Acórdão nº 767/22.5PBMTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-21

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão767/22.5PBMTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 767/22.5PBMTS.P1



Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

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1. RELATÓRIO:

Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum Coletivo nº 767/22.5PBMTS do Juízo Central Criminal de Vila do Conde (J3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi em 15.11.2023 proferido acórdão, no qual se decidiu (transcrição):

“Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julga a acusação procedente e consequentemente decide:
A) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo art. 203º, n.º1 e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal , na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução , por igual período de tempo sujeito ao regime de prova mediante um plano individual de readaptação social - art. 52º, 53º e 54º, todos do Código Penal
B) Condenar o arguido BB pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo art. 203º, n.º1 e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses , suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeito ao regime de prova mediante um plano individual de readaptação social - art. 52º, 53º e 54º, todos do Código Penal
C) Condenar o arguido CC pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido, pelo art. 203º, n.º1 e 204º, nº 2 al. e) do Código Penal com a agravante da reincidência , art. 75º e 76º do CP na pena de três anos e quatro meses de prisão.
D) Condenar os arguidos em 2 UC de taxa de justiça.
(…)”

Inconformado com esta decisão, o arguido CC interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

a) A decisão do Tribunal “a quo” é nula por omissão de pronuncia, impunha-se a aplicabilidade da Lei da Amnistia prevista na Lei 38-4/2023;
b) Ao não considerar a sua aplicabilidade a sentença é nula por omissão de pronuncia nos termos art.º 379.º n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
c) as condições pessoais do arguido, a sua conduta posterior aos factos, a natureza do crime em causa e as necessidades de prevenção geral e especial, parece-nos justo e adequado fixar-lhes uma pena de prisão não superior a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual terá ainda de ser amnistiada nos termos da Lei 38-A/2023;
d) No caso dos autos, as finalidades da punição não exigem o cumprimento da pena de prisão aplicada, uma vez que a substituição da mesma não é susceptível de defraudar as expectativas da comunidade nem a noção de eficácia do ordenamento jurídico na defesa do bem jurídico protegido pela incriminação em causa (prevenção geral).
e) a necessidade de ressocialização do arguido não exige o cumprimento da pena de prisão a aplicar, uma vez que as exigências de prevenção especial são apenas médias. Sendo por isso de admitir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
f) Deve-se, portanto, determinar que a suspensão da execução da pena de prisão, fixada ao arguido, seja acompanhada de regime de prova, em conformidade com o disposto no referido artigo 53º do Código Penal, o qual consiste no acompanhamento do mesmo pela D.G.R.S. durante o período da suspensão, com vigilância e apoio, de acordo com o plano de reinserção social que esses serviços vierem a elaborar (em conformidade com o disposto no Artigo 54º do Código Penal), o qual será submetido a homologação judicial (nos termos do disposto no Artigo 494º, nº 3, do C.P.P.).
Dessa forma, V. Ex. as farão a costumada JUSTIÇA”
Por despacho proferido em 21.12.2023, foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância na resposta que apresentou, sustenta que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo e pugna pela sua confirmação integral, após pronúncia sobre cada uma das questões suscitadas no recurso e que se resumem como segue:
- o ilícito pelo qual o arguido foi condenado e acusado, atenta a sua moldura, jamais poderia beneficiar da amnistia concedida pelo artigo 4.º Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
- tendo em conta a pena concreta aplicada anteriormente pela prática de ilícitos contra o património – dois anos de prisão -, a condenação sofrida nestes autos, naturalmente teria que ter uma graduação da pena concreta superior, pelo que nada há a apontar à pena concreta aplicada nos autos, diga-se, ainda abaixo do limiar médio da moldura penal aplicável.
- uma vez que não é possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao recorrente, a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada jamais poderá ser suspensa.

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), adere sem reservas às considerações e motivos constantes da proficiente resposta apresentada pelo Digníssimo magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância que convoca e para as quais remete e cujo conteúdo factual, descritivo e narrativo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e que desta peça faz parte integrante e incindível, devendo, por conseguinte, julgar-se o recurso improcedente e manter-se o Acórdão recorrido nos segmentos impugnados, nada mais tendo a acrescentar por tudo já ter sido dito, debatido e equacionado, evitando-se assim o calvário ou via sacra de inúteis e fastidiosas repetições (e porventura acabar por (re)dizer o mesmo por outras palavras numa ilusória aparência de inovação).
No entanto, em total sintonia com os argumentos e razões lucidamente defendidas na doutíssima resposta do Ministério Público apresentada em 1.ª instância, reduzindo a analise à matéria que consta apenas do processo, e no que diz ser um brevíssimo, lacunar e curto opusculo, tece considerandos que se alongam por mais de 30 páginas acompanhados de citação de extensa jurisprudência, para concluir pela “desinência da pretensão formulada, se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se o Acórdão recorrido nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas.”

Não foi produzida qualquer resposta ao parecer.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, disponível in www.dgsi.pt.: “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.

Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal prendem-se com:

1ª Nulidade por omissão de pronuncia relativamente à aplicação da Lei da Amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08;
2ª Medida da pena;
3ª Aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
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Com relevo para a resolução das questões objeto do presente recurso importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida e a fundamentação da escolha e medida da sanção da decisão recorrida que se transcrevem:

“II. FUNDAMENTAÇÃO
Discutida a causa e com relevância para a sua decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1- No dia 14 de junho de 2022, por volta das 02h15 da manhã, os arguidos CC, AA e BB deslocaram-se à escola profissional «A...», sita na Rua ... Matosinhos, pertencente à sociedade “A..., Lda.”, a fim de se apoderarem dos objetos de valor que aí se encontrassem, de acordo com um plano previamente acordado entre todos.
2- No local, o arguido BB ficou no interior do veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-JE-.., marca Renault, modelo ..., a vigiar as imediações,
3- Por seu turno, o arguido CC arremessou uma pedra a uma das janelas da escola profissional e subiu até ao parapeito da mesma, destrancou a janela, logrando, assim, entrar no interior da escola, seguido do arguido AA.
4- Já no interior, os arguidos CC e AA dirigiram-se ao escritório sito no primeiro andar da escola profissional e dali retiraram e levaram consigo 2 (dois) computadores portáteis da marca Acer, de cor preta, 1 (uma) garrafa de whisky da marca «Captain Morgan», 1 (uma) garrafa de vinho de Setúbal da marca «Rosário» e 1 (uma) garrafa de amêndoa amarga, da marca «a morgadinha».
5- Ato contínuo, os arguidos CC e AA dirigiram-se à sala de informática localizada no rés-do-chão da escola profissional e dali retiraram e fizeram seus, 2 (dois) computadores da marca Toshiba, de cor preta, 1 (um) computador da marca LG, de cor cinza, 1 (um) computador da marca Acer, de cor preta, 4 (quatro) computadores da marca Lenovo, de cor cinza, 1 (um) computador da marca Asus, de cor cinza, 1 (um) computador portátil e 1 (um) videoprojector da marca Epson, de cor branca, e 4 (quatro) videoprojectores da marca Benq, de cor preta.
6- Os arguidos retiraram do interior da escola profissional e fizeram seus, 21 (vinte e um) objetos no valor global aproximado de € 7.000,00 (sete mil euros).
7- Os arguidos agiram de
...

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