Assento n.º 2/2003, de 30 de Janeiro de 2003

Assento n.º 2/2003 Processo n.º 3632/2001 - 3.' Secção Acordam no Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I - Henrique Manuel Barreto Pereira de Almeida, arguido nos autos de processo comum singular que contra ele correram seus termos com o n.º 59/99, na comarca de Oliveira de Hospital, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do n.º 2 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Março de 2001, processo n.º 2273/2000, com os seguintes fundamentos: O acórdão recorrido decidiu que o ónus da transcrição das provas produzidas e gravadas em audiência de julgamento cabe ao recorrente; Por sua vez, o acórdão fundamento - da mesma Relação e proferido em 31 de Maio de 2000 - decidiu que cabe ao tribunal o ónus da transcrição da prova oralmente produzida em audiência de julgamento; Há, assim, oposição de julgados, que transitaram e que foram proferidos no domínio da mesma legislação; Na sua opinião, a solução correcta é a que consta do acórdão fundamento.

O recurso foi admitido, dada a legitimidade do recorrente e os fundamentos invocados.

Por acórdão de 9 de Janeiro de 2002, a fls. 59 e seguintes, julgou-se existente a mencionada contradição entre os dois referidos acórdãos.

Ordenado o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal, alegaram o Ministério Público e o recorrente.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto apresentou doutas alegações, concluindo no sentido de que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos: 'Em processo penal, havendo recurso da matéria de facto, e tendo a prova produzida oralmente em audiência de julgamento sido documentada através de gravação magnetofónica ou áudio-visual, cabe ao recorrente, por força do artigo 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, fazer a transcrição das provas que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida.' Por sua vez, o recorrente, em igualmente doutas alegações, concluiu no sentido de que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos: 'Tendo o recorrente impugnado a matéria de facto em recurso, cabe ao tribunal o ónus de transcrição da prova oralmente produzida em audiência de julgamento; a omissão da transcrição constitui irregularidade processual a dar lugar à nulidade do julgamento e à respectiva repetição.' Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II.A - Da exposição acima feita, é manifesto que os dois acórdãos em conflito, a fl. 14 e a fl. 53, ambos transitados, se pronunciaram em sentido contrário ao apreciarem o mesmo ponto de direito, no domínio da mesma legislação e relativamente a factos idênticos, pelo que se confirma existir a oposição a que se refere o artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Para fundamentar o seu ponto de vista, escreveu-se, a certo passo, no acórdãorecorrido: 'O recorrente tem obrigação de, quando é impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, estes por referência aos suportes técnicos em que se encontrem gravadas, mas, a nosso ver, por mera consulta da gravação.

Se, até ao momento de interposição do recurso, a lei já supusesse feita a transcrição das gravações, as especificações deveriam referir-se à transcrição, isto é, deveriam ser feitas sem referência a algo (transcrição) que já estava feita, e não aos suportes técnicos como impõe comando legal.

A ser de outro modo, para que serviria a transcrição nos casos em que não houvesse recurso da matéria de facto? De outro passo adiantamos que a redacção do artigo 412.º no Anteprojecto referia expressamente no n.º 4 do normativo que 'Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, a especificação prevista na alínea b) do número anterior faz-se por referência directa aos suportes técnicos, não se procedendo à respectiva transcrição'.

E só se abandonou tal redacção porque se anteviu que ela iria impor a audição sistemática dos suportes técnicos pelo tribunal superior; logo, e para evitar as terríveis consequências daí derivadas, criou-se a obrigação da transcrição dos pontosimpugnados.' No acórdão recorrido consta um douto voto de vencido em que se defende ponto de vista contrário ao que fez vencimento.

Por sua vez, no acórdão fundamento escreveu-se, a certa altura, o seguinte: 'Nesta conformidade, não impondo a lei processual penal quer ao recorrente quer ao recorrido o ónus da transcrição (artigos 412.º, n.º 4, e 413.º, n.º 4), não podemos deixar de concluir que esse ónus cabe ao tribunal, o que aliás sempre decorreria da cabal aplicação da regra do artigo 4.º, segundo a qual nos casos omissos há que recorrer em primeira linha às disposições do próprio Código que puderem aplicar-se por analogia.

Com efeito, existe na lei processual disposição a que sempre se teria de recorrer, por aplicação analógica, qual seja a do n.º 2 do artigo 101.º, a qual estabelece que a transcrição deve ser feita pelo funcionário de justiça a quem cabe a redacção do auto ou, na sua impossibilidade ou falta, por pessoa idónea, devendo o juiz que presidir ao acto, antes da assinatura, certificar-se da conformidade da transcrição.' II.B - No conhecimento da questão vertida no recurso, vejamos, antes de mais, o que dizem as normas jurídicas relevantes.

Contidas no Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto: Artigo 363.º ('Documentação de declarações orais - Princípio geral'): 'As declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente o impuser.' Artigo 364.º ('Audiência perante tribunal singular ou na ausência do arguido'): '1 - As declarações prestadas oralmente em audiência que decorrer perante tribunal singular são documentadas na acta, salvo se, até ao início das declarações do arguido previstas no artigo 343.º, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do assistente declararem unanimemente para a acta que prescindem da documentação.

[...] 4 - Se não estiverem à disposição do tribunal meios técnicos idóneos à reprodução integral das declarações, o juiz dita para a acta o que resultar das declarações prestadas. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 100.º, n.os 2 e 3.' Artigo 101.º ('Registo e transcrição'): '1 - O funcionário referido no n.º 1 do artigo anterior pode redigir o auto utilizando meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum, bem como socorrer-se de gravação magnetofónica ou áudio-visual.

2 - Quando forem utilizados meios estenográficos, estenotípicos ou outros diferentes da escrita comum, o funcionário que deles se tiver socorrido ou, na sua impossibilidade ou falta, pessoa idónea, faz a transcrição no prazo mais curto possível. Antes da assinatura, a entidade que presidiu ao acto certifica-se da conformidade da transcrição.

[...]' Artigo 412.º, n.os 3 e 4 ('Motivação do recurso e conclusões'): '3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deveespecificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.

4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.' Ínsita no artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro (primitiva redacção): 1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.

3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.

4 - [...]' Os citados n.os 2 e 3 do artigo 690.º-A foram alterados pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, tendo-lhes sido dada a redacção que se transcreve: '2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.

3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.' O supra-indicado diploma legal aditou ao referenciado artigo um novo número, do seguinte teor: '5 - Nos casos referidos nos n.os 2 a 4, o tribunal de recurso procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal.' II.C - Relativamente à...

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