Acórdão nº 6152/22.1T8LRS.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-29

Ano2022
Número Acordão6152/22.1T8LRS.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I – O Ministério Público intentou processo que denominou de promoção e protecção no que concerne às crianças OG e AG.
Alegou que estes se encontram deslocados em Portugal, devido à situação de guerra, encontrando-se acompanhados pela sua tia IM, na residência desta, ficando os seus pais, suas figuras de referência, na Ucrânia, onde os menores vivenciaram acontecimentos trágicos.
O requerimento inicial foi concluído pelo requerente nos seguintes termos:
«Pelo exposto, e considerando que a situação descrita se enquadra no disposto no art.º 3º, nºs 1 e 2, alínea d) e f) da Lei nº 147/99 de 1-9, requer-se a Vª Exª que:
. ao abrigo dos artigos 102º e 106º da mencionada Lei, R. e A. como processo judicial de promoção e protecção, se declare aberta a instrução, com vista à aplicação de medida que afaste o perigo em que a(s) criança(s) se encontra(m);
. se solicite a elaboração de relatório social e se designe data para audição do jovem, da cuidadora e Técnico/a da Segurança Social, com vista a eventual acordo, nos termos do art.ºs 107º e 108º da LPCJP;
. se nomeie interprete, considerando que a(s) criança(s) é(são) estrangeira(s);
. se nomeie como legal representante do jovem, designadamente para os efeitos do disposto no artigo 67.º do RGPTC, artigo 18.º n.º1 e n.º2 da Lei n.º67/2003 de 23.08 e artigo 16.º e 17.º do Código de Processo, a sua IM, sua tia, nascida a 10-12-1976, AR nº …, a residir na morada na Rua …, nº …, …º Esq.º, 1885-….Moscavide (tel.: …, email: … Conclusos os autos, foi proferido despacho que decidiu nos seguintes termos (despacho recorrido):
«Os presentes foram denominados, classificados e distribuídos como processo de promoção e proteção.---
Contudo, pela análise do requerimento inicial constata-se, além do mais, que se pretende a nomeação de um representante legal aos menores AG e OG os quais se encontram no nosso país aos cuidados da tia e a residir na morada que daí consta, entendendo ser no âmbito de uma ação tutelar comum que será salvaguardado o seu superior interesse .---
As ações têm tramitação completamente diferente, acarretando, tal facto, um erro da distribuição, que importa corrigir em conformidade com o disposto na al. b) do artigo 210º do C.P.C.---
Assim e antes do mais, retifique alterando a capa dos autos para a designação correta, carregando –se na espécie competente e descarregando-se da espécie em que se encontra, de modo a poder seguir os seus trâmites normais.---»
Na sequência foi designada conferência – conferência que teve lugar em 5-7-2022 e em que estiveram presentes os menores OG e AG, a sua tia IM, uma intérprete, uma técnica do EMAT de Loures/Odivelas, sendo ouvidos, via telemóvel, os progenitores dos menores.
Nessa ocasião foi obtido acordo entre a tia das crianças e os progenitores destas, acordo a cuja homologação o Ministério Público não se opôs e que, efectivamente, foi homologado por sentença. Nos termos do aludido acordo, designadamente, foi fixada residência ao OG e ao AG junto da tia IM, a cuja guarda e cuidados ficaram entregues e a quem foram atribuídas as responsabilidades parentais.
Todavia, o Ministério Público não desistiu do recurso de apelação que entretanto interpusera do acima transcrito despacho, em cujas alegações concluiu nos seguintes termos:
I - A representação, defesa e promoção dos direitos e interesses das crianças e dos jovens constitui uma área de intervenção do Ministério Público, concretizada nos artigos 4.º n.º1 e 9.º do Estatuto aprovado pela Lei n.º68/2019 de 27.08 e em diversos diplomas, no Código Civil, no artigo 17.º do RGPTC e na Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), por referência ao artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa.
II – Em 7.6.2022, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 1 e nº 2, alínea d); 11º, alínea c); 72º, nº 3; 73º, nº 1, alínea b, 79º, nº 1; 101º, nº 1 e 105º, nº 1 da Lei n.º147/99 de 1-9 e 2º e 4º, al. i) do Estatuto do Ministério Público com vista a assegurar o superior interesse das crianças AG, nascido a 15-11-2006 e OG, nascido a 21-10-2009, actualmente residentes na Rua …, nº …, …º Esq.º, 1885-… Moscavide, entendendo que os mesmos se encontram em perigo e a carecerem de uma medida de promoção e protecção, o Ministério Público deu entrada em Juízo do processo judicial de promoção e protecção.
III – Para o efeito, juntando o expediente remetido pelo SEF, requereu ao abrigo dos artigos 102º e 106º da mencionada Lei, se R. e A. como processo judicial de promoção e protecção, se declare aberta a instrução, com vista à aplicação de medida que afaste o perigo em que a(s) criança(s) se encontra(m); se solicite a elaboração de relatório social e se designe data para audição do jovem, da cuidadora e Técnico/a da Segurança Social, com vista a eventual acordo, nos termos do artigo 107º e 108º da LPCJP; se nomeie interprete, considerando que a(s) criança(s) é(são) estrangeira(s); se nomeie como legal representante das crianças, designadamente para os efeitos do disposto no artigo 18.º n.º1 e n.º2 da Lei n.º67/2003 de 23.08 e artigos 16.º e 17.º do Código de Processo, IM, sua tia, nascida a 10-12-1976, AR n.º…, alegando o seguinte:

As crianças são filhos de SG e IG e residiam com os pais na Ucrânia donde é natural e nacional.

Por via do estado de guerra que assola aquele país e a fim de buscar protecção, as crianças deslocaram-se para Portugal, ficando os seus pais na Ucrânia.

Os menores encontram-se acompanhados por IM, sua tia, nascida a 10-12-1976, AR nº …, a residir na morada na Rua …, nº …, …º Esq.º, 1885-…Moscavide (tel.: …, email: …).
4.º
Os menores solicitaram junto do SEF, protecção temporária nos termos do disposto Resolução do Conselho de Ministros nº 29-A/2022, de L de março, alterada pela RCM nº 29-D/2022, de LL de março em Portugal.

As crianças encontram-se em território português, ao cuidado de terceiros que não são titulares do poder paternal e os pais não exercem, de momento, as suas responsabilidades parentais.

Por outro lado, as crianças vivenciaram acontecimentos trágicos face à situação de guerra que ocorre no seu país de naturalidade e residência e estão separados dos pais, que foram a sua figura de referência.

Estamos perante uma situação em que está em causa o desenvolvimento, bem-estar e equilíbrio emocional das crianças, nos termos do artigo 3º, nº 1 e 2, alínea d) e f) da Lei de Protecção e Promoção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo que importa aplicar a favor do AG e do OG uma medida de promoção e protecção prevista no art.º 35 da mencionada Lei, adequada a remover tais perigos.

Considerando que ambos os progenitores se encontram num país em guerra, desconhecendo-se em que circunstâncias, não se vislumbra que seja viável obter o seu consentimento à intervenção da CPCJ pelo pertence ao tribunal a competência para a tramitação do processo de promoção e protecção.

Considerando a menoridade e o facto de a(s) criança(s) não estar(em) acompanhado/a(s) de um legal representante, importa ainda que lhe(s) seja nomeado um curador para os efeitos previstos no artigo 18.º n.º1 e n.º2 da Lei n.º67/2003 de 23.08 e artigo 16.º e 17.º do Código de Processo Civil, no caso a sua tia acima indicada.
IV – Em 13.06.2022 foi proferida decisão judicial em que ignorando por completo os vários factos vertidos nos artigos da petição inicial onde se dá a conhecer a situação de perigo das crianças e da necessidade de aplicação de medida de promoção e protecção a seu favor, considerou que se pretende apenas a nomeação de um representante legal aos menores que se encontram no nosso país aos cuidados da tia e a residir na morada que daí consta, entendendo ser no âmbito de uma ação tutelar comum que será salvaguardado o seu superior interesse, considerou existir um erro da distribuição, que importa corrigir em conformidade com o disposto na al. b) do artigo 210º do C.P.C, determinando a rectificação e alteração da capa dos autos para a designação correta, carregando-se na espécie competente e descarregando-se da espécie em que se encontra, de modo a poder seguir os seus trâmites normais, designando para conferência de pais, o dia 5 de julho de 2022, pelas 10h, nos termos do artigo 35º nº 1 do RGPTC ex vi artigo 67º do RGPTC, determinando a citação, devendo, ser convocados, igualmente, o AG e o OG para prestarem declarações dando-se cumprimento ao disposto nos artigos 4º e 5º do RGPTC.
V - Estamos perante um processo judicial de promoção e protecção que tem por objecto a promoção dos direitos e protecção das crianças AG, nascido a 15-11-2006 e OG, nascido a 21-10-2009, actualmente residentes na Rua …, nº …, …º Esq.º, 1885-…. Moscavide que residiam com os seus pais na Ucrânia, donde são naturais e nacionais, por forma a garantir o seu bem-estar e o desenvolvimento integral – artigo 1.º da LPCJP.
VI – As crianças, desacompanhadas dos seus progenitores ou legais representantes legais, apresentaram-se junto dos Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de solicitarem protecção temporária nos termos do disposto na Resolução de Conselho de Ministros n.º 29-A/2022 de 1.03, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-D/22 de 11.03.
VII - Estão na prática entregues a si próprios, não conhecem a língua portuguesa e não recebem os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, situação legitimadora da intervenção.
VIII - Atendendo à situação das crianças, urgindo acautelar os seus direitos e superior interesse, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, torna-se urgente, adequada e necessária a aplicação a título provisório da medida cautelar de promoção e protecção de Apoio junto de Outro Familiar, nos termos dos artigos 35.º n.º 1 alínea b) e 37.º da LPCJP ou outra que melhor se adequa à sua situação.
IX - Considerando a
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