Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 77/19.5JASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-06-07)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

Na Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Santiago de Cacém, J1 - correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual foi julgado o arguido AAA, (…)

a quem foi imputada a prática de factos que integram a autoria material, na forma consumada, em concurso real efectivo de, pelo menos, dois crimes de abuso sexual de crianças, agravados, p. e p. pelos artigos 14°, nº 1, 26°, 171º, nº 1, 177º, nº 1, alínea c), 69º-B, nº 1 e nº 2, e 69º-C, nº 1 e nº 2, todos do Código.

BBB, constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, com fundamento nos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência dos factos constantes da acusação de que é ofendida, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global de € 2.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal.


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A final - por sentença lavrada a 06 de Outubro de 2021 - veio a decidir o Tribunal recorrido:

A) Condenar o arguido, AAA, pela prática nos dias 20 e 21 de Abril de 2019, com dolo directo (Artigo 14º, nº 1, do Código penal), como autor material (Artigo 26º, parte, do Código Penal), na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo Artigo 171º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão (penas principais) por cada um, ao abrigo do disposto nos Artigos 70º, 40º e 71º, do Código Penal.
B) Em cúmulo jurídico dessas penas, fixar ao arguido a pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática dos referidos crimes, nos termos do disposto no Artigo 77º, nº 1, do Código Penal.
C) Suspender a execução dessa pena por igual período (a contar do trânsito em julgado), ao abrigo do disposto no Artigo 50º, nºs 1 e 5, do Código Penal.
D) Aplicar ao arguido a pena acessória prevista no nº 2 do Art. 69º-C do Código Penal, que consiste na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 5 (cinco) anos.
E) Condenar o arguido em 3 UC de taxa de justiça e nas custas do processo, nos termos do disposto nos Artigos 513º e 514º do CPP e nos Artigos 8º, nº 9, e 16º do Regulamento das Custas Processuais (e respectiva Tabela III anexa).
F) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente BBB e, em consequência, condenar o arguido demandado, AAA, a pagar-lhe a quantia peticionada de €2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros à taxa legal, que é a de 4% ao ano, desde a data da notificação para contestar o pedido.
Não são devidas custas (Art. 4º, nº 1, alínea n), do RCP).

