Acórdão nº 676/21.5T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-04-18

Ano2023
Número Acordão676/21.5T9STR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º676/21.5T9STR.E1, foi o arguido AA, titular do número de identificação civil …, solteiro, filho de BB e CC, nascido em …1977, natural de …, residente na Rua … n.º …, …, absolvido e condenado nos seguintes termos:

- Absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de uma contraordenação por não cedência de passagem em rotunda, prevista e punida pelos artigos 31.º n.ºs 1, alínea a) e 3, 135.º n.º 1 e 145.º n.º 1, alínea f), todos do Código da Estrada.

- Condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º n.ºs 1, alínea a) e b), do Código Penal e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros);

- Condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200.º n.º 2, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros);

- Condenado, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), nos termos do disposto nos artigos 30.º n.º 1 e 77.º, do Código Penal;

- Condenado na pena acessória de 6 (seis) meses de proibição de conduzir veículos a motor, nos termos dos artigos 69.º n.º 1, alínea a) e 291.º n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

***

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1 - O tribunal a quo entendeu que o arguido ora recorrente praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200.º n.º 2, do Código Penal (e também um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que não está aqui em causa).

2 - Consequentemente, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenou o arguido na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), nos termos do disposto nos artigos 30.º n.º 1 e 77.º, do Código Penal.

3 - O recorrente entende que não praticou tal crime de omissão de auxílio e que a sentença enferma de vários vícios, designadamente, contradição insanável entre os factos provados e os não provados e deficiente apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, daí que vai necessariamente impugnada a matéria de facto (cf. artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal).

4 - No que respeita à matéria de facto provada na sentença recorrida, foi incorretamente julgado, designadamente, o PONTO 7.

5 - Na motivação de facto, o tribunal recorrido sustenta esta ilação de facto dizendo que, no que respeita aos elementos subjetivos dos crimes…em causa nos presentes autos (factos provados n.ºs 6, 7…) o mesmo infere-se da conjugação dos factos provados que consubstanciam os seus elementos objetivos com as regras da experiência comum. (cf. pág. 10).

6 – Resulta do Facto Provado 19 e dos Factos Não Provados a) e c), que o arguido não abandonou o local (da ocorrência), antes veio a imobilizar voluntariamente o veículo em local visível a olho nu do local do embate.

7 – E deles resulta também que não colocou em perigo a vida do condutor do veículo ….

8 - Por outro lado, inexplicavelmente, o tribunal rejeitou os seguintes depoimentos:

- DD, agente da Esquadra de Trânsito da Polícia de Segurança Pública de …, vide ata Refª: … da sessão de 15/11/2022 (sessão gravada 20221115150742_3007671_2871715, minutos 06.01, 08.22, 08.29 e 11.37, correspondentes respetivamente às alíneas infra) que referiu:

é contactada pelo 112 quando há feridos e que accionam logo os bombeiros até à sua chegada, que os bombeiros voluntários já lá estavam quando chegaram ao local (depois disse não ter a certeza se os bombeiros já lá estavam ou não); b) que foi o condutor do … (i.e. o ofendido EE) que lhe disse que o interveniente (i.e., o arguido) estava mais à frente; c) estavam lá várias pessoas junto ao senhor (i.e. o ofendido), também lá se encontrava alguém conhecido do senhor do …; d) ter chegado (a ET da PSP) ao local cerca de 10 minutos depois do embate.

- EE, ofendido/condutor do … de matrícula …, vide ata Refª: … da sessão de 15/11/2022 (sessão gravada 20221115152107_3007671_2871715, minutos 03.48 e 04.06, correspondentes respetivamente às alíneas infra) que referiu: a) que o arguido acabou por parar um pouco mais à frente, perto da Farmácia …; b) textualmente que “Eu fiquei por lá, houve outros carros que pararam ao pé de mim para saber se eu estava bem, acabei por sair do carro e quando vi, já havia pessoas lá em cima perto…do arguido…pronto, depois entretanto apareceu a polícia”.

8 - A ilação de facto vazada no Facto Provado 7 não corresponde à verdade, porquanto o quadro assistencial referido por ambas as testemunhas não compagina minimamente com qualquer cenário de omissão de auxílio.

