Acórdão n.º 10/2005, de 07 de Dezembro de 2005

Acórdão n.º 10/2005 Processo n.º 2355/04 - 3.' Secção. - Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ): I - SME - Serviços de Manutenção de Engenharia, Lda., com sede em Matosinhos, Paulo Gabriel Salgado Diogo Machado, Albano Pedro Bragança de Sousa Guize Pinheiro e Maria do Rosário Cortez Salgado Conti, arguidos no processo n.º 2007/99.7, do 1.º Juízo Criminal de Matosinhos, onde foram condenados como autores de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, em forma continuada, previsto e punível pelo artigo 27.º-B do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, a primeira na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 10000$00 e os restantes, cada um, na pena de 4 meses de prisão substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de 5000$00 e, todos, solidariamente, ao pagamento ao Centro Regional de Segurança Social do Norte de uma indemnização de 29749500$00, acrescida de encargos legais até ao trânsito da decisão, vieram interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 1241/01-4.' Secção, em 6 de Março de 2002, que confirmou a decisão de 1.' instância, por neste se haver sentenciado não haver lugar a recurso da matéria de facto das decisões dos tribunais colectivos, em contrário do que este STJ, no seu Acórdão de 30 de Maio de 2001, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, t. II, a pp. 213-215, decidiu no sentido de que pretendendo-se impugnar a decisão da matéria de facto fixada pelo colectivo pode dela recorrer-se para o Tribunal da Relação.

II - Nas suas conclusões de recurso, enunciam os recorrentes os respectivos fundamentos pela seguinte forma: De acordo com o acórdão (recorrido) proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 6 de Março de 2002, das decisões dos tribunais colectivos não há recurso da matéria de facto, pelo que, nessa parte, se entendeu não dever aquele Tribunal pronunciar-se.

Essa decisão encontra-se em manifesta oposição com o Acórdão (fundamento) deste STJ de 30 de Maio de 2001, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, t. II, a pp. 213-215.

Aqui se sintetizou, no seu sumário, que: '1 - Com a nova regulamentação dos recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo possibilita-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, podendo, então, haver duplo grau de jurisdição em matéria de facto e duplo grau de recurso.

2 - Daí que, se o recorrente pretender impugnar a decisão de facto fixada pelo tribunal colectivo, pode recorrer para o Tribunal da Relação.' Tal orientação encontra-se, ainda, espelhada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 30 de Maio de 2001 e, posteriormente, no Acórdão deste STJ de 16 de Outubro de 2003, ambos prolatados no domínio da mesma legislação e da mesma matéria/questão de direito, disponíveis em http//:www.dsgi.pt.

Foi nessa mesma linha de orientação que os recorrentes (tacitamente) se basearam ao elaborar as respectivas alegações para o competente Tribunal da Relação aquando do recurso interposto do acórdão proferido pelo tribunal colectivo de 1.' instância, nas quais incluíram, nos termos legais, a questão da matéria de facto.

As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tiveram como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão de direito; as decisões em oposição são expressas; as situações de facto e respectivo enquadramento jurídico são idênticas em ambas as situações, pelo que inexistindo uniformização de jurisprudência deve elaborar-se, neste STJ, acórdão no sentido da 'admissibilidade do recurso sobre a matéria de facto para o Tribunal da Relação do acórdão proferido em 1.' instância por tribunal colectivo, tendo em consideração a análise e ou interpretação sistemática dos artigos 363.º e 428.º, n.os 1 e 2, com os artigos 364.º, 410.º, n.os 1 e 2, 412.º, n.os 3 e 4, 427.º, 430.º, n.º 1, primeira parte, e 432.º, alínea d), todos do CPP, e na sequência da reforma introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, ao Código de Processo Penal, uma vez que o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os citados preceitos e diploma legal [...]'.

III - Em conferência concluiu-se pela oposição de julgados, assegurando-se, em moldes não vinculantes do pleno, porém mantidos inalterados, a prossecução dos termos do presente recurso, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP.

IV - Os recorrentes e a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste STJ apresentaram as suas alegações, nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do CPP, reeditando aqueles as que do antecedente produziram e a Exma.

Procuradora-Geral-Adjunta as que se seguem, explanadas, no que de essencial comportam, em forma resumida: Anteriormente à reforma do CPP de 1998, já o STJ podia apreciar a matéria de facto (revista alargada), detectando os vícios a que se alude no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, por forma a impedir que tivesse de pronunciar-se de direito relativamente a factos incorrectamente julgados, sendo oficioso o conhecimento daqueles vícios, ainda que restrito o recurso à matéria de direito.

