Acórdão nº 795/22.0JALRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 22-11-2023

Data de Julgamento22 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão795/22.0JALRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1)

Relatora: Alcina Ribeiro
1.ª Adjunta: Ana Carolina Cardoso
2.º Adjunto: Paulo Guerra

I. RELATÓRIO

1. …, foi o arguido, , CONDENADO, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de 10 (dez) anos de prisão;

2. Inconformado, recorre o arguido, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

Nona

Não foi produzida qualquer prova testemunhal que permita dar como provado … que o arguido desferiu com força e com o tubo metálico, um golpe na cabeça de ….

Décima

A prova pericial constituída pelo relatório de autópsia assentou essencial e determinante, conforme esclareceu o Senhor Perito Médico, na informação circunstâncial reproduzida ipsis verbis em itálico no campo “2. Conteúdo da Informação” a fls. 310 a 311, cuja origem corresponde exatamente ao teor de fls. 27 do Auto de Inspeção Judiciária elaborado e subscrito no mesmo dias dos factos, 06/08/2022, pelo Senhor Inspetor da Polícia Judiciária que teve a incumbência da investigação.

Décima Primeira

Tal informação é tendenciosa e incompleta porquanto não foi atualizada por omissão deliberada e consciente de realização de diligências de prova ordenadas pelo MP …

Décima Segunda

A omissão deliberada da realização de tais diligências de prova inquina toda a prova pericial constituída pelo relatório de autópsia, no qual, tal como admitido pelo Senhor Perito Médico que o subscreveu, o seu labor foi encaixar o que lhe era dado a observar, como se peças de um puzzle fossem, no puzzle completo que lhe foi oferecido pela PJ, pelo que quando as peças não encaixavam, faziam-se encaixar.

Décima Terceira

A nulidade de insuficiência de inquérito, prevista na al. d) do nº 2 do art. 120º do CPP foi arguida na sessão de audiência de 19/06/2023 …

Décima Quarta

A questão desta nulidade consta arguida na ata daquela sessão de audiência e aí foi decidida por despacho que a julgou extemporânea e por não constituir uma nulidade insanável, despacho de que o arguido não recorreu.

Décima Quinta

Contudo do não recurso não resulta que tal nulidade não seja intrínseca ao inquérito e que o inquine, tal como inquinou a elaboração do relatório de autópsia.

Vigésima Primeira

Foi usurpada pelo mesmo Senhor Inspetor a competência de direção do Inquérito, assim se concentrando numa única entidade as competências de direção e investigação, assim se logrando obter um relatório de autópsia que, elaborado de boa-fé pelo Senhor Perito Médico, partiu de informação incompleta e que poderia ser bem diferente, nomeadamente no que respeita às causa da morte (apurassem-se elas ou não, hipótese esta clara e expressamente admitida pelo Senhor Perito Médico) se a investigação ordenada no aludido despacho do MP tivesse sido realizada pela PJ.

Vigésima Segunda

No que respeita à intenção do arguido na sua conduta, ou seja o porquê da sua abordagem ao … e dos termos em que a fez, não estando provado qualquer comportamento que admita concluir pela premeditação de comportamento criminoso,

Vigésima Quinta

Por falta de prova concludente que ultrapasse qualquer dúvida razoável não poderiam ter sido dados como provados quer a causa da morte quer a intenção de matar, …

Vigésima Sexta

Admitindo-se, por mera hipótese e sem prejuízo da conclusão antecedente, que “A morte de … ficou a dever-se a asfixia mecânica por compressão torácica.” produzida pelo recorrente, também tem de se admitir que o recorrente deveria ter previsto o desfecho de tal compressão, apesar de, enquanto efetuava tal compressão, mesmo que de forma não muito intensa, tal poderia causar a morte, conforme, aliás, esclareceu o Senhor Perito Médico.

Vigésima Sétima

Ora não tendo o arguido intenção de matar …, razão pela qual gritava que chamassem a GNR/Polícia, sendo a causa da morte a asfixia por compressão toráxica, era exigível ao arguido que prevesse o desfecho da mesma, ainda que com o mesmo não se conformasse nem o mesmo pretendesse, o que constituem elementos típicos do crime de homicídio por negligência, ou seja, ainda que sendo previsível o desfecho, o arguido não o previu.

Vigésima Nona

Quanto à medida da pena e sem prejuízo das duas conclusões antecedentes, ainda se dirá que atendendo às circunstâncias concretas do caso, a pena aplicada revela-se excessiva …

II. QUESTÕES A DECIDIR

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

.

III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Nulidade por insuficiência de inquérito

O Recorrente destina as Conclusões 10:ªa 15:º a invocar a nulidade por insuficiência de inquérito, uma vez que o Senhor Inspector da Policia Judiciária não realizou as diligências que foram ordenadas pelo Ministério Público.

Tal nulidade foi arguida em audiência, na sessão de 19 de junho de 2023, sobre a qual recaiu o seguinte despacho: Em face do exposto, o Tribunal considera, por um lado, extemporânea a invocação da nulidade da causa e, por outro, que não se verifica qualquer nulidade insanável, nomeadamente a invocado».

Notificado deste despacho, assistia o direito ao arguido de o impugnar por via do Recurso.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 411º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, o prazo de interposição do recurso é de 30 dias a contar, nos casos de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

Considerando, no caso, que a decisão foi proferida oralmente, no dia 19 de junho de 2023, tendo sido notificada ao Recorrente nesse mesmo dia, facilmente se conclui que, desde então decorreram já mais de 30 dias, sendo, por isso, extemporâneo o recurso agora interposto pelo Recorrente.

Consequentemente, transitou em julgado o despacho sindicado (cf. artigo 628º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal), encontrando-se esgotado o poder jurisdicional sobre aquela questão.

Não se vislumbrando nem sendo arguida qualquer nulidade insanável, as questões suscitadas pelo Recorrente nas Conclusões 10.ª a 15.º são manifestamente improcedentes.

2. Omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade

Insurge-se o Recorrente contra dois despachos proferidos em audiência, na sessão de 19 de junho de 2023: i) o que indefere a prestação de esclarecimentos por parte da Senhora Perita médica … e ii) o respeitante ao indeferimento da reprodução do vídeo que cintem as declarações de … prestadas a um canal de televisão, por inexigência legal, sendo a sua valoração ou não valoração efectuada em sede de decisão final.

Estes despachos não foram impugnados pelo Recorrente, pelo que, aplicando mutatis mutandis os fundamentos de facto e de direito referidos no ponto anterior, já transitaram em julgado, não podendo, ser reapreciados.

3. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

3.1. Os poderes de cognição do Tribunal de Recurso

Como é por demais sabido, o julgamento da causa realiza-se na primeira instância, sob a égide dos princípios da oralidade e imediação, garantes do principio da livre apreciação da prova por parte do julgador inscrito no artigo 127.º, do Código de Processo Penal e onde são produzidas as todas as provas e ouvidas as pessoas que hajam de prestar declarações.

E é precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em primeira instância e os meios de prova que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e que de todo em todo o tribunal do recurso não dispõe. [Acórdão da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1, http://www.dgsi.pt].

A oralidade e a imediação permite que «as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens.» - Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, pág. 68.

Só estes princípios permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, as testemunhas, partes civis e assistentes, a recolha da impressão deixada pela personalidade de cada um. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais» - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, 1974, páginas 233 a 234.

A garantia do duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, faculta aos sujeitos processuais a possibilidade de reagir contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto e não já a realização de um segundo julgamento.

Esse o motivo pelo qual o artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal impõe ao sujeito processual que impugne a decisão sobre a matéria de facto, o ónus da especificação sobre: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas.

Em síntese, podemos afirmar que, quando o recurso aponta à decisão sobre a matéria de facto, um erro de julgamento, nos termos em que o faz o recorrente, deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação [artigo 412º, nº3, al. a)].

Dito de outro modo, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Outubro de 2014 (proferido no processo nº 27/12.0JACBR.C1):

«estando em causa declarações ou depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de...

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