Assento n.º 3/98, de 22 de Dezembro de 1998

Assento n.º 3/98 Processo n.º 45 887. - Acordam no plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: O Sr. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido por este Supremo Tribunal no dia 15 de Abril de 1993 no processo n.º 43499, invocando como fundamento a oposição entre tal aresto e o acórdão prolatado também neste Tribunal em 20 de Novembro de 1991 no processo n.º 41754.

Pelo Acórdão de 21 de Setembro de 1995, a fl. 40, foi constatada a invocada oposição de julgados no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito.

A legislação é o Código Penal de 1982 - Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro -, e a questão de direito é a de saber 'se as chapas de matrícula de veículos automóveis são ou não de considerar como documentos autênticos e se a sua alteração dolosa integra a prática do crime de falsificação de documento autêntico'.

No acórdão recorrido considerou-se que as chapas de matrícula dos veículos automóveis não são documentos autênticos, pelo que a sua alteração dolosa não constitui o crime de falsificação de documento autêntico previsto no artigo 228.º, n.º 1, alínea a), e 2, do Código Penal.

Contrariamente, no acórdão fundamento, decidiu-se que as chapas de matrícula com a respectiva numeração são documentos autênticos, ou, melhor, equiparáveis a autênticos, pelo que a sua alteração dolosa integra o referido crime do artigo 228.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Código Penal.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto emitiu exaustivo parecer, que conclui propondo se fixe a seguinte jurisprudência obrigatória: 'A alteração dolosa da matrícula de um veículo automóvel, nele aposta, constitui o crime de falsificação de documento autêntico previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 228.º, n.os 1, alínea a), e 2, e 229.º, n.º 3, do Código Penal.' Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, já que nada a tal obsta.

A divergência jurisprudencial que move o presente recurso, e respeita à incriminação da alteração dolosa da chapa de matrícula de um veículo automóvel, radica na diversa valoração da chapa de matrícula dos veículos automóveis enquanto prova.

Na verdade, não existe desacordo a respeito de uma tal chapa de matrícula ter de ser considerada jurídico-penalmente um documento. É a solução que inequivocamente resulta da lei, já que o artigo 229.º do Código Penal de 1982, afastando-se da noção civilística de documento - cf. artigo 362.º do Código Civil -, define documento como 'a declaração compreendida num escrito, inteligível para a generalidade ou um certo círculo de pessoas que, permitindo reconhecer o seu emitente, é idóneo a provar um facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente' - n.º 1 -, acrescentando, além do mais, que o documento é 'equiparável o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar um facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta' - n.º 3. E uma chapa de matrícula aposta num veículo automóvel está nele incorporada como um sinal para provar o facto juridicamente relevante da matrícula e que permite à generalidade das pessoas reconhecer que o veículo tem a matrícula respectiva.

A questão posta confina-se a determinar se as apontadas chapas de matrícula são documentos particulares ou corporizam documentos autênticos ou com igual força.

E reveste-se de interesse, essencialmente, em termos de punição - a falsificação de documentos particulares era punida com prisão até 2 anos e multa até 60 dias e a falsificação de documentos autênticos ou com igual força com prisão de 1 a 4 anos e multa até 90 dias, como ressalta do artigo 228.º, n.os 1 e 2, do Código Penal de 1982.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal encontra-se dividida neste ponto: No sentido de que a alteração fraudulenta da matrícula aposta num veículo automóvel integra o crime de falsificação de documento autêntico do artigo 228.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 229.º, n.º 3, ambos do Código Penal de 1982, decidiram, entre outros, os Acórdãos de: 14 de Outubro de 1987, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 370, p. 298; 16 de Outubro de 1991, recurso n.º 42168; 30 de Outubro de 1991, recurso n.º 41195; 20 de Novembro de 1991, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 411, p. 255; 21 de Maio de 1992, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 417, p. 398; 21 de Maio de 1992, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 417, p. 399; 15 de Fevereiro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, Supremo Tribunal de Justiça, 1995, I, p. 205; 9 de Janeiro de 1996, recurso n.º 47295; 12 de Junho de 1996, recurso n.º 48700; 19 de Junho de 1996, recurso n.º 48637; 3 de Julho de 1996, recurso n.º 15/96; 18 de Dezembro de 1996, recurso n.º 830/96; 15 de Janeiro de 1997, recurso n.º 240/96; e 26 de Fevereiro de 1997, recurso n.º 1072/96; No sentido de que o apontado facto consubstancia o crime de falsificação de documento particular do artigo 228.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 229.º, n.º 3, ambos do Código Penal de 1982, pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos de: 30 de Abril de 1992, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 416, p. 403; 24 de Março de 1993, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, p. 420; 15 de Abril de 1993, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 426, p. 211; 15 de Abril de 1993, recurso n.º 43499; e 12 de Outubro de 1996, recurso n.º 289/96.

Esta diversidade de entendimentos na nossa jurisprudência surgiu já na vigência do Código Penal de 1982 e vem a resultar da revogação do Decreto-Lei n.º 274/75, de 4 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou e fixou o início de vigência do mesmo Código - cf. o seu artigo 6.º, n.º 2.

Aquele decreto-lei, traduzindo 'a necessidade de obstar à criminalidade quer no domínio do furto de automóveis quer na contrafacção dos seus elementos identificadores' - cf. o respectivo preâmbulo -, previa como crime punível com prisão maior de dois a oito anos a 'aposição ou colocação de números de matrícula não correspondentes ao...

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