Acórdão nº 896/21.2T8AMT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-01-25

Ano2022
Número Acordão896/21.2T8AMT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 896/21.2T8AMT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca ...
Juízo de Comércio ... - Juiz ...

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto, apresentado pelos requerentes AA, BB e CC contra o requerido DD, todos já identificados nos autos, após ter sido cumprida a decisão proferida em 01.07.2021, que decretou o arresto dos saldos existentes em todas as contas bancárias do requerido DD, até ao montante suficiente para garantir o crédito da sociedade “C... SA”, no montante de 275 887,69 (duzentos e setenta e cinco mil, oitocentos e oitenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), e ainda de um conjunto de participações sociais detidas pelo requerido, veio este deduzir oposição ao arresto decretado e peticionar a sua revogação, ao abrigo do direito que lhe é conferido pelo artigo 372.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, alegando, em síntese, a incompetência material do Tribunal ... para decretar tal providência, a sua falta de legitimidade e a sua exclusão de responsabilidade, e, por fim, impugna os fundamentos do decretamento da providência, nomeadamente invocando a não verificação dos pressupostos da providência cautelar decretada.
Juntou documentos, requereu o depoimento de parte dos AA e CC e arrolou testemunhas.
Procedeu-se à audição dos requerentes em depoimento de parte, à inquirição das testemunhas arroladas e à tomada de declarações de parte ao requerido, na sequência do seu requerimento feito em audiência, tudo com observância de todo o formalismo legal, conforme consta das respectivas actas.