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O arguido, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.º O presente recurso tem como objeto: toda a matéria de facto e de direito da r. sentença proferida nos presentes autos.
2.º Em termos de matéria de fato impugna o Recorrente o teor da r. Sentença: a) manifesto erro de julgamento da matéria de fato submetida a apreciação do Tribunal; b) insuficiência da prova produzida em audiência de julgamento, bem assim, como daquela que s encontra entranhada nos autos para sustentar a acusação e a Decisão da matéria de fato provada; c) Violação dos princípios da inocência e In dubio pro reo.
3.º No que respeita à matéria de direito impugna o Recorrente o teor da Sentença recorrida pela violação dos Princípios da presunção de inocência, in dúbio pro reo e da estrutura acusatória Processo Penal, referente à sua condenação por 2 crimes de abuso sexual;
4.º Nos termos da respeitável Sentença a recorrente foi: condenado, pela prática nos dias 20 e 21 de abril de 2019, com dolo direto (Artigo 14º, nº 1, do Código penal), como autor material (Artigo 26º, parte, do Código Penal), na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo Artigo 171º, nº 1, do Código Penal.
5.º No que se refere a Recorrente, o tribunal a quo julgou provados os factos transcritos no n.º 3 das motivações deste recurso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6.º A Sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de fato, uma vez que, através da matéria apreciada, deu provados fatos manifestamente inconciliáveis quer com a prova produzida em audiência de julgamento, quer com a que se encontra junta aos autos.
7.º O que se teve por provado está em manifesta desconformidade com o que realmente se provou e não provou em audiência de julgamento, sendo as conclusões vertidas na Sentença ilógicas e inaceitáveis.
8.º A condenação do Recorrente, no âmbito da factualidade dada por provada, emerge do que se encontra vertido nos pontos “6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 24, 23, 28, 26” dos fatos provados na Sentença recorrida, apesar da prova produzida em julgamento não permitir extrair tais conclusões, ou menos ainda, autoriza que se possam criar conjeturas na referida factualidade provada, como feito na Sentença recorrida.
9.º A prova que se produziu em julgamento e toda aquela que se encontra junta aos Autos permite atestar que o Recorrente, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar ali descritas, não abusou sexualmente, ofendeu por qualquer forma a menor BBB.
10.º Além do mais, o Tribunal a quo, deu sinais no teor da Sentença recorrida, de ter efetuado uma apreciação probatória manifestamente tendenciosa e em favor da versão que quis fazer vingar na sua decisão, o que para além de ilegal é avesso da prova produzida.
11.º E para se verificar esta situação, basta deitar os olhos na fundamentação da Sentença recorrida, em rigor na pág. 8 de 26 da r. sentença, no ponto 1.3. Motivação da decisão de facto, Os meios de prova pré-constituídos, foram: o relatório do exame médico-legal de psicologia; As declarações para memória futura; e Os meios de prova produzidos na audiência de julgamento: Os depoimentos das testemunhas CCC e DDD (pais da criança).
12.º Esse Relatório de perícia psicológico-forense não pode ser um meio de aportar aos autos um depoimento testemunhal que não foi prestado perante autoridade judiciária - depoimento obtidos do que se ouviu a uma menor não constitui não pode ser atendido como meio de prova pelo tribunal. (Ac do Tribunal da Relação do Porto de 11-06-2018 (Processo: 0745662; Relator: António Gama – in www.dgsi.pt).
13.º Esse Relatório de perícia Médico-Legal Psicologia configura mera perícia de personalidade, sobre a capacidade de depor da menor, do art.º 131.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e a isso se restringe.
14.º A menor BBB consoante aludido relatório, apresentava competências, que lhe permitiam nos termos do artigo 131.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ser testemunha.
15.º O Tribunal a quo suportou a fundamentação da r. Sentença recorrida amparada, única e exclusivamente nos depoimentos das testemunhas CCC e DDD (pais da criança), aqui Assistentes e demandantes civis, verdadeiros depoimentos indirectos.
16.º Assim considera violados desde já os princípios da presunção de inocência, do contraditório, da estrutura acusatória em processo penal, tal como e ainda as garantias de defesa, consagrados nos art.ºs 32.º, nºs. 1 a 10 da Constituição da República Portuguesa e 129.º do Código de Processo Penal.
17.º Violado ainda o artigo 133.º, n.º 1, b) e c), do Código de Processo Penal, pois, estão impedidos de depor como testemunhas, “As pessoas que se tiverem constituído assistente e as partes civis;
18.º Violado art.º 128º n.º1 do Código de Processo Penal, pois em julgamento a testemunha “é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.”
19.º E foi com esse espírito de proteção, que com base no artigo 356º n.º 7 do C. P. Penal que proíbe que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida deponham sobre o conteúdo destas foi prescindido pelo Ministério Público das 2 (duas) testemunhas: - EEE, inspetora da polícia judiciaria de Setúbal; e - FFF, inspetora da polícia judiciaria do (…). (cfr. Ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 21/09/2021 (Referência citius: 93155129)
20.º Essas duas testemunhas “responderam que não tinham conhecimento de qualquer outro facto, para além dos que decorreram dessa inquirição perante a PJ.” ((cfr. Ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 21/09/2021 (Referência citius: 93155129)
21.º Ora, os Pais da ofendida ouvidos na audiência de julgamento descreveram o que a ofendida supostamente lhes disse, e não que diretamente presenciaram, estando ambos a produzir um depoimento indireto. (vide artigo 77 da motivação e r. Sentença, início do primeiro parágrafo da página 9 de 26);
22.º Ora, se a menor contou aos pais quaisquer fatos constantes da acusação, o fez fora de um contexto de audiência.
23.º E por esta razão, não podem valer em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do Tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. (Art. 355.º, do CPP)
24.º As declarações das testemunhas de ouvi dizer, só ganham relevo se a testemunha prestar depoimento no processo, normalmente depoimento em audiência ou que possa ser considerado em audiência;
25.º E nas declarações para memória futura prestadas pela criança ao JIC na fase de inquérito (inquirida para memória futura a fls. 124, estando as suas declarações transcritas de fls. 161 a 172) a menor refere não lembrar de quaisquer um dos fatos narrados na acusação e que flagrante contradição insanável e erro notório na apreciação da prova foram dados como provados; (cfr. a pág. 20 da transcrição das DMF, na parte em que a criança responde ao JIC “não me lembro” e cfr. a pág. 21 da transcrição das DMF, na parte em que a criança responde ao JIC pela 2.ª vez “não me lembro”) – Cfr....

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