Assento n.º 1/97, de 18 de Outubro de 1997

Assento n.º 1/97 Processo n.º 41 250. - Acordam, em plenário, na 1.' Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: O Ex. Procurador-Geral-Adjunto junto do Tribunal da Relação de Coimbra veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, relativamente ao problema de se determinar se, requerida a instrução por um ou mais arguidos em processo em que existam ainda outros arguidos que a não tenham solicitado, o despacho de pronúncia ou não pronúncia a proferir pelo juiz de instrução valerá como tal relativamente a todos os arguidos ou tão-somente em relação àquele ou àqueles que a tenham requerido.

Ou, dito de outra maneira, suscita o problema da interpretação a dar aos artigos 286.º, n.º 1, 308.º, n.º 3, e 311.º, todos daquele Código.

E fundamenta o recurso na existência de dois acórdãos em oposição, ambos da Relação de Coimbra, dos quais já não é admissível recurso ordinário, proferidos nos processos n.º 132/90 e 134/90, respectivamente em 18 de Abril de 1990 e em 9 de Maio do mesmo ano.

Para tal alega, em súmula, o seguinte: 'O acórdão recorrido, de 9 de Maio, decidiu que `quer haja um só arguido, quer haja vários, havendo instrução, o respectivo juiz proferirá despacho de pronúncia ou não pronúncia que valerá como tal em relação a todos os arguidos', ao passo que o acórdão fundamento, ao conhecer de recurso de decisão instrutória em que o Ex. Juiz havia feito a apreciação indiciária relativamente a todos os arguidos, mesmo não requerentes da instrução, determinou a revogação de tal despacho em relação aos arguidos não requerentes da instrução, com o fundamento de `carecer o Sr. Juiz de Instrução de competência para tal, como se estabelece e infere do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal'.' E ambos os acórdãos foram proferidos em recursos de despachos idênticos do Ex. Juiz de Instrução de Aveiro, redigidos da seguinte forma: 'Apenas se valorou e apreciou prova quanto aos factos por que vinham acusados os arguidos que requereram a abertura da instrução e na medida em que estes impugnaram a sua veracidade [...] Assim, o despacho de pronúncia incidirá sobre toda a matéria fáctica constante da acusação, limitando-se o juiz de instrução a verter para aquele despacho os factos sobre os quais não incidiu a sua actividade investigatória, sem prejuízo, no entanto, do poder de fiscalização conferido ao juiz de julgamento pelo artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.' Por Acórdão de 19 de Setembro de 1991 foi julgado verificado que os dois acórdãos se encontram em oposição sobre o mesmo ponto de direito e foram proferidos no domínio da mesma legislação, pelo que os autos foram mandados prosseguir.

Só alegou o Ex. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo, a defender as seguintes posições:

  1. A decisão que julga verificada uma oposição de acórdãos é imodificável, no domínio do actual Código de Processo Penal, mas não obriga a que o Supremo, ao uniformizar a jurisprudência, esteja obrigado a adoptar uma das duas posições em conflito, em virtude de se dever entender ser-lhe lícito definir uma outra como aquela que corresponde à correcta interpretação da norma em que tais decisões se basearam; b) O direito de requerer a instrução é um direito pessoal e disponível, mas não potestativo, dos arguidos, que o podem exercer ou não consoante a sua atitude perante a causa e a sua própria estratégia de defesa, pelo que será violadora desse direito uma solução que faça estender os efeitos de um pedido de realização da instrução feito por outro co-arguido a um arguido que a não requereu, por se ter conformado com a acusação (ou indiciação) ou por a sua estratégia de defesa o levar a organizar a sua defesa em momento posterior; c) O estender os efeitos da instrução a quem a não tenha requerido acaba por violar o princípio da celeridade processual e, inclusivamente, afectar o direito a pedir uma eventual separação de processos com base em a conexão poder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos [artigo 30.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal]; d) Desta forma, a decisão a fixar a jurisprudência deverá ser formulada nos seguintes moldes: 'O âmbito da instrução, os poderes de cognição do juiz de instrução e o despacho de pronúncia, requerida que seja a instrução pelo arguido, delimitam-se pelos precisos termos do pedido instrutório, embora sem prejuízo do conhecimento amplo relativamente a co-arguidos, também acusados, e às consequências legais a retirar, relativamente à acusação, da procedência do pedido de instrução, nos termos dos artigos 402.º e 403.º do Código de Processo Penal. Requerida instrução pelo arguido relativamente a uma parte da acusação, a parte remanescente e a situação dos co-arguidos que não deva ser apreciada não são objecto de instrução nem da pronúncia, por competir ao juiz do julgamento a sua apreciação, nos termos do ar\132tigo 311.º do mesmo Código.' Foram corridos os devidos vistos.

