Acórdão nº 981/23.6PLLRS.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-04-2024

Data de Julgamento09 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão981/23.6PLLRS.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.No processo sumário n.º 981/23.6PLLRS.L1do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, foi proferida sentença a 30.10.2023, que decidiu absolver o arguido AA, melhor identificado nos autos, da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, previsto e punido nos termos dos artigos 348.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada.
2.Não se conformando com a decisão absolutória, veio o Ministério Público interpor recurso para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.Por sentença datada de 30-10-2023, decidiu a Mma. Juiz a quo absolver o arguido AA da prática, como autor material, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, por referência ao artigo 152.º, ns.º 1, al. a) e 3 do Código da Estrada.
2.Porque entende que a prova produzida foi por demais suficiente para sustentar a condenação do arguido pela prática do crime por que vinha acusado, e porque ademais entende que a decisão sob recurso se mostra ferida do vício do erro notório na apreciação da prova, com o sentido de tal decisão não pode o Ministério Público concordar.
3.–O vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, verifica-se quando decorre cristalino do texto da sentença que o Tribunal, na leitura e valoração feitas dos meios de prova e na formação da sua livre convicção, atentou diametralmente contra todas as regras da lógica e da experiência, extraindo conclusão inteiramente diversa daquela a que chegaria o homem médio colocado na sua posição.
4.–Cremos, desde logo, pois, que enferma a decisão do Tribunal a quo deste vício, o qual determinou o incorreto julgamento como factos tidos por não provados dos consignados em 1. a 5..
5.–É que, do texto da decisão recorrida resulta, directamente e só dele, que teve o Tribunal a quo por provado que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar em análise, foi submetido ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo acusado uma taxa de álcool de 1,74 gramas por litro de sangue, motivo pelo qual foi conduzido à Esquadra de Trânsito, a fim de realizar teste quantitativo, e que, já aqui, após ter sido informado sobre o modo de realização do teste, encostou os lábios no aparelho, fazendo um sopro mínimo, por menos de um segundo de duração, parando de imediato, o que repetiu por (mais) três vezes.
6.–Que teve igualmente o Tribunal a quo por provado que o arguido, nessa sequência, comunicou aos agentes da PSP que não pode realizar esforços, uma vez que foi sujeito a uma cirurgia há cerca de 6 (seis) meses, tendo uma bala ainda alojada no interior do seu corpo, na zona abdominal, e lhes solicitou que lhe fosse realizado exame de sangue, no hospital.
7.–Por outro lado, teve o Tribunal a quo por não provado que, naquela sequência, o arguido foi indagado pelos agentes da PSP relativamente à possibilidade de possuir alguma doença que o impedisse ou inibisse de efectuar o teste quantitativo, não tendo sido apresentado motivo plausível que justificasse a sua recusa, e, portanto, igualmente os factos que integram o elemento subjectivo do tipo de crime pelo qual vinha o arguido acusado, designadamente que o arguido quis, como fez, desrespeitar a ordem de realizar teste de pesquisa de álcool através do método de ar expirado em alcoolímetro quantitativo.
8.–E, finalmente, que teve o Tribunal a quo por provado que, aquando da entrega dos documentos por parte do aqui arguido, foi notório um forte odor a álcool, motivo pelo qual foi submetido ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado.
9.–Ancorou-se na prova documental junta aos autos, designadamente nos registos e demais documentação clínica que atesta pela condição de saúde do arguido, e, ademais – mas contra a demais prova carreada aos autos –, nas declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento,
10.–Fundamentando que “[e]mbora as testemunhas de acusação tenham sido peremptórias em afirmar que o arguido não efectuou o teste quantitativo de apuramento de álcool no sangue porque não “gostou” da abordagem dos agentes e porque não quis fazer um sopro suficiente, certo é que, da conjugação da versão dos factos apresentada pelo arguido, com os documentos clínicos por este juntos a fls. 30 verso a 35 dos autos, bem como, dos depoimentos prestados pelas testemunhas de defesa, o tribunal ficou com dúvidas que o arguido tenha de modo livre e voluntário efectuado um sopro insuficiente com intenção de não realizar o dito teste”, isto porque “o arguido logrou fazer prova (documental e testemunhal) de que padece de um problema de saúde que facilmente se compreende que lhe cause limitações na realização de um sopro profundo e contínuo como é exigido para a realização do teste de alcoolímetro”, na medida em que “tem receio de que este se movimente no interior do seu corpo provocando algum dano físico, estando medicamente impedido de efectuar esforços”.
