Acórdão nº 812/21.1PHMTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-31

Ano2023
Número Acordão812/21.1PHMTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 812/21.1PHMTS.P1 - 4.ª Secção

Relator: Francisco Mota Ribeiro



Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1.1 Após realização da audiência de julgamento no Proc.º nº 812/21.1PHMTS, que corre termos no Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto por sentença de 15 de fevereiro de 2023, foi decidido o seguinte:
“1. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º2, do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao regime de prova, com vista a uma maior consciencialização sobre o desvalor das condutas de violência nas relações de intimidade e para os padrões relacionais disfuncionais, e com a frequência, por parte do arguido, do Programa para Agressores de Violência Doméstica.
2. Aplicar a medida acessória de afastamento e de proibição de contactos com BB, prevista no artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal, pelo período de dois anos, a contar do trânsito em julgado da sentença, a qual inclui a proibição de aproximação a menos de 500 metros residência da assistente e do seu local de trabalho, bem como qualquer forma de contactos, quer pessoais, quer por qualquer outro meio, devendo a Secção dar conhecimento desta medida àquela.
3. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, na taxa de justiça de 3 UC (cf. artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).”
1.2. Não se conformando com tal decisão dela veio interpor recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição dos excertos que se considera corresponderem ao resumo das razões do pedido):
“(…)
3. No entanto, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, não só não efetuou uma cuidada e criteriosa apreciação da prova produzida em sede de julgamento, como não valorou – como se lhe impunha – a confissão integral e sem reservas do Arguido, tendo pura e simplesmente ignorado todas e quaisquer circunstâncias que nitidamente depõem a favor daquele.
4. De facto, salvo devido respeito, o Arguido não se limitou a confessar integralmente os factos pelos quais vinha acusado, sendo certo que, a instâncias da Meritíssima Juiz disse estar profundamente arrependido.
5. Na verdade, logo após ter respondido às questões colocadas pela Meritíssima Juiz relativamente à sua identificação, questionado se era conhecedor dos factos constantes da acusação e se pretendia prestar declarações ou permanecer em silêncio, o Arguido disse o seguinte: (20230209102338_16321083_2871551.wma – 02:45 M e ss)
Meritíssima Juiz – “Quer falar ou quer ficar em silêncio?”
Arguido – “Quero falar. É assim, isto aconteceu e estou arrependido, profundamente, não há volta a dar…”
6. O que, inclusivamente terá motivado que em alegações orais, a Sra. Procuradora, tivesse dado enfâse à postura adotada pelo Arguido face ao ilícito cometido: (20230209120258_16321083_2871551.wma – 00:01 M e ss)
Sra. Procuradora – “…as declarações do Arguido são defesa, são meio de prova, o silêncio não prejudica, mas a confissão certamente e neste tipo de crimes (…) acho que releva bastante no assumir, no reconhecimento e na mudança, que pelos vistos felizmente as coisas (…) o divórcio já decorreu, já houve acordo quanto à casa morada de família e aparentemente esta situação, ainda que com um escalamento, acho que se nota aqui nos autos, discussões e depois um escalar na violência se calhar esta desconfiança que foi justificada aqui (…) que não justifica, não tira a censura obviamente e secalhar aqui derivado também do consumo do álcool que não terá ajudado, Meritíssima Juiz, entendemos que, atendendo à pena que é uma pena de prisão, entendemos que a mesma, na nossa modesta opinião, deverá ser suspensa… porque no mais, entendemos que, a socialização do mesmo, ser trabalhador e ter assumido aqui, Meritíssima Juiz, entendemos que se bastará…”
7. Porém, ainda que o Arguido tenha assumido e verbalizado arrependimento, a sentença proferida pelo Tribunal a quo além de não conter qualquer referência, mínima que seja, a esse respeito, não fez constar tal factualidade dos factos que considerou provados ou dos que entendeu não terem sido provados.
8. Sucede que, o arrependimento manifestado pelo Arguido em sede de julgamento é, sem qualquer margem para dúvida, matéria relevante para a decisão da causa, sendo certo que nos termos da Lei, o arrependimento expresso pelo Arguido enquanto ato demonstrativo “de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados” poderá mesmo justificar uma atenuação especial da pena.
