Acórdão nº 889/23.5PFLRS.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-19

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão889/23.5PFLRS.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:



I.–RELATÓRIO


1.–No âmbito do processo sumário n.º 889/23.5PFLRS a correr termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 1, consta da parte decisória da sentença datada de 27.07.2023, o seguinte:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acusação provada e procedente e, em consequência, decido:
a)- Condenar o arguido …… de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária € 7,00 (sete euro), o que perfaz o total de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros);
b)- Condenar ainda o arguido no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 2 UC's, nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 e da Tabela III anexa ao mesmo diploma legal.
c)- Declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos, nos termos do art. 109 nº 1 e 2 do C. Penal e ao abrigo do disposto no art. 78º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro determinar que a navalha seja entregue à PSP que providenciará quanto ao seu destino final”.
*

2.– Inconformado, o arguido …… interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
1.– Por não se conformar com a douta Sentença proferida no dia 27 de Julho de 2023 que o condenou na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária € 7,00 (sete euro), o que perfaz o total de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, o Recorrente vem interpor recurso da mesma;
2.– O qual tem por objeto a impugnação e reapreciação da matéria de facto, por vício da douta Decisão, nos termos do art.º 412.º n.º 2, 3 e 4 do CPP, considerando o Recorrente que o Tribunal a quo fez uma avaliação incorreta da prova produzida nos autos quanto aos Pontos de Facto Provados e Impugnados e vertidos nas Motivações;
3.– Conforme supra se procurou demonstrar, considera o Recorrente que o Ónus de carrear Prova e provar que a faca apreendida estava em perfeitas condições, consequentemente, que era uma arma proibida, nos termos do artigo 86.º, n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, cabia exclusivamente ao Ministério Público, o que não fez;
4.– O Tribunal a quo soube desta deficiência do mecanismo automático da faca através do depoimento da testemunha arrolada pela Acusação e nada foi requerido pelo Ministério Público para apurar se essa informação do defeito na faca existia, condenando na incerteza;
5.– A Perícia ao mecanismo de abertura da faca apreendida era obrigatória e essencial para determinar se aquela faca não era mais do que uma faca de 9 cm ou se era uma arma proibida por Lei;
6.– Há falta de Inquérito, nos termos do n.º 1 do artigo 262.º do CPP, quando “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”, como seja a não realização de Perícia à faca apreendida nos presentes autos;
7.–Nos termos do artigo 119.º, alínea d), “a falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade” constitui Nulidade Insanável, a qual deveria ter sido oficiosamente declarada, mas porque tal não aconteceu, consequentemente, aqui se requer o reconhecimento da sua existência e o seu decretamento;
8.– Sem prescindir, sempre se diz que, o Recorrente desconhecia que era ilícito ter uma faca de mecanismo automático consigo, pelo que, o Tribunal a quo não podia ter dado como provados os factos supra impugnados, uma vez que o Arguido não tinha consciência de que estaria a cometer um crime, designadamente que a sua conduta fosse ilícita, pelo que, perante a factualidade conhecida em sede de audiência de julgamento, deveria de ter considerado verificado o erro sobre a ilicitude, por parte do Recorrente e ao não fazê-lo, a decisão proferida violou o art.º 17.º n.º 1 do Código Penal;
9.–Nos termos deste preceito legal “age sem culpa quem atuar sem a consciência da ilicitude do facto”.
10.–A este propósito veja-se as transcrições constantes das Motivações supra (que por economia processual aqui se dão por transcritas)
  • declarações do Recorrente, prestadas na sessão de Julgamento de 27/07/2023, entre as 15h35m28s e as 15h37m39s, concretamente, dos 00m00s a 00m43s e do 01m02s a 02m10s e testemunho de ……, prestado na mesma sessão de dia 27/01/2023, entre as 15h38m e as 15h45m, concretamente, dos0 5m51s a 06m40s;
  • Donde resulta que o Arguido não sabia que não podia ter aquela faca consigo, pois o mesmo estava convencido de que a podia ter porque a lâmina da mesma não era grande e não tinha 10 centímetros;
  • O Arguido só usava a faca para comer e para cortar pladur no trabalho;
  • A faca apreendida tinha um mecanismo automático de abertura, mas decorre do testemunho do Sr. Agente que elaborou o Auto de Notícia e que apreendeu a faca que esse mecanismo da mesma tinha um problema, pois o mesmo acrescentou que “quando ela se abre ela inclina um bocadinho, tem que se fazer um bocadinho de força para conseguir fechar automaticamente”.
11.– Pelo que, salvo o devido respeito que é muito, considera-se que o Tribunal a quo fez uma errada ponderação sobre os factos que considerou provados, uma vez que as declarações prestadas demonstram, efectivamente, a contrariedade com a matéria considerada provada, o que se argui para os devidos efeitos legais,
12.– Mostrando-se claramente, violado o art.º 17.º do Código Penal, uma vez que se mostra afastada qualquer culpa na conduta adotada pelo Recorrente.
13.– Pelo que, nesta parte, a convicção formada pelo Tribunal a quo é contraditória à prova produzida em audiência de julgamento, pelo que impunha uma decisão diferente da tomada, o que se argui para os devidos efeitos legais.
14.– Ora salvo melhor entendimento, o entendimento que o Tribunal a quo deveria ter tido em consideração, deveria ter sido exatamente o mesmo que o perfilhado pelo Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal, parte geral, I, 585/587, ou seja, que:
(…) O erro excluirá o dolo sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência-ética do agente para o desvalor do ilícito. Caso em que estaremos perante uma deficiência da consciência-psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, conforma o tipo específico de censura da negligência.”
15.– Assim, na ausência de prova bastante contra as declarações prestadas pelo Recorrente, o Tribunal ao considerar que o Recorrente praticou o crime de detenção de arma proibida, por ter uma faca consigo, que teria defeito e não foi periciada, violou o princípio constitucional in dubio pro reo;
16.– Pois não existindo prova bastante, gerou-se a dúvida e nestes termos, deveria de ter absolvido o Recorrente, o que se argui para os devidos efeitos legais.
17.– O Princípio in dúbio por reo tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
18.– Não existindo um ónus de prova que recaia sobre Arguido (como não havia) e devendo o Tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto;
19.– Isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos do art.º 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
20.– A assim não ter procedido o Tribunal a quo violou o princípio constitucional in dúbio pro reo, previsto no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se argui para os devidos efeitos legais.
21.– Ainda que seja legal o recurso ao princípio da livre apreciação da prova, o mesmo não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e, portanto, arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» –, de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 202-203;
22.– E ainda a este propósito, veja-se o douto Acórdão do Tribunal Constitucional - Ac. 1165/96, de 19-11, Proc. n.º 142/96 - 1.ª, in BMJ 461.º/93), debruçando-se sobre a norma do art.º 127.º do CPP, acompanhou estas considerações, realçando que a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.
23.– O Tribunal a quo considerou que o Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, porém, impunha-se uma decisão diferente, pelas conclusões supra aduzidas, por várias vezes questionado, por várias vezes o Arguido respondeu, sem qualquer contradição, que os Srs.
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