Assento n.º 1/2000, de 06 de Janeiro de 2000

Assento n.º 1/2000 Processo n.º 1291/98. - Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: O Digmo. Agente do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra interpôs, nos termos do artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão de 28 de Maio de 1998 (processo n.º 322/98) desse Tribunal, por considerar existir contradição do decidido em tal aresto e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 1997, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XII, t. IV, pp. 144 a 146, ambos transitados em julgado, já que, decidindo um e outro sobre a questão de qual o vício que integrará a circunstância de o assistente ter deduzido acusação por crime público ou semipúblico e o Ministério Público, posteriormente, ter vindo a aderir a essa acusação, acompanhando-a, o acórdão recorrido decidiu que, não tendo o assistente legitimidade para o efeito, a adesão do Ministério Público à acusação particular carece de qualquer valor, consubstanciando a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal (Código a que respeitam todos os artigos que vierem a ser referidos sem indicação do respectivo diploma legal), enquanto no acórdão fundamento foi decidido tratar-se de mera irregularidade.

Por Acórdão de 2 de Dezembro de 1998, foram julgados verificados a oposição dos julgados e todos os pressupostos do recurso ordinário, nomeadamente a alegada oposição de julgados, e determinado o prosseguimento do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, foram apresentadas alegações apenas pelo Ministério Público, tendo a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, com excelente fundamentação, opinado no sentido de o conflito de existência sub iudicio ser resolvido uniformizando-se a jurisprudência nos seguintes termos: integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Os acórdãos recorrido e fundamento foram proferidos ambos durante a vigência do Código de Processo Penal de 1987 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro) e antes da entrada em vigor da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, adiantando-se desde já que as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal, no que respeita aos dispositivos aplicáveis à questão sub iudicio, em nada interferem, aliás, na sua solução.

Resulta do exposto ser manifesto que os dois acórdãos em confronto, ambos transitados, ao apreciarem o mesmo ponto de direito, no domínio da mesma legislação pronunciaram-se em sentidos antagónicos, pelo que, visto a decisão preliminar proferida no aludido Acórdão de 2 de Dezembro de 1998 não fazer caso julgado, se confirma verificar-se a oposição exigida pelo artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Cumpre, pois, decidir.

A figura do assistente, apontada por José Damião da Cunha, em 'Algumas reflexões sobre o estatuto do assistente e seu representante no direito processual português' (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano V, fasc. 2, Abril/Junho de 1995, pp. 153 e segs.), como uma especificidade do processo penal português e a quem, segundo o mesmo autor, a lei confere poderes que se traduzem, sobretudo, na prática de actos estimulantes, destinados a influir na actividade do Ministério Público, apresenta-se no nosso processo penal actual, em que a titularidade (exclusiva) da acção penal pertence ao Ministério Público - cf. artigo 221.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto), artigo 48.º do Código de Processo Penal, artigo 2.º, n.º 2, alíneas 7) e 11), da Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro (lei de autorização legislativa), e Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 1997, n.º 8/99 (in Diário da República, 1.' série-A, n.º 185, de 10 de Agosto de 1999) -, ocupando uma posição de colaborador, cuja actividade é subordinada à daquele, conforme o respectivo estatuto processual definido pelo artigo 69.º do Código de Processo Penal.

Por isso, e face aos normativos dos artigos 2.º, n.º 2, alíneas 7) e 11), da dita Lei n.º 43/86 e 69.º, n.º 2, alínea b), 284.º e 285.º do Código de Processo Penal, a questão da legitimidade do assistente para deduzir acusação por crimes públicos (e semipúblicos) quando o Ministério Público se tenha abstido de a formular - que na vigência do Código de Processo Penal de 1927 e Decreto-Lei n.º 35 007, segundo refere o Prof. Jorge de Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, vol. I, 1981, p. 525), 'foi entre nós discutida até ao paradoxismo' - hoje já não se coloca, pois, como analisa o conselheiro M.

Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9.' ed., 1998, p. 535, 'é agora inequívoco que os assistentes não podem deduzir acusação por crime público sem que o MP o faça pelos mesmos factos [...]. Perante uma abstenção do MP por crime público ou semipúblico por que tenha havido queixa e constituição de assistente, resta a este requerer a abertura de instrução [artigo 287.º, n.º 1, alínea b)] e poder vir a obter, por esta via, a pronúncia do arguido.' Solução esta que cremos conciliar as posições que sobre a temática do assistente dá notícia o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 3.' ed., 1996, p. 308: 'a intervenção dos particulares no processo penal é por muitos contestada por poder constituir um factor de perturbação, pois não é de esperar deles a objectividade e a imparcialidade que devem dominar o processo penal, mas é também por muitos outros considerada uma excelente e democrática instituição e assim a entendemos também', e que é actualmente assumida pela generalidade da jurisprudência e da doutrina, conforme, v. g., quanto a esta, o mencionado Prof. Germano Marques da Silva, op. cit. e loc. cit.: 'o assistente não exerce autonomamente a acção penal e antes auxilia o MP', e Curso de Processo Penal, III, 1994, p.

113: 'Tratando-se de crime público, a legitimidade para a acusação pertence ao MP' e no item seguinte: 'Tratando-se de crime semipúblico também a acusação dominante é da competência do MP', e José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, vol. II, p. 128: 'Perante a acusação do Ministério Público o assistente deduzirá então a sua acusação (artigo 284.º). Esta...

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