Assento n.º DD44, de 12 de Maio de 1989

Assento Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça: Ao abrigo do disposto no artigo 668.º do Código de Processo Penal, o Exmo.

Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal interpôs recurso para o seu pleno do Acórdão de 17 de Junho de 1987, proferido no processo n.º 38895 e reproduzido a fls. 10 e seguintes, com fundamento na existência de oposição relevante entre ele e o Acórdão de 26 de Abril de 1984, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 336, a pp. 394 e 345, ambos deste mesmo Tribunal.

O mesmo e digno magistrado sintetizou a invocada oposição nos termos seguintes: No Acórdão de 26 de Abril de 1984 perfilhou-se o entendimento de que uma pistola de calibre 6,35 mm, não manifestada nem registada, tem de considerar-se 'arma proibida', pelo que a sua detenção, uso e porte consubstancia o crime do artigo 260.º do Código Penal.

Outro é o entendimento do acórdão recorrido, no qual se decidiu que uma pistola daquele calibre, quando não manifestada nem registada, não é uma 'arma proibida', pelo que a sua detenção, uso e porte não é incriminável por aquele citado dispositivo legal.

No acórdão a fls. 24 e 25 reconheceu-se preliminarmente existir a alegada oposição.

O Ministério Público produziu notável parecer acerca da solução a dar ao presente conflito de jurisprudência, pronunciando-se favoravelmente sobre a tese da incriminação da situação equacionada nos termos referidos pelo artigo 260.º do Código Penal, com a consequente revogação do acórdão recorrido e formulação de um assento que, no seu entender, deveria ter a redacção seguinte: A detenção, uso e porte de uma pistola de calibre 6,35 mm, não manifestada nem registada, integra um crime previsto e punido pelo artigo 260.º do Código Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

I - O reconhecimento jurisdicional da existência da oposição não impede que o tribunal pleno decida em contrário (artigo 776.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 668.º, § único, do Código de Processo Penal).

Ora, reexaminando a questão, torna-se óbvio que a oposição existe.

Com efeito, os dois acórdãos em confronto, que foram proferidos sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação, havendo já transitado em julgado o primeiro deles ou como tal se devendo presumir, concluíram e decidiram em termos de irredutível contradição. Onde um diz não o outro responde sim.

Como assim, ocorre entre os dois julgados uma oposição, a qual serve de fundamento ao recurso extraordinário interposto para o tribunal pleno a fim de se fixar jurisprudência.

II - O diferendum em causa tem-se verificado em numerosos julgados deste Supremo Tribunal, com clara preponderância para aqueles que defendem a tese patrocinada pelo Ministério Público.

Assim, além daquela jurisprudência citada nas alegações a fls. 28 e seguintes, podem citar-se, de entre os mais recentes: No sentido da incriminação: Acórdão de 28 de Janeiro de 1987 (processo n.º 38220); Acórdão de 25 de Março de 1987 (processo n.º 38663); Acórdão de 13 de Maio de 1987 (processo n.º 38886); Acórdão de 13 de Maio de 1987 (processo n.º 38941); Acórdão de Fevereiro de 1989 (processo n.º 39880); No sentido da não incriminação: Acórdão de 24 de Fevereiro de 1988 (processo n.º 39431).

Portanto, embora não se tenha procedido a um levantamento exaustivo da jurisprudência deste Tribunal sobre a matéria, é certo que a tese dos defensores da descriminalização da detenção, uso e porte das armas ditas permitidas, não manifestadas nem registadas, é minoritária.

III - O núcleo essencial da problemática em análise reside na dúvida sobre o que se deve entender por 'armas proibidas'.

No acórdão recorrido parte-se da ideia de que tal conceito, que contrapõe ao de 'armas permitidas', corresponde a uma larga tradição da legislação nacional, que ainda hoje se manteria.