    Como questões prévias relativamente à discussão do objecto do recurso podem ser colocadas duas, resultantes da tomada de posição do Ex.

    Procurador-Geral-Adjunto nas suas alegações, e que são as seguintes:

  2. Possibilidade ou não de o plenário do Tribunal vir a entender diferentemente do acórdão preliminar que julgou verificada a oposição de acórdãos e mandou prosseguir os autos; b) Possibilidade ou não de o mesmo tribunal vir a adoptar solução diversa das duas opostas, que dão origem ao pedido de uniformização da jurisprudência, por aquela dever ser considerada como a mais consentânea com a correcta aplicação da lei e a uma melhor interpretação da respectiva letra e espírito.

    Passemos, por conseguinte, a apreciá-las:

    1. Possibilidade de o plenário reapreciar o problema da existência da oposição de acórdãos.

      Como já foi referido no Acórdão, com força obrigatória, n.º 4/93, de 27 de Janeiro, é perfeitamente viável e legal, e até mesmo obrigatória, a apreciação, no acórdão sobre a questão de fundo, da existência ou não da invocada oposição de acórdãos.

      E os argumentos então invocados e que continuam válidos são os seguintes: Pelo Código de Processo Penal de 1929, o recurso para fixação de jurisprudência seria interposto, processado e julgado como idêntico recurso em processo civil (§ único do artigo 668.º), o que significava que o Supremo, ao apreciar a final o recurso, não estava impedido de decidir em contrário do acórdão preliminar que julgara verificar-se a invocada oposição de acórdãos (artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

      No Código de Processo Penal actual nada se refere sobre essa matéria, e, sabido como é que ele se encontra dominado pelo princípio da auto-suficiência do processo penal, com recurso às normas do processo civil apenas quando as mesmas se harmonizem com aquele, poderia ser-se levado a concluir que o mencionado acórdão preliminar sobre a existência da oposição de acórdãos formaria caso julgado, impeditivo da reapreciação posterior de tal problema.

      Não parece, no entanto, que assim deva ser.

      É que o referido acórdão preliminar mais não é que uma decisão inicial, indispensável para o prosseguimento do recurso, mas que não tem virtualidade intrínseca para vincular os restantes juízes que são chamados a apreciar o objecto do recurso, como se vai ver.

      Por um lado, seria atentatório da unidade do sistema jurídico que o recurso para obtenção do mesmo resultado - a fixação da jurisprudência, com efeitos vinculativos para os restantes tribunais - estivesse sujeito a regimes distintos quanto ao valor da decisão inicial que estabelece a existência de oposição de acórdãos sobre o mesmo ponto de direito, consoante se tratasse de divergências entre acórdãos cíveis ou sociais, ou entre acórdãos tirados em matéria criminal, tanto mais que, nesta última, com alguma frequência, os tribunais são chamados a pronunciar-se sobre matérias de natureza exclusivamente civil, como, por exemplo, a que respeita a indemnizações por factos ilícitos.

      Por outro lado, verifica-se fazer parte do sistema jurídico em geral e do sistema do processo penal em particular a estruturação de um esquema legal segundo o qual a generalidade das decisões interlocutórias desse tipo não faz caso julgado.

      É assim, com efeito, que é modificável pelo tribunal a decisão do presidente de um tribunal superior que mande admitir um recurso não admitido pela 1.

      instância (artigo 405.º, n.º 4, do Código de Processo Penal), tal como é modificável pelo tribunal de recurso a qualificação jurídica dos factos feita pelo tribunal recorrido (mesmo quando se entenda que, nesse caso, o primeiro não poderá aumentar a punição imposta por este se se não tiver pedido o respectivo agravamento) e, quanto ao processo civil, que é modificável, no saneador, a posição assumida pelo tribunal, no despacho liminar, sobre a inexistência de vícios conducentes à ineptidão da petição inicial (artigo 479.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

      Trata-se, em todas as situações apontadas, de decisões preliminares, de natureza interlocutória, cujas únicas finalidades são as de permitir a apreciação global do objecto do recurso pelo tribunal competente quando aquelas sejam no sentido do prosseguimento dos autos e a de impedir, então de maneira definitiva, tal apreciação quando as mesmas tenham o sentido oposto e delas não caiba legalmente recurso.

      Por tais razões, não pode deixar de se entender que a matéria constante do acórdão preliminar, que julgou verificada uma dada oposição de julgados, continua a ter de ser reapreciada pelo plenário quando ele se pronunciar sobre o sentido a dar à pretendida uniformização da jurisprudência.

      Foi esta, de resto, a jurisprudência seguida por este Supremo nos únicos casos em que, até agora, o mesmo foi chamado a pronunciar-se sobre idêntica questão prévia (Acórdãos, com força obrigatória geral, de 27 de Janeiro de 1993, proferido no processo n.º 43 073, publicado no Diário da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT