Acórdão nº 80/20.2GABBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-02-02

Ano2022
Número Acordão80/20.2GABBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – JUIZ 1))






Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo abreviado n.º 80/20.2GBBR do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Caldas da Rainha – JL Criminal – Juiz 1, mediante acusação pública, foi o arguido HF submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, artigo 5.º do Decreto n.º 2-B/2020, de 02/04, artigo 5.º do Decreto n.º 2-C/2020, de 17/04 e no artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2006, de 03/07.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 25.02.2021, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

Pelo exposto julgo integralmente por provada a acusação e consequentemente:

a) Condeno o arguido HF pela prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, art.º 5º, do Decreto 2-B/2020, de 2 de abril, art.º 5.º, do Decreto 2-C/2020, de 17 de abril e art.º 6.º, n.º 4, da Lei 27/2006, de 3 de julho, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros).

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1.º: O arguido impugna a douta decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art.º 412.º do CPP, por considerar que foram incorretamente julgados provados os factos nos n.ºs 2, 3, 4 e 5 que constam da douta acusação e por considerar que deviam ter sido julgados provados os factos constantes dos art.ºs 8, 9, 10, 12 e 15 da contestação por serem de relevo para a decisão da causa.

a) Os militares da GNR, PJ e FA, declararam nos depoimentos que prestaram que, no dia 09 de abril e 2020, abordaram o arguido, que lhe comunicaram que estava sujeito a um dever geral de recolhimento domiciliário, que o arguido deveria recolher à residência e que se não acatasse a ordem de recolher à residência que incorria na prática de um crime de desobediência e declararam que o arguido acatou a ordem e recolheu à residência.

b) Os militares RM e FM barbosa declararam, nos depoimentos que prestaram, que, no dia 24 de abril de 2020, cerca das 19 horas, se depararam com o arguido e com PM a beberem cerveja num banco na Rua do (…), rua onde o arguido reside e que lhes comunicaram que estavam sujeitos a um dever geral de recolhimento domiciliário, que deram ordem ao arguido e a PG que deveriam recolher às respetivas residência e que se não acatassem a ordem que incorriam na prática de um crime de desobediência. Mais declararam que o arguido e PG acataram a ordem e recolheram às respetivas residências.

c) Conforme resulta das declarações do arguido, no dia 24.04.2020, quando terminou o seu dia de trabalho, a carrinha que o transportou para o trabalho em Lisboa e que o transportou na viagem de regresso à vila do ..., deixou-o cerca das 19h00m no posto de abastecimento de combustível da Repsol, sito na proximidade do seu domicílio, onde, na loja, o arguido comprou uma cerveja para beber e iniciou a viagem de regresso a casa.

d) A testemunha PM declarou no depoimento que prestou que trabalha no continente, que saiu do trabalho em direção a casa, cerca das 19h00m, passou no posto de abastecimento de combustível da Repsol, sito na proximidade do seu domicílio, onde, na loja, comprou uma cerveja para beber e iniciou a viagem de regresso a casa, subiu as escadas que estabelecem comunicação entre o posto da Repsol e a Rua do (…), onde encontrou o arguido, também, de regresso a casa, sentaram-se no banco colocado no patamar das escadas por escassos minutos a fruir aquele momento ao ar livre, a beber a cerveja e a conversar, quando foram intercetados pelos militares da GNR.

e) Conforme resulta das declarações do arguido e do depoimento de MP, na viagem de regresso a casa, no dia 24 de abril de 2020, cerca das 19 horas, o arguido subiu as escadas que estabelecem a comunicação entre o local onde fica situado o posto de abastecimento de combustível da Repsol, e a Rua (…), onde reside, encontrou na parte final das escadas PG, que regressava do trabalho em direção à sua residência e sentaram-se no banco colocado no patamar das escadas, por escasso minutos a fruir aquele momento ao ar livre, a beber uma cerveja e a conversar.

f) À data, em 24 de abril de 2020, não era proibido adquirir bebidas alcoólicas nos postos de abastecimento combustível, bebidas que, apenas, podiam ser ingeridas no exterior, não era proibido ingerir bebidas alcoólicas na via pública, e, também, não era proibido sentar-se nos bancos existentes nos passeios das ruas e nos jardins, a beber bebidas alcoólicas.

g) Como consta da fundamentação da douta sentença recorrida, o comportamento do arguido constituía uma situação fortuita, pois o arguido regressava do trabalho e encontrou um amigo que, também, regressava do trabalho, e trazendo ambos, uma cerveja, sentaram-se no banco que existia no passeio da Rua do (…) a conversar por uns minutos, a beber a cerveja.