Posteriormente, foi decidido o seguinte:
“…os Requerentes vieram invocar que tal procedimento cautelar seria preliminar de ação judicial de indemnização a instaurar contra o Requerido por atos praticados no exercicio do cargo de Presidente do Conselho de Administração em prejuízo da sociedade de que todos são acionistas, com fundamento nos artigos 64.º, 72.º e 77.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais., e nos artigos 798.º e 799.º do Código Civil.
Não cabendo nesta fase processual conhecer do mérito da ação, dir-se-á que à luz dos fundamentos de direito invocados pelos Requerentes e atento o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que estipula que compete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais, e sendo a ação apresentada à luz dos fundamentos invocados para exercicio de um direito social, sempre competirá ao Tribunal ... conhecer e decretar as medidas cautelares peticionadas como preliminares de ação a instaurar relativas ao exercício de direitos sociais.
Sendo que não obsta a tal competência material o facto de o procedimento cautelar instaurado poder não ser o adequado para servir de preliminar à ação a instaurar ou que, instaurada esta, venha a improceder por falta de fundamento ou até que possa existir erro na forma do processo ou na ação indicada ou ainda que o fundamento invocado deva improceder, pois que tudo são matérias que não cabe apreciar em sede da presente providência cautelar, mas apenas em sede dos autos principais, e sempre após realização da audiência prévia, onde as partes terão oportunidade de se pronunciar quanto a eventuais exceções invocadas que possam por termo à causa nessa fase, o que ainda nem sequer ocorreu, mas tais questões não se prendem com a competência material do Tribunal.
Por fim dir-se-á ainda que o Tribunal não pode aferir a sua competência material pelo acerto, ou falta dele, na escolha do procedimento cautelar instaurado como preliminar de um processo a instaurar por quem se arroga ter um direito social a defender, tal circunstancialismo ficará para o mérito do procedimento e da própria ação principal que viesse a ser instaurada, já que, não estava ainda instaurada qualquer ação.
Quanto à exceção de falta de legitimidade do Requerido impõe-se convocar o disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Código de Processo Civil quando ali se refere que “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
Assim e ao que agora aqui nos interessa, este preceito legal toma como elemento definidor da legitimidade do Autor o seu interesse direto em demandar. E porque se trata de um procedimento cautelar instaurado como preliminar de uma ação de indemnização por alegados factos ilícitos prejudiciais à sociedade, praticados por um acionista no exercicio do cargo de Presidente do Conselho de Administração dessa sociedade de que os requerentes e o requerido são os acionistas, efetivamente está em causa o exercicio de um direito social e sendo ao Requerido a quem é imputada a prática dos factos ilícitos geradores do direito à indemnização a pagar á sociedade, por ter sido isso tais fundamentos os invocados no Requerimento inicial tornava-se apenas necessário que os Requerentes comprovassem ao instaurar a ação que têm a qualidade de sócios/acionistas da sociedade e que o Requerido também tem essa qualidade e ademais que exerceu o cargo de Presidente do Conselho de Administração, sendo os atos ilícitos invocados praticados no período em que exerceu tais funções, terá de se concluir que o requerido tem legitimidade passiva para ser demandado na presente providência.
Pois a prova da qualidade de sócio/acionista e de titular de cargo social apenas se pode fazer com a junção da certidão de matricula da sociedade em causa de onde resulte tais qualidades de sócio/acionista e de titular de um cargo social, no caso Presidente do Conselho de Administração e, no caso sub judice, os Requerentes juntaram certidão de matricula de onde se pode comprovar que são acionistas da sociedade “C... SA”, sendo igualmente o requerido acionista da mesma sociedade e no período invocado no requerimento inicial constava como Presidente do Conselho de Administração da referida sociedade, quanto ao demais alegado, nulidade da deliberação que o nomeou como Presidente e os efeitos a retirar de tal nulidade não são matérias que se prendam com a legitimidade passiva do Requerido, tratando-se antes de matérias a tratar em sede de decisão de mérito da ação principal.
Sendo que todo o de mais circunstancialismo invocado pelo Requerido é matéria que depende da prova que os Requerentes e o Requerido fizerem em sede de julgamento, e, por isso, não poderá ser apreciada neste momento, já que se impõe aqui fazer aplicar o disposto no n.º 3 do artigo 30.º, do Código de Processo Civil, como regra supletiva na determinação da legitimidade, nos termos da qual, “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim, a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor, no caso os Requerentes, configuram o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresentam os Autores/Requerentes.
Donde, o objetivo essencial deste pressuposto é o de que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica. Significa isto que, em geral, apenas se consideram partes legítimas, os titulares diretos e imediatos da relação jurídica controvertida, ou seja, os sujeitos ativos e passivos dessa relação.
O que nos leva a concluir que, à luz do critério legal definidor da legitimidade processual, tal como os Requerentes configuraram a relação material controvertida nestes autos, tem de se entender que o Requerido é parte legítima para ser demandado, já que tem a seu favor a presunção decorrente do registo comercial de ser acionista e de ter sido eleito Presidente do Conselho de C... SA e a ação está configurada como exercicio de um direito social.
Daí que, não se esteja perante uma exceção dilatória nominada de ilegitimidade passiva, antes face a uma questão de mérito que se reporta à verificação dos factos constitutivos do direito invocado pelos Requerentes por contraponto aos factos invocados pelo Requerido na sua oposição.
Consequentemente, decide o tribunal julgar improcedente a exceção dilatória nominada de ilegitimidade passiva invocada.
Custas nesta parte a cargo do Requerido fixando-se a respetiva taxa de justiça em 2 UC.”

Foi, a final, decidido julgar a oposição apresentada pelo requerido improcedente por não provada e, em consequência, manter o arresto decretado na decisão proferida em 01.07.2021.

O requerido DD veio interpor recurso, concluindo:
O tribunal a quo não tem competência material para conhecer o arresto requerido.
Exceção dilatória que fora devidamente invocada pelo Recorrente em sede de oposição e referente ao qual o tribunal a quo não se pronunciou por entender, erradamente, que não lhe caberia apreciar tal exceção dilatória em sede de providência cautelar, mas apenas em sede dos autos principais.
O tribunal a quo não especifica os fundamentos de direito que justificam a sua decisão, sendo a sentença nula, neste particular, cf. artigo 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Veja-se: a competência para conhecer a ação de responsabilidade contra sócios não administradores e /ou não gerentes não cabe na competência do Tribunal ..., mas sim do tribunal de competência genérica.
O Recorrente não é demandado, nem poderia ser demandado, na qualidade de administrador ou ex-administrador.
Conforme resulta do teor dos documentos juntos aos presentes autos, a deliberação social que nomeou o Recorrente como Presidente do Conselho de Administração foi revogada e renovada, com efeitos retroativos, foi declarada nula, não lhe sendo atribuído
...

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