Acórdão nº 891/20.9PAESP.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-24

Data de Julgamento24 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão891/20.9PAESP.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
1ª secção criminal
Proc. nº 891/20.9PAESP.P1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal colectivo), do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a arguida AA foi submetida a julgamento e a final foi proferido acórdão de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação do Ministério Público e, em consequência, decide-se:

a) absolver a arguida pela prática de 3 (três) crimes de maus tratos do artigo 152º-A, nº1, a) do Código Penal na pessoa dos menores BB, CC e DD;
b) absolver a arguida pela prática de 3 (três) crimes de importunação sexual do artigo 170º, nº1 do Código Penal, um contra EE e dois contra FF;
c) condenar a arguida pela prática de 7 (sete) crimes de maus tratos do artigo 152º-A, nº1, a) do Código Penal na pessoa dos menores GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, na pena, por cada um deles, de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
d) condenar a arguida pela prática de 1 (um) crime de gravações e fotografias ilícitas do artigo 199º, nº2, a) do Código Penal na pessoa do menor LL, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
e) condenar a arguida pela prática de um crime de coação agravada na forma tentada dos artigos 154º, nº1 e 155º, nº1, d), ambos do Código Penal, na pessoa de NN, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
f) condenar a arguida pela prática de 1 (um) crime coação sexual do artigo 163º, nº1 do Código Penal (de acordo com a alteração da qualificação jurídica operada relativamente a um crime de importunação sexual) na pessoa de EE, na pena de 11 (onze) meses de prisão;
g) condenar a arguida, em cúmulo jurídico das penas aplicadas em c) a f), na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão;
h) suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses, nos termos do artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, acompanhado do regime de prova, no qual se inclui, nos termos dos artigos 51º, nº1, a), 53º e 54º, nº3 do Código Penal e o dever de:
- pagar no prazo da suspensão a indemnização devida à vítima infra fixada;
i) condenar a arguida no pagamento, a título de arbitramento de uma indemnização a cada um dos menores, GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, no montante de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora a contar da decisão até efetivo e integral pagamento, nos termos do art. 82º-A do Código de Processo Penal;

j) indeferir o pedido de recolha de ADN;

k) condenar a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3,5 (três e meia) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº1 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal, 8º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais.

(…)
*
Inconformada, a arguida AA interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1. Não existiu qualquer violência no ato da Arguida, nem a mesma ameaçou a ofendida ou a impossibilitou de reagir.
2. O facto de a Arguida apalpar a ofendida uma única vez, não constitui um ato sexual de relevo.
3 Tato sexual de relevo, são todos os atos sexuais graves, que objetivamente representem uma importante limitação para a liberdade de determinação sexual da vítima, o que in casu, não sucedeu.
4. Não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal previsto e punido no artigo 163.º, n.º 1 do Código Penal.
5. A Arguida terá de ser absolvida do referido crime.
6. A determinação da medida concreta da pena tem como limite inultrapassável, entre outras, as necessidades de prevenção, geral e especial.
7. As exigências de prevenção especial e geral, o grau diminuto de culpa com que a
Arguida agiu, o facto global e a personalidade revelada, conclui-se que a pena 11 meses de prisão, fere o prescrito no artigo 77.º do Código Penal, por excessiva e desproporcional.
8. A pena aplicada pelo Tribunal é desproporcional, excessiva e injusta, violando o disposto nos artigos 40º, 50º 71º, todos do Código Penal
9. Ainda que assim não se entendesse, o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
10. Teria de ser aplicado o princípio in dubio pro reo, dado que, não foi produzida prova bastante, que com o mínimo de certeza, indique que a Arguida cometeu os crimes pelos quais foi condenada.

11. Nos termos do supra alegado e, não tendo a Recorrente praticado os crimes pelo quais foi condenada, deve o mesmo ser absolvida.

TERMOS EM QUE E, NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE ABSOLVIDA DO CRIME

PELO QUAL FOI CONDENADA.