Sem haver que remontar mais atrás, essa distinção já se continha no Decreto-Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1949, que, aliás, ainda continuaria em vigor na parte em que classifica as armas e regulamenta o uso das que são permitidas, sendo, no entanto, que submetia às penas do § único do artigo 169.º do anterior Código Penal tanto o uso das 'armas proibidas' (no seu artigo 66.º) como o uso irregular das 'armas permitidas' (§ único do seu artigo 36.º).

'Veio depois o Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, que estabeleceu punições diferentes para as 'armas proibidas' e para as permitidas, mas não registadas [artigos 4.º e 5.º, n.º 1, alínea a), respectivamente], mantendo a distinção e usando mesmo e expressamente a designação das armas proibidas e das armas permitidas nos artigos 4.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, respectivamente.' Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o Código Penal vigente, revogou expressis verbis os artigos 4.º e 5.º daquele diploma de 17 de Abril de 1975.

Simplesmente, no artigo 260.º deste Código só se faz menção a 'armas proibidas'.

Daqui concluir-se pela descriminalização das denominadas 'armas permitidas', quando estas sejam detidas, usadas ou trazidas sem manifesto ouregisto.

IV - Não parece, porém, que assim se deva entender e decidir. A mera circunstância de na lei penal actual não se fazer menção expressa a 'armas permitidas' não consente, de modo algum, a ilação de que as que como tal eram classificadas passassem a ter-se como legalizadas ou, melhor, como legais, sem necessidade de manifesto ou registo.

Desde logo porque, como se acentua no Acórdão deste Tribunal de 27 de Maio de 1987 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 367, a pp. 329 e seguintes), 'um conceito pode ajustar-se a uma norma incriminadora [estamos a pensar nos artigos 3.º e 5.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril] e não servir a outra', ou seja, a do citado artigo 260.º Depois, porque uma arma de fogo, embora de defesa, que para estar legalizada (tornada legal) e ser permitida a sua detenção e uso carece de estar manifestada e registada, é uma arma proibida enquanto não forem satisfeitas essas exigências legais (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 344, p. 274).

Como diz o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, 'toda a intenção administrativa em matéria de controlo da posse de armas por particulares tem ínsita a ideia de regulamentar uma prática ou uma actividade em princípio proibidas, podendo a Administração conferir o poder de exercê-las verificadas certas condições'.

Revertendo àquele Acórdão de 27 de Maio de 1987, que contém uma síntese perfeita de um conjunto de argumentos altamente sensibilizantes, dir-se-á, em jeito de conclusão: Assim sendo, o artigo 260.º ocupou o lugar dos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, na extensão do § único do antigo artigo 169.º Ora, tanto este preceito, esclarecido pelo § único do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 37313 [...], como aqueloutros incriminavam não só o uso e porte das chamadas 'armas proibidas' (artigo 3.º do diploma de 1975), como também das de defesa não manifestadas.

Isto, por outras palavras, significa que o Código actual adoptou um conceito de 'arma proibida' mais amplo do que o do mencionado artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, exactamente aquele que neste diploma se desdobrava pelos seus artigos 4.º e 5.º e que no Código de 1886 já se apresentava unitário.

Sob o ponto de vista gramatical é 'proibido tudo quanto estiver fora das condições legais' ou 'em contrário das prescrições das autoridades competentes' (palavras do artigo 260.º), e isso tanto com as armas definidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75 (enumeração, aliás, não taxativa) como com as manifestandas (o citado regulamento prescreve o seu cadastro policial).

Não se objecte com a artificialidade da distinção entre proibições absolutas e relativas e que só as primeiras contam. Além de isso envolver uma petição de princípio, aditaremos que a arma mais vulnerante pode ser legitimamente utilizada por certas pessoas. Logo, não há nenhuma absolutamente proibida; são-no apenas para esta ou aquela categoria de indivíduos.

V - Em sustentação do entendimento por que optou, ou seja, o de que 'a detenção da arma que pode ser permitida a particulares, mas não registada, é facto hoje descriminalizado', apela-se no acórdão recorrido...

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