11.–Fundamenta o Tribunal a quo ainda que “[é], pois, conforme às regras da lógica e da experiência comum que o arguido após ter já efectuado um sopro forte que permitiu a realização de um teste de alcoolímetro qualitativo com sucesso, e perante desconforto no abdómen, tenha instintivamente se protegido efectuando sopros mais contidos”, e, por isso, que, “[p]erante esta situação, entendemos ser desconforme à normalidade e como tal pouco crível que, o arguido não tenha comunicado aos agentes da Polícia de Segurança Pública que padecia da limitação supra referida e que após o quarto sopro no aparelho quantitativo (quinto no total) tenha alegado que não soprava mais devido ao modo como tinha sido abordado pelos agentes”.
12.–Sucede que, quanto a nós, desconforme às regras da experiência e do normal acontecer é, com o devido respeito, o entendimento do Tribunal a quo.
13.–Pelo contrário, quanto a nós também, é perfeitamente consentâneo com a normalidade do caso concreto, atentos os demais factos tidos por provados, com especial atenção a um: que, aquando da entrega dos documentos por parte do arguido, foi notório um forte odor a álcool, motivo pelo qual foi submetido ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado.
14.–Isto porque, tivesse o arguido comunicado tal facto e solicitado ao órgão de polícia criminal ser conduzido a unidade hospitalar para aí realizar análise de sangue, tê-lo-ia sido, ou, pelo menos, assim podia e devia o arguido antecipar o curso dos eventos que se seguiriam.
15.–E, se fosse, teria resultado – antecipou-o o arguido, claro, já que foi o próprio quem “confirmou que havia ingerido bebidas alcoólicas na casa do irmão do seu amigo e que ainda assim conduziu”, e isto verteu o Tribunal a quo na “Motivação da Decisão de Facto” – daquela análise de sangue que conduzia sob a influência do álcool em taxa superior à legalmente permitida para conduzir.
16.–Fosse esse o caso, estaria hoje o arguido condenado (pela segunda vez) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ou, pelo menos, repete-se, assim o antecipou o arguido.
17.–Não se pode admitir é que tenha o Tribunal a quo tido por provado que, (um) aquando da abordagem, foi notório um forte odor a álcool emanado pelo arguido, (dois) o arguido comunicou aos agentes da PSP que não pode realizar esforços e lhes solicitou que lhe fosse realizado exame de sangue, que (três) se fundamente o Tribunal a quo com que o contrário seria desconforme às regras da lógica e da experiência comum e à normalidade, e (quatro) para se motivar, valore, contra a demais prova, as declarações do arguido, de onde se retira, além do mais, que “confirmou que havia ingerido bebidas alcoólicas na casa do irmão do seu amigo e que ainda assim conduziu”.
18.–O arguido – é notório – arriscou a única possibilidade que efectivamente tinha de não ir condenado por crime nenhum, nem por desobediência, nem por condução de veículo em estado de embriaguez,
19.–Quando a intenção do arguido, ao incorrer na prática do primeiro, foi precisamente eximir-se a sujeitar-se à diligência que fazia prova de estar a incorrer na prática do segundo.
20.–Ao que acresce que, admitindo-se como admissível e razoável o entendimento do Tribunal a quo, certo é que o arguido tem nesta estratégia processual (i.e., de omissão da informação médica até que seja presente ao julgador, simulando soprar quando na presença do órgão de polícia criminal) via para que seja definitivamente absolvido pela prática de idênticos comportamentos, porque, por um lado, se diz razoável que este não pudesse soprar (não obstante o ter alegadamente feito de forma inconseguida, por sua livre tentativa e escolha); e, por outro lado, que, apesar de não poder soprar, o arguido o haja feito múltiplas vezes – quiçá coagido pelo órgão de polícia criminal interveniente –, não obstante se ter por certo que, a dado momento (no primeiro, segundo, terceiro, quarto ou quinto sopro?) tenha esclarecido da sua condição alegadamente impeditiva.
21.–Disto qualquer homem médio se dá conta, e a prova foi, lida a matéria de facto tida por provada e por não provada, e à luz das regras da experiência comum, erroneamente apreciada.
Ainda que assim não se entenda,
22.–Porque se crê que, mesmo em caso de colher provimento a verificação do invocado vício do erro notório na apreciação da prova, é possível decidir da causa o Tribunal ad quem, sem reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), o Ministério Público recorre da sentença absolutória, porquanto crê também que a prova produzida impõe que deva
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