(…)

A Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
De facto

Factos provados

Da prova produzida, resultaram provados os seguintes os factos, com relevância para a causa:

1. Pelo menos desde o ano letivo 2015/2016, a arguida é docente de quadro de nomeação definitiva do grupo de recrutamento de “Educação Especial” por ter habilitações específicas para lidar com crianças com necessidades educativas especiais por ter frequentado Curso de Estudos Superiores Especializados em Educação Especial: opção principal: Problemas intelectuais, motores; opção complementar: Problemas auditivos, conforme registo biográfico da mesma junto do Ministério da Educação.
2. No ano letivo de 2020/2021, a arguida exercia funções como professora/docente junto do Agrupamento de Escolas ..., em Espinho.
3. No início desse ano letivo, em setembro de 2020, a arguida prestou serviço no Centro de Apoio à Aprendizagem para Alunos com Autismo, integrado naquele agrupamento de escolas.
4. Nessa data, integravam aquela estrutura de ensino especial dez alunos menores, a saber:
- GG, nascido em ../../2008,
- BB, nascido em ../../2007,
- HH, nascido em ../../2008,
- II, nascido em ../../2006,
- JJ, nascido em ../../2006,
- KK, nascido em ../../2005,
- CC, nascido a ../../2006,
- DD, nascido a ../../2004,
- LL, nascido em ../../2005, e,
- MM, nascido em ../../2003.
5. Todos estes menores sofriam nessa data de perturbação do espectro autista com défice cognitivo associado e limitações para estabelecer diálogos, bem como manifestar sofrimento.
6. Tal perturbação configura uma doença crónica, grave e permanente do sistema nervoso central, não tem cura e implica graves dificuldades na interação social, aprendizagem, linguagem e comportamento daquelas crianças, sendo que algumas não conseguem falar, controlar os esfíncteres ou realizar simples tarefas do quotidiano, necessitando de permanente apoio para tais atividades.
7. Perturbação esta e respetivas caraterísticas eram, à data, do perfeito conhecimento da arguida.
8. Os menores HH, KK, CC e DD comunicam verbalmente e conseguem manter um diálogo.
9. Os menores GG, II e LL apenas dizem palavras soltas ou pequenas expressões, com duas ou três palavras, com pedidos para satisfazerem as suas necessidades básicas ou as suas rotinas diárias.
10. Os menores BB, JJ e MM não verbalizam palavras e expressam apenas alguns sons.
11. A arguida exerceu as funções de docência àqueles menores no período compreendido entre 18.09.2020 e 27.11.2020, foi suspensa preventivamente de tais funções em 31.12.2020 até final do ano letivo de 2020/2021 e demitida da função pública por decisão do Sr. Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, de 27.07.2021.
12. Durante aquele período, diariamente, a arguida não realizava as atividades letivas previstas, permanecia sentada a manusear o telemóvel durante as aulas e, nos termos que se descrevem nos pontos seguintes, desferia bofetadas e pontapés nos menores ofendidos melhor identificados infra, mais lhes desferindo reguadas no corpo, e apelidava-os de “BURROS”, “ANIMAIS” e “PORCOS”, gritando com os mesmos.
13. No dia 13 de outubro de 2020, da parte da manhã, no interior da Escola ..., sita em Espinho, no interior da sala de aula, a arguida abeirou-se do menor II e desferiu-lhe duas bofetadas na face por, alegadamente, este não parar de rir.
14. No dia 13 de outubro de 2020, a arguida perante uma crise do menor KK mordeu-lhe uma bochecha da face.
15. Diariamente, no período compreendido entre 18/09/2020 e 27/11/2020, no interior da sala de aulas, a arguida disse ao ofendido LL que ele era “PORCO”, “BURRO”, “ESTÚPIDO” e “ANIMAL”, tal como “NÃO TENS EDUCAÇÃO”, “SE NÃO TENS EDUCAÇÃO, EU DOU-TA”.
16. O que aconteceu quando este menor ia buscar água e cuspia por ter várias estereotipias e quando este menor estava ao pé da a arguida, esta dizia-lhe que não o queria ao pé dela.
17. Em datas não concretamente apuradas, mas por diversas vezes, no período compreendido entre 18/09/2020 e 27/11/2020, no interior da sala de aulas, a arguida desferiu pontapés no ofendido KK.
18. Em data não concretamente apurada, no período compreendido entre 18/09/2020 e 27/11/2020, no interior da sala de aulas, a arguida, possuindo sentimentos lascivos e aproveitando-se da incapacidade e inocência do menor KK, com 14-15 anos de idade, encostou o seu peito (zona mamária) na face do aluno proferindo a seguinte expressão: “ERA PARA VER A REAÇÃO DO KK! ELAS ATÉ ESTÃO SOLTINHAS. NÃO TENHO SOUTIEN”, ao mesmo tempo
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT