Acórdão nº 62/20.4GEABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-03-05

Ano2024
Número Acordão62/20.4GEABT.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 62/20.4GEABT, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Abrantes, foi submetido a julgamento o arguido (A), melhor identificado nos autos, estando acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1 do Código Penal, por referência aos artigos 30º, n.º 1, 35º, n.º 1, 44º, n.ºs 1, 2 e 3, 145º, n.º 1, alínea f), 146º n.º 1 alínea n) e 103º n.º 3, todos do Código da Estrada.
1.2. Não foi deduzido pedido de indemnização civil.
1.3. No decurso da audiência de julgamento, finda a produção da prova, na sessão realizada em 29/06/2023, foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º, n.º 1, do CPP, nada tendo o arguido requerido.
1.4. Na mesma data (29/06/2023) foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«(...) decido julgar parcialmente procedente a acusação e consequentemente:
a) Condenar o arguido (A), pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelos arts. 137.º, nº 1 e 15.º, al. a), ambos do Código Penal, por violação do disposto nos artigos 30º, n.º 1, 35º, n.º 1, 44.º n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada e do art 21º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido (A), mencionada em a), pelo período UM ANO, sujeita a regime de prova - cfr. artº 50º, nº 1 do Código Penal e sujeito:
A) o cumprimento, nos termos do artigo 51º, nº 1, al. c) do seguinte dever:
i. entregar a quantia de 750,00 euros ao CENTRO de ALCOITÃO, vocacionada para o auxílio de vítimas de acidente de viação, sendo:
a) 375,00 euros a entregar no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado;
b) 375,00 euros a entregar no prazo máximo do termo da pena.
B) o cumprimento, nos termos do artigo 52º do CP, da seguinte regra de conduta:
ii. frequentar um programa de condução segura, a realizar no prazo máximo de 6 meses, com uma duração que a entidade responsável pela sua execução entenda por conveniente, comprovando a mesma nos autos.
c) Condenar o arguido (A) na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 8 (oito) MESES, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sob pena de incorrer na responsabilidade criminal se violar tal proibição.
d) Ordenar ao arguido, a entrega da carta e/ou licença de condução pelo arguido ou qualquer outro documento que o habilite a conduzir, no prazo de 10 dias, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e sob cominação de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
e) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2UC e, bem assim, nos demais encargos nos termos dos art 513.º e 514.º todos do Código de Processo Penal e no artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Judiciais.
(...)».

1.5. Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação da qual extraiu as seguintes conclusões:
«I - A douta sentença que condenou o arguido, e ora sob recurso, carece de fundamento de facto e de direito, pelo que se afigura passível de reparo.
II - Mostra-se incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada em 5., 7., 13, 16. e 40 de FACTOS PROVADOS, os quais deveriam ter sido dados como não provados caso o douto Tribunal a quo tivesse efectuado uma criteriosa e cuidada apreciação da prova, designadamente das declarações do arguido e do Relatório Pericial da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
III - O douto Tribunal a quo violou, assim, as normas contidas nos art.º 127º e 163º, nº 1, do Código de Processo Penal.
IV - A pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
V - Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou o artigo 70º do Código Penal.
VI - A substituição de uma pena de prisão de 6 (seis) meses por pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
VII - Assim não procedendo, o douto Tribunal a quo violou a norma contida no art.º 45º, nº 1, do Código Penal.
VIII - Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, deve proceder-se à alteração da matéria de facto provada, nos termos constantes da Conclusão II, revogando-se a douta sentença e, consequentemente, absolvendo o arguido do crime por que vinha acusado, ou, caso assim não se entenda, aplicar ao arguido uma pena de multa, ou, assim não se entendendo, aplicando ao arguido uma pena de prisão em medida inferior a um ano, substituindo-a por uma pena de multa,
Assim se fazendo, JUSTIÇA!»

1.6. O recurso foi regularmente admitido.
1.7. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pronunciando-se no sentido de dever ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.
«Da análise dos elementos constantes dos autos, mormente da perícia realizada, bem como dos esclarecimentos prestados pelo perito e dos depoimentos das testemunhas resulta inequivocamente que os factos constantes dos pontos 5., 7., 13., 16. e 40. dos FACTOS PROVADOS, deveriam efectivamente ter sido dado como provados, como o foram, pelo Tribunal a quo.
1. Ao dar tais factos como provados, o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação dos art.ºs 127.º e 163.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
2. No caso, revelam-se muito elevadas as necessidades de prevenção geral (associada à frequente criminalidade rodoviária verificada no nosso país), bem como as necessidades de prevenção especial (sentidas e particular face à postura adoptada pelo arguido em julgamento, reveladora de falta de interiorização do desvalor e gravidade da sua conduta negligente).
3. Motivo pelo qual se acompanha a douta sentença recorrida na conclusão de que a pena de multa não se mostra suficiente para dar resposta a essas necessidades, impondo-se uma pena de prisão.
4. Face, em especial à postura do arguido em julgamento, afigura-se-nos que a pena de prisão não deveria ser substituída por multa.
5. Pelo exposto, ao aplicar uma pena de prisão, próxima do mínimo legal e suspensa na sua execução e sujeita a regras de conduta, fez o Tribunal a quo correcta aplicação e interpretação do direito (designadamente dos art.ºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal).
6. Mostrando-se a pena aplicada adequada e proporcionada em relação à situação concreta.
7. Pelo que não assiste razão ao recorrente, devendo o respectivo recurso improceder, confirmando-se a douta sentença proferida.
Nestes termos, deve o recurso interposto improceder, confirmando-se antes a douta sentença proferida nos autos, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências, JUSTIÇA!»

1.8. Subidos aos autos a este Tribunal da Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos aduzidos pelo Ministério Público, na 1.ª instância, na resposta ao recurso.
1.9. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.10. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões suscitadas:
- Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 5., 7., 13., 16. e 40., por erro de julgamento;
- Violação do disposto nos artigos 127º e 163º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal;
- Escolha da pena: Aplicação de pena de multa ao invés de pena de prisão.

2.2. Para que possamos apreciar as questões suscitadas, importa ter presente o teor da sentença recorrida, que se transcreve:
«(...)
II - Fundamentação de Facto
A) Factos Provados:
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1. No dia 15 de Outubro de 2020, pelas 18h35, o arguido (A) conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, modelo 200D, matrícula (…..), na Estrada Nacional 118, ao km126, no sentido Tramagal-Constância, pela hemifaixa direita de rodagem, atento aquele sentido de trânsito.
2. Na mesma altura, a vítima (B) conduzia um velocípede, pela mesma na Estrada Nacional 118, ao km126,250, no sentido Constância-Tramagal, pela hemifaixa direita, atento o seu sentido de marcha.
3. O arguido ao aproximar-se do cruzamento que permite seguir na direção de Crucifixo aproximou o seu veículo para a esquerda no sentido de mudar de direção para a localidade de Crucifixo.
4. No cruzamento referido em 3, existe sinalética rodoviária horizontal com a palavra de "STOP".
5. Ao...

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