9 - O crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, exige a concretização do perigo, que há-de resultar demonstrado das circunstâncias concretas do caso, pois que não basta a existência de um perigo abstrato ou presumido, sendo que a obrigação de auxílio que recai sobre o agente só existe em caso de “grave necessidade”.

Em conformidade, não se verifica a prática do referido crime se não resulta da matéria de facto que em consequência do acidente o ofendido ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física (para além das lesões concretas que sofreu em consequência do acidente) e que do embate (…) tivesse resultado um grave perigo para a vida do ofendido.

10 - Pelo que, deverão Vs. Exas. alterar a resposta ao quesito, dele se extraindo, designadamente, que o arguido / recorrente não abandonou o local, nem se alheou da situação de necessidade do ofendido, pois este não ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física, como resulta demonstrado das circunstâncias concretas do caso.

11 - Consequentemente, devem dar-se por não provados os factos constantes da decisão de facto correspondentes aos seguintes Pontos:

- PONTO 7, nas partes que referem que: o arguido abandonou o local; que se alheou por completo da situação de perigo de lesão da integridade física do ofendido; e que este ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física.

- demais PONTOS, nas partes que estejam em contradição com as alterações a efetuar no Ponto 7, acima assinaladas.

12 - Dispõe o n.º 3 do artigo 412.º que o recorrente pode pedir a alteração da decisão de facto, por a achar incorretamente julgada, já que na mesma não encontra fio lógico que lhe permita avaliar do bem fundado da conclusão jurídica dela extraída. Na verdade, a matéria de facto provada e atenta a motivação que subjazeu à mesma, deixa algo pouco percetível para a explicação que se pretendeu dar na mesma para a julgar provada, o que denota erro de julgamento da mesma.

13 - Com efeito, tomando o facto dado por provado no PONTO 7, o Tribunal a quo, fundou-se num raciocínio inferencial sobre a conjugação dos factos provados que consubstanciam os … elementos objetivos (do crime de omissão de auxílio) com as regras da experiência comum. Ora, nem se verificam todos os elementos objetivos do crime (designadamente, situação de perigo iminente de lesão grave da integridade física do ofendido), nem as regras de experiência comum apontam no sentido ajuizado (mormente, abandono do local pelo arguido).

14 - Estas as incoerências de uma motivação da matéria de facto que impedem o seguimento do fio lógico-racional por parte do arguido, e que à luz do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao vertido no artigo 374.º, n.º 2, a qual deve ser corrigida pelo tribunal superior com a alteração da matéria de facto, por existir nos autos prova suficiente que infirma o ajuizado no Facto Provado 7.

15 – O tribunal a quo extraiu factos provados sem que se perceba qual o iter lógico-racional para até eles chegarem, como é que se ultrapassou a incoerência de se darem provados e não provados factos excludentes da responsabilidade penal, v. g., Facto Provado 10 e Facto Não Provado a), por outro, na motivação de facto, diz-se que os factos provados…consubstanciam os … elementos objetivos do crime de omissão de auxílio.

16 – Ora, o arguido entende que não cometeu o crime de omissão de auxílio, precisamente porque não se verifica a imputação objetiva.

17 – À cautela, vai invocado o pertinente erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação da lei – mormente dos artigos 200.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e 127º do Código de Processo Penal, normas jurídicas assim violadas (art. 412º, nº 2, alínea a), do CPP).

18 – Em conclusão, a Mma. Juiz a quo fez errada determinação dos factos provados, o que fundamenta o uso dos poderes conferidos a essa Relação, a qual conhece de facto e de direito, previstos no n.º 3 do artigo 412.º, visando a alteração da matéria de facto conforme acima melhor se deixou impugnado, por incorrer na nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º, com referência ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP, devendo Vs. Exas. suprir a mesma ou usando dos acima referidos poderes previstos na citada disposição legal, o que se requer, ou ainda, usar dos previstos na al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo diploma legal, para o caso de se entender ter havido errada apreciação da prova, decorrente do texto do sentenciado, o que é de conhecimento oficioso, em face dessa...

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