9. Assim, impunha-se que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado expressamente sobre o arrependimento expressado pelo Arguido, devendo tê-lo incluído na matéria de facto vertida – fosse nos factos provados, fosse nos factos não provados – pelo que, não o tendo feito e ignorado aquela circunstância de enorme relevância, o Tribunal a quo não deu integral cumprimento ao estabelecido no n.º 2 do artigo 374º do CPP.
10. Posto isto, ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 379º do CPP, tal omissão de pronúncia consubstancia uma NULIDADE da sentença que, a verificar-se, afetará inevitavelmente o ato decisório em si mesmo e os que dele dependem – O QUE DESDE JÁ SE INVOCA.
SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA, SEMPRE SE DIRÁ:
11. Acresce que, a fundamentação da sentença deverá sempre indicar quais os factos dados como provados e não provados, fazendo uma exposição completa de TODOS os motivos, de facto e de direito, que justificaram e motivaram a decisão proferida.
12. Sendo certo que, na fundamentação da decisão, o Tribunal deverá recorrer a um exame crítico de todas as provas de que se serviu para formar a sua convicção e decidir neste ou naquele sentido.
13. Acontece que, apesar do Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre o arrependimento que o Arguido verbalizou e demonstrou, não o tendo valorado como se lhe impunha, a decisão em crise refere que a favor do Arguido pende o facto deste “Ter confessado integralmente e sem reservas os factos de que se encontra acusado”.
14. Não obstante, tal afirmação, desprovida de qualquer outra fundamentação ou esclarecimento, não é suficiente para que o Arguido ou qualquer outro interveniente processual consiga perceber ou alcançar o processo lógico-mental que motivou aquela concreta escolha da pena, ou para que o Arguido consiga perceber de que forma é que a postura que adotou perante a factualidade pelo qual vinha acusado, o beneficiou (ou não).
15. Desta forma, não tendo o Tribunal a quo indicado as provas de que se serviu para formar a sua convicção, nem tendo efetuado o seu exame crítico, a fundamentação da douta sentença proferida é manifestamente insuficiente, o que, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP, determina a sua nulidade – O QUE SE INVOCA.
16. Além disso, no que se refere à decisão relativa ao pedido de indemnização cível deduzido pela Assistente, ainda que conforme resulta do supra exposto, o Arguido tenha adotado uma atitude colaborante com a justiça ao confessar e tenha verbalizado o seu arrependimento, o Tribunal a quo concluiu que este “nunca revelou qualquer interiorização da ilicitude dos seus atos ou, sequer, formulou qualquer juízo de autocensura quanto aos mesmos.”
17. Tendo entendido “fixar o montante indemnizatório por danos não patrimoniais na quantia de 10.000€” limitando-se a indicar o seguinte:
a) “A lesada foi vítima de tais práticas durante mais de uma década.”
b) “O lesante sabia que a sua conduta, assim prolongada no tempo, constituía um crime violento e executou-o intencionalmente.”
c) “Por fim, nunca revelou qualquer interiorização da ilicitude dos seus atos ou, sequer, formulou qualquer juízo de autocensura quanto aos mesmos.”
18. Ora, também na parte cível da decisão proferida, o Tribunal a quo estava obrigado a proceder a uma análise critica das provas constantes dos autos e a especificar os fundamentos de facto e de direito que se revelaram decisivos para a formação da sua convicção e para a correspondente escolha do quantum da indemnização.
19. A verdade é que o Tribunal a quo não só não fundamentou a decisão proferida, como se socorreu de factualidade que está em frontal contradição com a prova produzida, pelo que nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, a decisão recorrida é nula também na parte cível.
20. De resto, de acordo com o estabelecido na a al. c) do n.º 2 do artigo 344º do CPP a confissão integral e sem reservas implica a “redução da taxa de justiça em metade”.
21. Ainda assim, a douta decisão proferida decidiu condenar o Arguido “no pagamento das custas do processo, na taxa de justiça de 3 UC”, sem que se tenha pronunciado sobre a questão da redução legalmente prevista da taxa de justiça devida e decorrente da confissão integral –
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