Em crescendo, de vários quadrantes, irromperam vozes que reclamavam um sistema que garantisse um amplo e efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto para os julgamentos provindos de um tribunal colectivo.

Essa exigência foi satisfeita pela alteração ao CPP introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.

Na verdade, relativamente às decisões proferidas pelo tribunal singular, esse recurso achava-se já assegurado em face do que se dispunha no artigo 364.º do CPP, conjugado com os seus artigos 427.º e 428.º, n.º 1, e 430.º, na sua originária versão, de 1987.

Para assegurar aquele recurso naquela matéria e amplitude, das decisões do colectivo, houve necessidade de proceder a ajustamentos ou mesmo a profundas alterações dos comandos normativos do CPP através daquela Lei n.º 59/98, uma vez que, até aí, estava sedimentada a ideia de que não era obrigatória a documentação dos actos de audiência, pese embora, havendo meios técnicos de documentação, ela se destinasse, não a permitir a reapreciação da matéria de facto, mas tão-só, em caso de julgamentos complexos e morosos, a reavivar ao tribunal do julgamento a memória dos factos que desfilaram perante o tribunal, no momento de decidir.

Este entendimento não sofria de contestação por se achar que a norma do artigo 363.º do CPP era de conteúdo programático, por não colidir com o princípio da máxima celeridade, alcançado através da oralidade, como ainda por os tribunais se não acharem dotados dos meios técnicos habilitados à gravação e reprodução das declarações prestadas em julgamento, afeiçoando-se ao regime dos recursos então vigente, impondo que para o STJ só se pudesse recorrer de direito, apenas conhecendo de matéria de facto, sob arguição ou oficiosamente, dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

Decorridos mais de 10 anos sobre a entrada em vigor do CPP, ou seja, na data da publicação da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, já a generalidade dos tribunais de 1.' instância se mostrava apetrechada com os meios técnicos de gravação das provas.

Mal se compreenderia, então, que a documentação dos actos de audiência, em 1.' instância, quer produzidos perante o tribunal singular quer colectivo, não fosse obrigatória, apresentando-se aquela documentação como o meio privilegiado e indispensável para assegurar o objectivo do legislador de 1998, de atingir-se a efectividade de um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, que, razões histórico-sociológicas reclamavam, pertinentemente, aos julgados pelo tribunal colectivo.

Sendo obrigatória a documentação dos actos de audiência, de acordo com o artigo 363.º, do CPP, a menos que a tal se renuncie, ficaria sem suporte bastante que igual orientação se não seguisse face aos julgamentos dos tribunais colectivos, quando 'os processos por eles julgados são compostos por elementos juridicamente mais valiosos e revestem-se de gravidade acrescida por neles estar em causa, as mais das vezes, a tutela de bens jurídicosindisponíveis'.

Por outro lado, as Relações, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, viram os seus poderes de cognição ampliados, recorrendo-se para elas independentemente da composição do tribunal e de se discutir matéria de facto e de direito, somente sobre elas se podendo recorrer irrestritamente, afora os casos em que se pode recorrer directamente para o STJ, para reexame exclusivo da matéria de direito - artigos 427.º, 428.º e 432.º, alíneas c) e d), do CPP.

Subtraída como se mostra a reponderação da matéria de facto ao STJ, salvo no caso dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, vista a incongruência que representaria o disposto no artigo 432.º, alínea d), do CPP, introduzido pela reforma da Lei n.º 59/98 recusando o reexame daquela matéria de facto a este Tribunal, crê-se que o elemento sistemático de interpretação da lei aponta para a conclusão de que o recurso da matéria de facto, fixada pelo colectivo, incumbe à Relação, sem ficar limitado aos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

Esta a solução mais compatível com o desígnio do legislador de garantir um efectivo grau de jurisdição em matéria de facto e com o deliberado propósito de se dotarem todos os tribunais de equipamento indispensável à gravação e reprodução da prova, pois de outro modo falha de sentido se apresentaria a formulação das normas dos n.os 3 e 4 do artigo 412.º do CPP e do artigo 414.º, n.º 7, do mesmo CPP, só compreensíveis tendo em vista um conhecimento mais ampliado do que o reservado àqueles vícios.

Com efeito as exigências previstas no artigo 412.º, n.os 3 e 4, do CPP, impondo a especificação da matéria de facto a provar, provas a renovar, vai no sentido de assegurar um grau de recurso sem restrições, desde que os autos forneçam uma documentação da prova produzida oralmente, ultrapassando o recurso das decisões dos tribunais singulares porque, quanto...

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