Acórdão n.º 538/2007, de 18 de Dezembro de 2007

Acórdáo n. 538/2007

Processo n. 423/07

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relaçáo do Porto, em que é recorrente Ministério Público e recorrida, Maria Glória de Sá Reis, foi interposto recurso de fiscalizaçáo concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdáo daquele Tribunal de

10.01.2007, visando a apreciaçáo da constitucionalidade do artigo 145., n. 5, do Código de Processo Civil (CPC), interpretado no sentido de o Ministério Público carecer - para beneficiar da "prorrogaçáo" do prazo peremptório aí estabelecida - de emitir, dentro do referido prazo peremptório, uma declaraçáo no sentido de pretender praticar o acto nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo, sob pena de, na ausência de tal declaraçáo antecipada, se precludir, por extemporaneidade, a prática do acto.

2 - A decisáo recorrida surge na sequência de recurso judicial inter-posto pelo Ministério Público da sentença do Tribunal Judicial de Espinho, de 09.02.2006, que absolveu a arguida Maria Glória de Sá Reis do crime de falsificaçáo de documento por que esta estava pronunciada.

Por acórdáo de 10.01.2007, o Tribunal da Relaçáo do Porto decidiu rejeitar o recurso com fundamento na sua extemporaneidade.

Neste acórdáo, de que vem interposto o presente recurso, pode ler -se o seguinte, na parte que agora releva:

(...) 7. Com relevância para a apreciaçáo da extemporaneidade do recurso, os autos revelam as seguintes ocorrências processuais:

1) Como consta da acta de fls. 185, a sentença foi lida no dia 9 -02 -2006, com a presença do magistrado do Ministério Público.

2) Da declaraçáo de fls. 186 consta que a sentença foi depositada na Secretaria Judicial no mesmo dia 9 -02 -2006, ficando à disposiçáo dos sujeitos processuais.

3) O requerimento de interposiçáo do recurso, acompanhado da respectiva motivaçáo, deu entrada na Secretaria do Tribunal no dia 27 -02 -2006, conforme consta de fls. 187.

4) No requerimento de interposiçáo do recurso, o Ministério Público fez constar a seguinte declaraçáo: «consigna -se que este acto está a ser praticado no primeiro dia útil após o termo do prazo fixado (cf. artigo 145°, n. 5, do Código de Processo Civil)».

8 - Perante esta factualidade, importa apreciar.

Nos termos do disposto no n. 1 do artigo 411 do Código de Processo Penal, o prazo para a interposiçáo do recurso é de 15 dias e conta -se, tratando -se de sentença, a partir do respectivo depósito na secretaria.

à contagem dos prazos para a prática de actos processuais no âmbito do processo penal aplicam -se as disposiçóes da lei do processo civil (artigo 104, n. 1, do CPP). Dispondo o n. 1 do artigo 144. do Código de Processo Civil que o prazo é contínuo, suspendendo -se, apenas, durante as férias judiciais.

Neste caso, a sentença recorrida foi depositada na Secretaria Judicial no dia 9 -02 -2006, ficando nessa data à disposiçáo dos sujeitos processuais.

Por isso, o prazo de 15 dias para a interposiçáo de recurso dessa sentença iniciou -se no dia seguinte, 10 -02 -2006, e terminou no dia 24 -02 -2006, que era dia útil (sexta -feira). -

Sucede que o recurso interposto pelo Ministério Público apenas deu entrada na Secretaria do Tribunal no dia 27 -02 -2006 (segunda -feira) que corresponde ao primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, e, portanto, fora do prazo. Sem que o recorrente tenha alegado justo impedimento.

A prática de actos processuais nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo, fora dos casos de justo impedimento e ao abrigo do disposto no n. 5 do artigo 145° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal ex vi artigo 107°, n. 5, do Código de Processo Penal, está condicionada ao pagamento da multa prevista naquela primeira disposiçáo legal.

No caso de ser o Ministério Público que pretende praticar o acto em algum dos três dias úteis após o termo do prazo, ao abrigo do disposto no n. 5 do artigo 145 do Código de Processo Civil, por se entender que está isento do pagamento da multa ali prevista quando age na defesa dos direitos e interesses que lhe sáo confiados por lei, como é o caso do exercício do direito de recurso, tem -se vindo a considerar, no âmbito duma interpretaçáo correctiva daquela norma, que, em substituiçáo da multa e no respeito pelos princípios do processo equitativo e da igual-dade de armas, deverá apresentar uma declaraçáo no processo, antes de terminar o respectivo prazo normal, de que pretende utilizar aquela faculdade. Sob pena de se considerar o acto extemporâneo.

