Assento n.º 1/2003, de 25 de Janeiro de 2003

Assento n.º 1/2003 Recurso n.º 467/2002 1 - A oposição de julgados 1.1 - No dia 22 de Março de 2001, a Relação de Lisboa, no recurso n.º 650/01-9 (ver nota 1), decidiu que o artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações exige - sob pena de 'ausência processual do arguido, constituindo a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal' - que, antes da 'decisão que aplica a coima' (artigo 58.º), a Administração assegure ao arguido - dando-lhe a conhecer os factos imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável - a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada: 'É relevante para a sua defesa que o arguido conheça os factos que lhe são imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável. Se, aliás, a decisão que aplica a coima deve conter esses factos (cf. artigo 58.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82), não se vê como possa ser menor a exigência para o conteúdo da comunicação prévia da imputação destinada a assegurar a defesa, sob pena de se permitir que o arguido seja surpreendido com o teor da decisão da autoridade administrativa, o que não é seguramente intenção do legislador demais a mais quando faz questão de deixar expresso que as autoridades administrativas estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal. E este é um dado decisivo, permitindo considerar que, na fase administrativa do processo, a imputação dos factos respeitantes a uma contra-ordenação equivale à acusação em processo penal. Sendo, nesta, inequívoca a exigência desses elementos (cf. artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), para que se delimite o tema a decidir, semelhante procedimento pode e deve ser respeitado na imputação da contra-ordenação, em nome do respeito pelas garantias de defesa e da compatibilidade que a lei consagra do processo contra-ordenacional com o processo penal. E não se diga que a circunstância de a imputação dada a conhecer ao arguido referir os factos 'objectivos' que constituem a infracção é bastante para cobrir a condenação quer a título doloso quer a título negligente (no sentido de que quem imputa o mais, imputa o menos) porque tal procedimento viola os princípios da justiça e sobretudo da boa-fé a que os órgãos e agentes administrativos devem respeito na sua actuação (artigo 266.º, n.º 2, da CRP).

[...] Para que ao menos o princípio do contraditório possa ser respeitado (artigo 18.º, n.os 1 e 2, da CRP), necessário se torna que na imputação se dêem a conhecer tais factos, permitindo assim que, no exercício do seu direito de defesa, ao arguido, antes de ser proferida a decisão da autoridade administrativa, seja permitido pô-los em causa, produzindo a prova que achar oportuna. A consequência destas omissões, e mormente daquela a que a recorrente alude, qual é? Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 24 de Março de 1992 [Colectânea de Jurisprudência, n.º 2, pp. 92-308 (cf.

