Acórdão nº 64/17.8GBPS.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 20-03-2024
Data de Julgamento | 20 Março 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 64/17.8GBPS.C2 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS)) |
Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO
1. Por sentença cumulatória de 1 de junho de 2023, proferido pelo Juízo Local Criminal de Porto de Mós, da Comarca de Leiria, no processo comum singular n.º 64/17.8GBPMS, foi decidido:
Operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas à arguida AA nos presentes autos e nos autos n.º16/15.... e, em consequência, condená-la numa pena única de três anos prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova
*
2. Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida AA, formulando as seguintes conclusões:
1ª
O presente recurso visa exclusivamente discutir a omissão de qualquer
abordagem, na douta decisão recorrida, ao desconto do período de suspensão de execução da pena de prisão cumprido no âmbito do processo nº 16/15.... e nos presentes autos.
2ª
Ponderando as penas únicas que antecederam a realização do cúmulo em questão, verifica-se que, em cumprimento sucessivo, estas terminariam em 04/09/2025.
3ª
Agora, determinada uma pena única de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, e considerando que se conta tal período do trânsito da decisão cumulatória, a nova pena única conjunta cessará em 01/06/2026 – a que corresponde um acréscimo real em termos de pena de cerca de 9 meses.
4ª
Do ponto de vista formal, a arguida recorrente cumpriu 1 ano, 4 meses e 26 dias de SEPP no âmbito do processo 16/15...., e 5 meses e 18 dias de SEPP no âmbito dos presentes autos.
5ª
Da perspetiva substancial, considerando a SEPP com regime de prova e a necessária emissão e homologação de plano de reinserção social, a arguida cumpriu 7 meses e 6 dias de suspensão no âmbito do processo 16/15...., e 2 meses e 17 dias de suspensão no âmbito dos presentes autos, isto considerando apenas desde o momento da homologação dos respetivos planos de reinserção.
6ª
Portanto, independentemente das interpretações possíveis relativas ao início da pena de SEPP, da perspetiva mais restritiva a arguida cumpriu um total de 9 meses e 23 dias de suspensão.
7ª
O que, como se pode verificar, corresponde de forma mais ou menos exata ao acréscimo real de tempo de pena que se contabiliza na diferença entre o cumprimento sucessivo das penas únicas previamente existentes e o cúmulo jurídico realizado para obtenção de nova pena única conjunta.
8ª
A aplicação do desconto do tempo já cumprido na pena única a determinar foi suscitada em sede de audiência cumulatória, o momento próprio para o efeito.
9ª
Não há qualquer dúvida que o instituto do desconto é convocável num caso como o presente, perante tempo cumprido de suspensão de execução de pena de prisão com regime de prova, sendo disso exemplo os Acórdãos do Supremo Tribunal deJustiçade14/01/2016 (HELENAMONIZ), 09/06/2021(ANTÓNIOGAMA) e 07/12/2022 (M. CARMOSILVA DIAS), bem como o Acórdão da Relação do Porto de 23/11/2022 (PAULO COSTA), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
10ª
O instituto do desconto é tido como um caso especial de determinação da pena, correspondente a um poder-dever de decisão por parte do Tribunal que obtém o conhecimento das circunstâncias factuais e processuais que justificam a sua aplicação.
11ª
O que sucede no caso concreto.
12ª
Por isso, a ausência total de pronúncia na decisão aqui recorrida relativamente ao desconto, na pena única, do tempo de SEPP parcialmente cumprido nos dois processos cujas penas foram cumuladas, corresponde a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379º nº 1 alínea c) do CPP, nulidade que aqui se invoca, com as legais consequências.
13ª
Assim, sendo procedente a nulidade invocada, caso se entenda que a mesma poderá ser imediatamente suprida dando cumprimento ao disposto no art. 81º do CP, cumpre invocar que, mesmo que se proceda à realização de um desconto equitativo nos termos do nº 2 do art. 81º do CP, no caso concreto deverá ser considerada:
i. A índole e teleologia do conhecimento superveniente do concurso e do cúmulo jurídico associado;
ii. O tempo real adicionado de 9 meses ao cumprimento de pena pela arguida, que resultante da comparação entre o que sucederia em cumprimento sucessivo de penas e o que sucede na sua reunião numa única;
iii. Na soma total do período de suspensão das penas únicas dos processos anteriormente determinadas decorreu um total de cerca de 1 ano e 10 meses, a que corresponde um total de vigência do regime de prova de 9 meses e 23 dias de suspensão;
14ª
Motivo pelo qual deverá ser determinada a realização de um desconto de 9 meses na pena única conjunta realizada na sentença recorrida, sendo a decisão em crise parcialmente revogada e substituída por uma que assim proceda.
Conclui da seguinte forma:
Deverá proceder parcialmente o recurso interposto pela arguida, declarando-se verificada a nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal e, consequentemente, devendo ser descontado na pena única aplicada nestes autos o tempo cumprido à ordem do processo n.º 16/15....
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II.
DECISÃO RECORRIDA
«(…) 2.1. Factos provados
2.2.1. A arguida AA foi condenada nas penas parcelares de doze meses de prisão pela prática, em 19.03.2017, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º1 e 145.º, n.º1, alínea a), e n.º 2, por referência ao artigo 132.º/2, alínea h), todos do Código Penal, e de dezasseis meses de prisão pela prática, na mesma data, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º1 do Código Penal, a que se fez corresponder a pena única de vinte meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada a regime de prova, aplicadas, por sentença transitada em julgado em 13.12.2022, nos presentes autos, pelos factos dados como provados na respetiva Sentença e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
2.1.2. A arguida AA foi condenada nas penas parcelares de um ano e seis meses (dezoito meses) pela prática, em 17.02.2012, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artº 169 nº 1 do Código Penal, e de um ano e dois meses (catorze meses) pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artº 183º nº 2 da Lei 23/2007 de 4.7 com a redação dada pela Lei nº 29/2012 de 9.8, a que se fez corresponder a pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada a regime de prova, aplicada por acórdão transitado em julgado em 04.01.2022, nos autos n.º16/15...., cuja certidão foi junta a estes autos em 03.05.2023, pelos factos constantes da mesma e que aqui se consideram reproduzidos.
2.1.3. A Arguida trabalhava como ... na ..., encontrando-se de baixa médica, por questões de locomoção.
2.1.4. A Arguida vive em união de facto há treze anos, sendo o seu Companheiro o atual ... da ....
2.1.5. A Arguida tem duas filhas, de 22 e de 26 anos de idade, vivendo a Primeira consigo, encontrando-se desempregada.
2.1.6. A Arguida vive na casa da Cunhada.
(…)
No caso presente, as penas parcelares a relevar são da mesma espécie, tratando-se, designadamente de penas prisão, donde a moldura do concurso corresponderá, no seu limite máximo, 60 meses/5 anos (= soma daquelas penas parcelares) e dezoito meses/1 ano e seis meses (= a pena parcelar mais elevada).
A determinação do número de dias de multa dentro daquela moldura remete este Tribunal, em primeiro lugar, para a ponderação da gravidade que o conjunto dos factos praticados pela Arguida transmite, e que é acentuada in casu, por força da sua proximidade temporal e espacial.
Em sentido diverso, ou seja, esbatendo, em alguma medida, as ditas necessidades de consciencialização e reintegração da Arguida, sublinha-se a ausência de (mais/outros) antecedentes criminais, a inserção familiar e profissional a sua postura em audiência.
Feita esta ponderação global, julgo necessário, adequado e suficiente determinar a pena única...
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