Neste sentido se pronunciam o Acórdáo n. 355/2001 do Tribunal Constitucional, de 11/07/2001, publicado no 2.ª série, de 13/10/2001, e o Acórdáo do STJ de 2/10/2003, em www. dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n° 03P2849.

O primeiro definiu a seguinte interpretaçáo: "decide náo julgar inconstitucional a dimensáo normativa que resulta do artigo 145, n.os 5

e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual o Ministério Público está isento da multa aí prevista, devendo contudo o tribunal a quo fazer aplicaçáo de tal preceito no sentido de exigir que o Ministério Público, náo pagando a multa, emita uma declaraçáo no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo".

A expressáo «declaraçáo no sentido de pretender praticar o acto» náo pode ter outro sentido se náo o de exigir que essa declaraçáo seja emitida antes de terminar o prazo. De outro modo ter -se -ia usado a expressáo «declaraçáo no sentido de que pratica o acto».

Mas a fundamentaçáo do acórdáo também aponta no sentido de que a dita declaraçáo só faz sentido se for emitida antes de terminar o prazo, porquanto "será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público. Corresponderá a uma alternativa possível a um pagamento de multas, o qual é exigido, fundamentalmente, a partir da perspectiva de interesse no processo, característica de uma actuaçáo processual, náo funcional, mas exclusivamente como parte". Ou seja, tal declaraçáo destina -se a permitir às demais partes ou sujeitos processuais controlar o cumprimento dos prazos por parte do Ministério Público, designadamente no que respeito à interposiçáo do recurso, em que o Ministério Público age "exclusivamente como parte". Esse controlo só pode exercer -se se, antes do prazo, o Ministério Público declarar que pretende apresentar o recurso num dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo. Sob pena de ficar comprometido o princípio da igualdade de armas, por manifesto desequilíbrio a favor do Ministério Público, e náo em seu desfavor, como desvirtuadamente sugere o parecer do Ex.mo Procurador -Geral Adjunto.

É que, mesmo perante a exigência daquela declaraçáo, ainda há quem considere que a faculdade permitida ao Ministério Público de praticar os actos processuais nos 3 dias úteis para além do prazo sem pagar a multa referida nos n.os 5 e 6 do artigo 145° do Código de Processo Civil, continua a constituir um favorecimento injustificado gerador de inconstitucionalidade.

É o que defende o Conselheiro Paulo Mota Pinto, em declaraçáo de voto aposto ao dito acórdáo, dizendo: «a meu ver, as normas do artigo 145°, n.os 5 e 6, do Código de Processo Civil, interpretadas no sentido de permitir a prática de actos processuais pelo Ministério Público "dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo" sem que a sua validade fique dependente do pagamento da multa pre-vista em tais normas, sáo inconstitucionais, por violaçáo do princípio da igualdade e do direito a um processo equitativo (artigos 13°, n. 1 e

20., n. 4 da Constituiçáo)

. E justifica: «Náo basta, assim, dizer que "o desempenho processual do Ministério Público é expressáo de uma funçáo de representante da legalidade ou do cumprimento de estritos deveres funcionais, que integram o essencial do seu estatuto", para concluir que se justificaria "um certo tratamento diferenciado"("nomeadamente no que se refere à possibilidade de vir a dispor, independentemente de multa, de um alargamento do prazo processual"). Há que ver em que sentido aponta a diferença de posiçóes. Ora, é evidente que o Ministério Público, justamente porque na posiçáo processual de defensor da legali-dade, está obrigado (se náo a dar o exemplo de cumprimento estrito dos prazos legais, sem prática do acto em dias subsequentes ao seu termo, pelo menos) a observar, quanto ao sentido do prazo que deve cumprir (mesmo que de duraçáo justificadamente maior), um regime igualmente estrito ao das partes processuais, e náo um regime genericamente mais favorável».

Por sua vez, o acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, acolhendo aquela interpretaçáo do Tribunal Constitucional e questionando qual a «adaptaçáo» que, em razáo de o Ministério Público náo dever pagar a multa, será necessário impor ao preceito do n. 5 do artigo 145° do Código de Processo Civil, para que «a justificaçáo da isençáo da multa náo implique um privilégio do Ministério Público relativamente ao náo cumprimento dos prazos processuais», conclui que «o Ministério Público, náo pagando a multa, emite uma declaraçáo no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo». Acrescentando que se trata de uma exigência que "equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento da multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público. O que tem que ver com o princípio da igualdade processual dos respectivos sujeitos, no âmbito do processo penal".

É também neste sentido que tem decidido esta Relaçáo, de que sáo exemplo os recentes acórdáos desta Secçáo de 25 -01 -2006 e de 14 -06 -2006, ambos publicados em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, procs. n° 0416298 e 0517031, respectivamente, e ainda os acórdáos (náo publicados), também desta Secçáo, de 22 -03 -2006 (proc. n...

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