás, igualmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 380/82, simultâneo do Decreto-Lei n.º 381/82.

Deste modo, a referida declaração de inconstitucionalidade das normas constitutivas do Decreto-Lei n.º 381/82 somente importou a reposição em vigor das normas constantes do anexo do Decreto-Lei n.º 33/80 respeitante ao EPCEF.

Consequentemente, o pedido, nesta parte, tem de considerar-se limitado às normas constantes deste Estatuto.

Quanto ao artigo 172.º do RDM, verifica-se que a sua repristinação não decorreu directa a imediatamente da declaração de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n.os 381/82 e 434-A/82, constante do Acórdão n.º 31/84.

Na verdade, a reposição em vigor daquele preceito do RDM só ocorreu por via do artigo 116.º, n.º 3, do EPCEF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 33/80, que expressamente remete para ele.

Importa ter em conta a evolução legislativa a esse respeito.

O artigo 172.º do RDM, que contém 'disposições transitórias sobre pessoal civil' (tal é a sua epígrafe), dispõe: 1 - Enquanto não for publicado estatuto próprio, o pessoal civil fica entretanto sujeito ao estatuto de cada estabelecimento ou serviço a que esteja afecto e, subsidiariamente, aos deveres constantes do artigo 4.º do RDM e demais legislação militar, na parte aplicável.

2 - O pessoal civil fica sujeito às penas em seguida designadas, se outras não estiverem preceituadas no estatuto privativo do estabelecimento ou serviço a que esteja afecto, quando no cumprimento das suas obrigações cometa faltas de que resulte ou possa resultar prejuízo ao serviço ou à disciplina militar: 1.' Repreensão; 2.' Repreensão agravada; 3.' Suspensão de funções e vencimento até 180 dias; 4.' Despedimento do serviço.

Como se vê pela locução em itálico, tratava-se de uma norma transitória, destinada a vigorar apenas até à entrada em vigor do(s) estatuto(s) específico(s) do pessoal civil, que naturalmente haveria(m) de dispor sobre o regime disciplinar próprio desse pessoal.

Todavia, o artigo 116.º, n.º 3, do EPCEF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 33/80, determinou que o disposto naquele preceito do RDM continuaria em vigor, mesmo depois da publicação do Estatuto, 'enquanto não for publicado o regulamento previsto no artigo 87.º', ou seja, o 'regulamento disciplinar', que haveria de desenvolver o regime disciplinar previsto no Estatuto. Esta situação foi reiterada no estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/82 (artigos 90.º e 119.º, n.º 3).

O referido regulamento disciplinar veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 434-A/82, de 29 de Outubro (que aprovou igualmente o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas)...

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