h) Salvaguardado o devido e merecido respeito que nos merece a Meritíssima Juiz a quo, que é muito, parece-nos, claramente, que as circunstâncias fácticas do dia 09 de abril de 2020, são totalmente distintas das circunstâncias fácticas do dia 24 de abril de 2020 e que o arguido não teve consciência de que os atos por si praticados no dia 24 de abril de 2020 constituíam incumprimento do dever de recolhimento domiciliário.

i) O Tribunal a quo não podia ter dado como provado que o arguido desobedecia a uma ordem legal, emanada de autoridade competente, que lhe foi regularmente comunicada, bem como as cominações a que estaria sujeito caso não cumprisse a mesma, pois a ordem que foi dada ao arguido no dia 09 de abril de 2020 não vigorava no dia 24.04.2020, pois a lei ao abrigo da qual a mesma ordem foi dada o Decreto 2-B/2020 de 02 de abril, tinha deixado de vigorar no dia 17 de abril de 2020, porque às 0h00m do dia 18 de abril de 2020 tinha entrado em vigor o Decreto 2-C/2020 de 17 de abril, que na alínea a) do artigo 49.º (Decreto 2-C/2020) o revogou.

j) No dia 24 de abril de 2020, o arguido não cogitou a possibilidade de estar a incumprir o dever geral de recolhimento, não teve consciência, e, consequentemente, não teve vontade de desobedecer à ordem que lhe foi dada no dia 09 de abril de 2020 (ao abrigo do Decreto 2-B/2020), que no dia 24 de abril não vigorava.

k) O arguido cumpriu a ordem que lhe foi dada no dia 09 de abril de 2020, pois recolheu ao domicílio. No dia 24 de abril de 2020, na vigência do Decreto 2-C/2020 de 17 de abril o arguido não faltou à obediência devida às ordens que lhe foram regularmente comunicadas pelos militares RM e FM, pois o arguido acatou a ordem e recolheu ao respetivo domicílio.

l) Com fundamento nos concretos meios probatórios constantes da gravação da audiência supra descritos, designadamente, nas declarações prestadas pelo arguido, nos depoimentos prestados pelas testemunhas RM, FM, FA e PJ, nos depoimentos prestados pelas testemunhas JC, JL e PM, em que o arguido/recorrente fundamenta a impugnação que deduz sobre a decisão da matéria de facto constante dos factos nºs 2, 3, 4 e 5 da douta acusação, considerados provados, e, ainda, dos art.ºs 8, 9, 10, 12 e 15 da contestação, considerados não provados, e que são de relevo para a decisão da causa, o arguido requer que seja proferida decisão sobre as questões de facto impugnadas, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, considerando não provados os factos 2, 3, 4 e 5 (constantes da douta acusação), ou, apenas, provado o seguinte:

2. Aquando o referido no art.º 1.º, o arguido foi informado que o não acatamento da referida ordem de recolhimento o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, ordem que o arguido cumpriu.

3. O arguido, no dia 24/04/2020, cerca das 19h foi avistado na companhia de PG, sentado num banco municipal, na Rua (…), na vila do ..., a consumir uma cerveja.

4. Ao agir como agiu no dia 24.04.2020, o arguido não teve consciência, nem, consequentemente, teve vontade de faltar à ordem que lhe foi dada no dia 09 de abril de 2020.

5. O arguido agiu sem ter consciência de que o seu comportamento era proibido por Lei.

m) O arguido requer, ainda, que seja proferida decisão sobre as questões de facto impugnadas, alterando-se a decisão sobre a matéria de facto, e relativamente à matéria constante dos artigos 8, 9, 10, 12 e 15 da contestação, que se considere provado o seguinte:

8. No dia 24.04.2020, e, também, nos restantes dias úteis do mês de abril, o arguido trabalhou numa obra em Lisboa por conta da sua entidade patronal. No dia 24.04.2020, quando terminou o seu dia de trabalho, a carrinha que o transportou para o trabalho em Lisboa e que o transportou na viagem de regresso à vila do ..., deixou-o cerca das 19h00m no posto de abastecimento de combustível da Repsol, sito na proximidade do seu domicílio, onde, na loja, o arguido comprou uma cerveja para beber e iniciou a viagem de regresso a casa.

9. Na viagem de regresso a casa, o arguido subiu as escadas que estabelecem comunicação entre o local onde fica situado no posto de combustível da Repsol, e a Rua (…), onde reside, encontrou nesse local PG que, também, regressava do trabalho em direção a casa.

10 e 15. O arguido sentou-se, uns minutos, no banco colocado no patamar das escadas na Rua …. (onde o arguido reside) a conversar com PG que encontrou naquele local, também, regressando do trabalho em direção à sua residência e bebeu a cerveja que tinha comprado nas condições referidas no n.º 8.

12. O arguido regressava do trabalho, estava a regressar ao seu domicílio pessoal, sentou-se no banco, por escassos minutos, para fruir aquele momento ao ar livre.

2º: Errada interpretação e errada aplicação do disposto nos art.ºs...

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