ainda o Acórdão da Relação do Porto de 1 de Abril de 1998, Colectânea de Jurisprudência, n.º 2, pp. 98-243)], à audiência da arguida passou a ser conferida dignidade constitucional, a postergação de tal direito só tem protecção adequada se tal omissão se considerar nulidade insanável, na mesma linha do que sucede com a ausência do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência. É certo que no aresto citado se abordava uma situação em que a audição do arguido na fase administrativa não tivera lugar, diferente, portanto, da que aqui se aprecia e, claro está, de maior evidência. Porém, o que importa sobrelevar é que também neste caso se pode afirmar que o direito de defesa da recorrente ficou prejudicado ao não lhe ser objectivamente possibilitado que, de forma cabal e eficaz, relativamente a pontos da maior importância, apresentasse os seus argumentos e indicasse as provas que porventura entendesse pertinentes. Havendo, por conseguinte, sobre determinado aspecto a ausência de uma tomada de posição da sua parte como consequência das deficiências apontadas. Como a jurisprudência tem assinalado, a ausência do arguido em relação à sua defesa não é só a ausência física mas também a ausência processual no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa, sendo que as garantias que a lei prevê só se podem tornar efectivas tomando nulo, de forma insanável, o acto em que essas garantias não tenham sido respeitadas. O que significa que em casos tais se comete a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal. A consequência é a prevista no artigo 122.º, n.º 1, do mesmo diploma, ou seja, a invalidade do acto praticado bem como dos que deledependerem.' 1.2 - Mas, por acórdão emitido em 3 de Outubro de 2001 (no domínio, por isso, da mesma legislação) e transitado em julgado no dia 26 de Outubro de 2001, a Relação do Porto (ver nota 2) viria, no recurso penal n.º 567/01-4, a decidir a mesma questão em sentido diverso, ou seja, no de que a invocada 'ausência processual, por impossibilidade de exercício do direito de defesa' apenas ocorreria 'quando o arguido não é ouvido, em preterição nomeadamente do que impõe o artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82', não tendo sido isso, porém, 'o que aconteceu no caso dos autos, em que o arguido foi notificado, tendo oportunidade de se pronunciar e apontar para omissões como as que ora invoca': 'Vem a recorrente invocar a nulidade insanável do artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, com o fundamento de que: a) na 'nota de ilicitude' não se faz referência ao dolo ou negligência; b) foi condenado por decisão da autoridade administrativa pela prática dolosa da contra-ordenação, sem que, também aí, constem factos que permitam tal conclusão; c) essa mesma autoridade ponderou factos respeitantes à actividade da recorrente, à sua dimensão e aos seus resultados que não constavam da 'nota de ilicitude', donde ter sido prejudicado no seu direito de defesa; d) como a jurisprudência tem assinalado, a ausência do arguido em relação à sua defesa não é só a ausência física, mas também a ausência processual, no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa. É, porém, nulidade que inexiste claramente. O que em algumas decisões se tem dito é que, quando o invocado artigo 119.º, alínea c), proclama que constitui nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência, 'prevê não só a ausência física da pessoa do arguido, mas também a ausência processual, a sua não integração nos autos, por factos imputáveis à autoridade administrativa, e não a desinteresse, desleixo ou inércia da arguida' (Relação do Porto de 1 de Abril de 1998, Colectânea de Jurisprudência, XXIII, II, n.º 244; Relação de Évora de 24 de Março de 1992, Colectânea de Jurisprudência, XVII, II, n.º 309, e Relação de Évora de 10 de Novembro de 1998, Colectânea de Jurisprudência, XXIII, V, n.º 278). Sendo isso o que sucede quando o arguido não é ouvido, em preterição nomeadamente do que dispõe o artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. Ora, não foi isso o que aconteceu no caso dos autos, em que a arguida foi notificada, tendo oportunidade de se pronunciar e apontar para omissões como as que agora invoca. Não há, pois, a referida nulidade.' 2 - O recurso 2.1 - Perante tal oposição de julgados, a acoimada (ver nota 3), dirigindo-se ao Supremo Tribunal de Justiça, interpôs, em 19 de Novembro de 2001, recurso para fixação de jurisprudência: 'Há oposição entre o acórdão da Relação do Porto proferido nestes autos e o Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Março de 2001 (processo n.º 650/2001 da 9.' Secção), ambos proferidos na vigência do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e ambos transitados em julgado, porquanto no primeiro se entendeu que só ocorre a ausência processual do arguido em processo contra-ordenacional [e, por conseguinte, se comete a nulidade prevista pelo artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal] quando aquele não é simplesmente ouvido, como o impõe o artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações e coimas, tal não sucedendo com a notificação realizada nos presentes autos, omissa quanto aos factos constitutivos do elemento subjectivo da contra-ordenação e aos factos que, na decisão da autoridade administrativa, foram ponderados na determinação da medida da coima, ao passo que o acórdão da Relação de Lisboa entendeu que, para a efectivação do direito de defesa em processo contra-ordenacional, impõe-se que, na fase administrativa e em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações e coimas, ao arguido sejam dados a conhecer não só os factos objectivos, mas também aqueles que traduzam a imputação subjectiva da contra-ordenação e, ainda, os que possam influir na medida da coima, sob pena se estar cometendo a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal. Deverá fixar-se jurisprudência no sentido da solução consagrada neste último acórdão, por ser esse o entendimento que se afigura mais consentâneo com os princípios do contraditório e da justiça e boa-fé que vinculam os órgãos a agentes administrativos na sua actuação.' 3 - A decisão intercalar O STJ - tendo concluído em 18 de Abril de 2002 pela admissibilidade e tempestividade do recurso, pela legitimidade da recorrente e pela oposição de julgados - determinou que o recurso prosseguisse seus termos (artigos 441.º, n.º 1, e 442.º e seguintes).

4 Alegações 4.1 - Nas suas alegações de 23 de Maio de 2002, o MP (ver nota 4) pronunciou-se pela revogação do acórdão recorrido e pela fixação de jurisprudência no sentido da decisão do acórdão fundamento ('A notificação a efectuar ao arguido pelas entidades administrativas para...

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